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É preciso ter claro, que a responsabilidade civil, disciplinada pelo artigo 14, § 1º, da Política Nacional de Meio Ambiente ( Lei Federal 6.938/1981), adotou a regra da responsabilidade objetiva, impondo ao poluidor a obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados ao meio ambiente, independentemente da existência de culpa.
No entanto, o fato de se prescindir de culpa não dispensa a presença dos pressupostos da responsabilidade pelo dano ambiental, quais sejam: a existência do dano devidamente caracterizado e do nexo de causalidade entre o dano e a atividade.
Isto é, para que se caracterize a responsabilidade civil e exsurja o dever de reparação pela via indenizatória, faz-se necessário demonstrar que o dano, direta ou indiretamente, resultou de uma ação ou omissão daquele a quem se imputa algum dever. Não se afasta, nesse passo, a demonstração do nexo de causalidade entre atividade e dano.
Por consequência, não há que se falar na obrigação de promover qualquer espécie de reparação de natureza indenizatória a coletividade, tampouco de natureza moral quando ausente o nexo.
NÃO CABIMENTO DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA EM QUALQUER MOMENTO PROCESSUAL
A Lei da Ação Civil Pública não estabelece regra específica acerca da distribuição do ônus da prova. Diante disso, nos termos do artigo 19 desse diploma legal, aplicam-se as regras do Código de Processo Civil.
Certo que no processo civil predomina o princípio dispositivo, que entrega a sorte da causa a diligência ou interesse da parte, assume especial relevância a questão do ônus da prova. Afinal, este ônus consiste na conduta processual exigida da parte para que a verdade dos fatos por ela arrolados seja admitida pelo Juiz.
É o que ensina Humberto Theodoro Júnior [1]:
Não há um dever de provar, nem a parte contrária assiste o direito de exigir a prova do adversário.
Há um simples ônus, de modo que o litigante assume o risco de perder a causa se não provar os fatos alegados e do qual depende a existência do direito subjetivo que pretende resguardar através da tutela Jurisdicional.
Isto porque, segundo máxima antiga, fato alegado e não provado é o mesmo que fato inexistente.
Em atenção ao referido dispositivo, o Código de Processo Civil, em seu artigo 373, repartiu o ônus da prova entre os litigantes, senão vejamos:
Art. 373 - O ônus da prova incumbe: - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; - ao réu, quanto a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Logo, cada litigante tem o ônus de provar os pressupostos fáticos do direito que pretende ser aplicado pelo juiz na solução do litígio.
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR APLICÁVEL A AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Em que pese o Código de Defesa do Consumidor ter disposições aplicáveis as ações civis públicas (especificamente aquelas contidas no seu Capítulo III), a regra do artigo 6º não é uma delas.
É o que ensina Ada Pellegrini Grinover [2], ao afirmar que "algumas importantes disposições do CDC não são aplicáveis a LACP, por não se inserirem entre as disposições processuais do Código (é o caso, p. ex., da regra que possibilita ao juiz a inversão do ônus da prova, importante para as ações ambientais, quanto ao nexo causal)."
Ainda a esse respeito, já sustentamos alhures que "a inversão do ônus da prova em matéria ambiental, segundo a rigorosa dicção do art. 21 da Lei 7.347/1985, violenta postulados básicos, como o devido processo legal e a isonomia das partes. Para que se resguarde o Estado de Direito, de um lado, e se assegure a defesa do meio ambiente, de outro, a inversão do ônus da prova, no caso, está a desafiar regra legal expressa, a exemplo do que fez o Código de Defesa do Consumidor nas relações de consumo [3].
E, nesse mesmo sentido, assim leciona José dos Santos Carvalho Filho [4], ao aludir que:
"[...] nos termos do art. 21, só se aplicam as regras do Código de Defesa do Consumidor no que for cabível, o que significa dizer que algumas normas poderão ser apropriadas para a tutela específica de interesses dos consumidores, mas não servirão como regras para a tutela genérica dos interesses difusos e coletivos, prevista na Lei nº 7.347/85.
Necessário, pois, será o respeito ao princípio da adequação, segundo o qual a incidência normativa só ocorre se a norma Jurídica for compatível com a natureza da tutela contemplada na lei da ação civil pública."
E nem se fale na aplicação, neste caso, do § 13 do artigo 373 do Código de Processo Civil, segundo o qual:
"Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas a impossibilidade ou a excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou a maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o Juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar a parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído."
Embora exista quem defenda a inversão do ônus da prova em lides ambientais com base no referido artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, há, pois, critérios para a admissão dessa regra.
CONCLUSÃO
A incidência do artigo 6º, inciso VIII, do CDC em ações civis públicas ambientais é aceita de forma excepcional, devendo estar atrelada a um critério especifico: a vulnerabilidade de uma parte em relação a outra, especificamente no que concerne as possibilidades de produção da prova.
Ou seja, a regra foi criada para aquelas situações em que o Autor possui" dificuldade invencível de realizar a prova de suas alegações "[5] e, ao mesmo tempo, o réu possui nítida facilidade na produção da prova relativa aos fatos objetos da demanda.
Ora, não pode um órgão ambiental e muito menos o Ministério Público que se utiliza da ação civil pública ambiental objetivando a reparação de alegados danos ser considerado instituição hipossuficiente que não possui condições de provar o que alega; muito pelo contrário, são instituições com capacidade técnica e jurídica notoriamente reconhecidas. Nesse passo, não se enquadra na hipótese legal do artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor.
Outrossim, o artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, só poderia ser aplicado em ações coletivas ambientais quando verificada a necessidade de se observar o princípio da precaução.
Referido princípio da precaução é a garantia contra as ameaças de danos graves ou irreversíveis diante da ausência de certeza científica absoluta [6], de maneira que tal incerteza não será utilizada como razão para o adiamento de medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.
Ou seja, caso a sociedade ainda não tenha descoberto a efetiva danosidade ambiental de determinada atividade ou produto, deverá ser adotada uma postura precaucionista com relação a este.
Portanto, não se enquadra nos critérios de aplicação do artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, assim como não cabe o artigo 373, § 1º, do Código de Processo Civil, quando a parte contrária não é parte hipossuficiente ou que, em homenagem ao princípio da precaução, se faça necessário inverter o ônus da prova.
[1] Curso de Direito Processual Civil. 13 ed.. Rio de Janeiro: Forense, vol. 1, p. 454.
[2] GRINOVER, Ada Pellegrini. Ações ambientais de hoje e de amanhã. In: BENJAMIN, Antônio Herman V. Dano Ambiental: prevenção, reparação. São Paulo: RT, 1993, p. 252,
[3] MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 103 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 1528-1529.
[4] FILHO, José dos Santos Carvalho. Ação Civil Pública: Comentários por artigo (Lei nº 7.347, de 24/7/85). 63 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 455.
[5] ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 63 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 109.
[6] O princípio da precaução se aplica a atividades cujos efeitos não são conhecidos. Era o caso, por exemplo, dos transgênicos, cuja plantação não se sabia se afetaria os alimentos não transgênicos e a própria saúde das pessoas.
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