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Os efeitos da renúncia da herança por parte de um herdeiro

Agenda 30/06/2022 às 14:05

O direito à herança é um direito constitucionalmente protegido, conforme artigo 5º, XXX, CF/88. Porém, conforme ensinamento do professor Conrado Paulino ninguém é herdeiro contra a sua própria vontade. 

De fato, pode se falar no Princípio da Saisine, presente no art 1.784, do CC/02, no qual entendesse que a herança se transmite no momento da morte. 

Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.

No entanto há previsão no Código Civil de 2002, em seu artigo 1.804, parágrafo único, o qual estabelece o que segue:

Art. 1.804. Aceita a herança, torna-se definitiva a sua transmissão ao herdeiro, desde a abertura da sucessão. 

Parágrafo único. A transmissão tem-se por não verificada quando o herdeiro renuncia à herança.

O período entre o evento morte e a manifestação do aceite ou da recusa da herança por parte do herdeiro é chamado de delação ou devolução sucessória.

A aceitação da herança é a manifestação de vontade do herdeiro de que deseja receber a herança. Ela pode ser expressa, tácita ou presumida.

Art. 1.805. A aceitação da herança, quando expressa, faz-se por declaração escrita; (...)

Art. 1.805. A aceitação da herança, (...), quando tácita, há de resultar tão-somente de atos próprios da qualidade de herdeiro.

Art. 1.807. O interessado em que o herdeiro declare se aceita, ou não, a herança, poderá, vinte dias após aberta a sucessão, requerer ao juiz prazo razoável, não maior de trinta dias, para, nele, se pronunciar o herdeiro, sob pena de se haver a herança por aceita.

A aceitação tem que ser de tudo, não permitindo aceitação de parte, nem condição, nem termo, conforme artigo 1808, CC/02:

Art. 1.808. Não se pode aceitar ou renunciar a herança em parte, sob condição ou a termo.

A renúncia também é chamada de RENÚNCIA ABDICATIVA. Trata-se do ato de vontade no qual o herdeiro declara que não quer receber a herança. É um ato puro, simples e gratuito, não podendo se renunciar em favor de alguém. 

A renúncia só é aceita de forma expressa, por instrumento público, registrado em tabelionato de notas, ou termo nos autos do inventário.

Art. 1.806. A renúncia da herança deve constar expressamente de instrumento público ou termo judicial.

Existe, ainda, algumas outras restrições legais à renúncia, quais sejam, a de que o renunciante deve possuir capacidade jurídica de fato e negocial, especificamente aquela para alienar bens imóveis; em caso de o renunciante ser casado, deve possuir a anuência do cônjuge, exceto se casado sob o regime de separação total de bens; não pode prejudicar credores, podendo esses, caso ocorra, realizar o aceite da herança pelo herdeiro renunciante.

Art. 1.813. Quando o herdeiro prejudicar os seus credores, renunciando à herança, poderão eles, com autorização do juiz, aceitá-la em nome do renunciante.

Conforme leciona o Advogado Gustavo Bolleta Vieira:

A renúncia da herança - negócio jurídico unilateral - consiste no ato de um ou mais herdeiros abdicarem totalmente o respectivo quinhão dos bens a que teriam direito a receber. Desse modo, o quinhão retorna ao montante da herança para ser redistribuído aos demais herdeiros, independentemente da aceitação destes. A renúncia significa, literalmente, abrir mão da herança.

O que se depreende é que a renúncia só pode ocorrer em relação à totalidade do quinhão que cabe ao herdeiro, não podendo ser apenas de parte dele, passando este herdeiro renunciante a ser tratado como nunca tivesse existido, sendo a parte do quinhão do renunciante acrescida aos demais herdeiros da mesma classe.

Art. 1.810. Na sucessão legítima, a parte do renunciante acresce à dos outros herdeiros da mesma classe e, sendo ele o único desta, devolve-se aos da subsequente.

Nos dizeres de Sebastião e Euclides:

O renunciante não pode escolher um beneficiário do seu quinhão, o qual retornará ao total da herança. Sendo assim, é como se o renunciante nunca tivesse herdado os bens deixados, não havendo transmissão, motivo pelo qual é considerado um ato abdicativo.

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Nessa mesma esteira Zeno Veloso se pronuncia dizendo que:

(...) o herdeiro que renuncia é considerado como se não tivesse chamado, como se nunca tivesse sido herdeiro.

Flávio Tartuce também se pronuncia a respeito alegando que:

(...) o herdeiro renunciante é considerado como se nunca tivesse existido, pensamento que é fundamental para a categoria que ora se estuda. Tal premissa atinge o direito de representação de outros herdeiros, (...)

Vale ressaltar que a renúncia produz efeito ex tunc, retroagindo a abertura da sucessão.

Outrossim, diante da renúncia, os descendentes do renunciante não podem atuar como representantes para receber a herança. No entanto, caso sejam os únicos legítimos de sua classe, poderão vir a receber a herança por direito próprio e por cabeça.

Art. 1.811. Ninguém pode suceder, representando o herdeiro renunciante. Se, porém, ele for o único legítimo da sua classe, ou se todos os outros da mesma classe renunciarem a herança, poderão os filhos vir à sucessão, por direito próprio, e por cabeça.

A aceitação e a renúncia são irretratáveis, ou seja, não podendo voltar atrás da sua decisão, tudo conforme artigo 1812, CC/02:

Art. 1.808. Não se pode aceitar ou renunciar a herança em parte, sob condição ou a termo.

Outro ponto que não pode ser deixado de lado é a renúncia à herança quando o de cujus deixa testamento. Com a sucessão testamentária, a renúncia a herança pode acarretar caducidade do testamento ou das disposições que beneficie o herdeiro renunciante, salvo se, ao testar, o de cujus estabeleceu substituto, conforme artigo 1.947, do CC/02, ou haja ainda direito de acrescer.

Já vimos anteriormente que a regra geral é que não se comporta aceite nem renúncia em parte, sob condição ou a termo. Contudo, o Código Civil estabelece duas exceções que comportam a renúncia parcial da herança, as quais podem ser encontradas no artigo 1.808, parágrafo 1º e 2º:

Art. 1.808. Não se pode aceitar ou renunciar a herança em parte, sob condição ou a termo.

§ 1 o O herdeiro, a quem se testarem legados, pode aceitá-los, renunciando a herança; ou, aceitando-a, repudiá-los.

§ 2 o O herdeiro, chamado, na mesma sucessão, a mais de um quinhão hereditário, sob títulos sucessórios diversos, pode livremente deliberar quanto aos quinhões que aceita e aos que renuncia.

É de importante lição os dizeres de Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim:

Tanto a aceitação quanto a renúncia da herança devem ser feitas de modo pleno e incondicional. Nos dizeres do caput do artigo 1.808 do Código Civil, não se pode aceitar ou renunciar a herança em parte, sob condição ou a termo. Ressalva-se, porém, a possibilidade de o herdeiro, que seja beneficiado em testamento, aceitar os legados e renunciar à herança, ou, vice-versa, aceitar só a herança, repudiando os legados. No mesmo tom, a lei faculta que o herdeiro chamado, na mesma sucessão, a mais de um quinhão hereditário, sob títulos sucessórios diversos, possa optar em aceitar ou renunciar a certos quinhões (art. 1.808, §§ 1º e 2º, do CC). (Grifo nosso)

Neste ínterim, é importante salientar a figura da RENÚNCIA TRANSLATIVA que se dá quando o herdeiro aceita a herança e, em seguida, transmiti-la por doação para outra pessoa.

Uma importante diferença que primeiro devemos mencionar aqui é que na renúncia abdicativa não há o pagamento do imposto causa mortis pelo herdeiro renunciante. Já na renúncia translativa ocorrem duas transmissões, assim o herdeiro vai pagar o imposto causa mortis, pelo recebimento da herança, e poderá incidir o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), caso haja doação, e/ou ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis). Tudo isso por transmitir a herança para outra pessoa de forma gratuita ou onerosa.

Isso implica dizer que a renúncia translativa, em verdade, é uma CESSÃO. E sabe-se que a cessão pode ser gratuita ou onerosa, podendo ser para outro herdeiro ou não, devendo, por derradeiro, ser respeitado o direito de preferência dos coerdeiros.

Vale a pena trazer as lições de Guilherme Calmon a respeito da cessão da herança ou cessão de direitos hereditários:

Diante do princípio da saisine, como a posse e a titularidade da herança já haviam sido transmitidas aos herdeiros, logicamente que o direito hereditário ingressou no patrimônio dos herdeiros, ainda que com as características da universalidade e da indivisibilidade da herança. Desse modo, e por não contrariar o disposto no art. 426, CC (a proibição do pacto sucessório), é possível ao herdeiro, desde a abertura da sucessão, providenciar a transferência de seu direito a terceiros sob a forma da cessão da herança ou cessão de direitos hereditários (quinhão ou cota parte). Tal transferência será feita por negócio inter vivos, a título gratuito ou oneroso, abrangendo todo o quinhão hereditário ou apenas parte dele.

Dessa forma, podemos concluir que, apesar de haver duas formas de renúncia, apenas a renúncia abdicativa pode ser considerada como uma renúncia pura, já que a renúncia translativa, em verdade, se classifica como uma cessão de direitos.



REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

AMORIM, Sebastião; DE OLIVEIRA, Euclides. Inventário e partilha: teoria e prática. 25. ed. Saraiva, São Paulo: 2018.

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito Civil Sucessões. São Paulo: Atlas, 2003.

TARTUCE, Flávio. Direito Civil, V6: Direito das Sucessões. 10 ed. rev., atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense. 2017.

VELOSO, Zeno. Código Civil Comentado - VXVIII: Direito das Sucessões. Sucessão em geral. Sucessão legítima - Artigos 1.784 a 1.856. Ed. ATLAS JURIDICO - GRUPO GEN; 5ª edição 2008.

VIEIRA, Gustavo Bolleta. Sucessões: aspectos gerais sobre a renúncia da herança e cessão de bens no inventário. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/299155/sucessoes--aspectos-gerais-sobre-a-renuncia-da-heranca-e-cessao-de-bens-no-inventario. Acessado em:21/12/2021.



Sobre a autora
Isabella Cristina Guilherme de Araújo

Possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2014). Advogada OAB/PE - Subsecção Olinda-PE. Tem formação em Mediação Judicial pela Escola Judicial do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) (2017) e atuação como Conciliadora Judicial Voluntária no TJPE (2016-2019). Pós-graduada em Direito Público pelo Instituto Pan Americano de Educação, Ciências e Cultura - Faculdade Novo Horizonte em (2019-2021). Membro da Comissão de Mediação, Arbitragem, Conciliação e Direito Sistêmico da OAB/PE Subsecção Olinda (2019-2020). Conciliadora Judicial – CNJ. Pós-graduada em Direito de Família e Sucessões pelo Centro Universitário UniDom Bosco em parceria com Meu Curso (2021-2022).

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