A Receita Federal vem, sistematicamente, autuando as cooperativas médicas sob o argumento de estarem elas praticando atos definidos, equivocadamente, como não cooperativos, descaracterizando-as daquela condição para fazer valer a arbitrariedade na exação fiscal. O procedimento vergastado não é tão simples como pode parecer ao fisco, tal qual será explicitado ao longo deste trabalho, cuja pretensão é provocar uma reflexão jurídica e instigar um profícuo debate sobre o assunto.
Prima facie, é preciso compreender que não se fortalece o Estado enfraquecendo o direito, de modo que a Constituição Federal há de ser cumprida (arts. 5º, XVIII; 146, III, "c"; e 174, § 2º) tendo-se em vista o Estado Democrático de Direito e todo o ordenamento jurídico pátrio (Código Tributário Nacional, Leis Federais ns. 5764/71 e 9718/98) concernente à matéria articulada neste material.
Como disse Geraldo Ataliba: "Pior do que violar a Constituição, é ignorá-la".
Dessa maneira, falece razão à autoridade fiscal ao tencionar sejam-lhe pagos tributos pelas cooperativas médicas, referentes a atos tidos por não cooperativos - como se as mesmas fossem sociedades mercantis na feição peculiar desses atos - não levando em conta todas as suas particularidades as quais, por sua vez, fazem-nas incorrer em privilégios e prerrogativas, por força de norma constitucional.
Destaca-se, portanto, que, nesse improdutivo terreno de alegações fiscais infundadas – desmerecedoras de qualquer relevância jurídica - o que se observa é a ignorância expressa da genuína e autêntica natureza jurídica dessas entidades, cuja modificação da definição jurídica protegida pela Carta Política é incontestável.
A doutrina especializada não discrepa da lei e da jurisprudência, sendo unânime ao afirmar – corroborada pelas previsões constitucionais e infraconstitucionais [01] - a necessidade de se impor à Receita Federal a observância do tratamento diferenciado dispensado às sociedades cooperativas em face da essência não mercantil de suas operações com seus associados e afins, traduzidos estes nos serviços periféricos à relação cooperativista indispensáveis ao exercício da atividade médica (hospitais, laboratórios, clínicas, etc.), para alcance da finalidade social cooperativa de prestação de serviços aos médicos cooperados [02].
Tendo em vista a necessidade das previsões constitucionais serem particularizadas pela legislação ordinária, nela é encontrada a definição de Cooperativas.
Regra a lei de regência (Lei n. 5764/71):
(gn)"Art. 3º - Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro".
"Art. 4º - As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características". (gn)
Várias são as peculiaridades levantadas pelo dispositivo retro mencionado, contudo, para este trabalho, o enfoque persistirá no aspecto do inciso VII:
(gn)"VII – retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da Assembléia Geral".
Insta observar - nesse ponto residindo grande parte da discussão sobre o tratamento tributário incidente nas cooperativas - que essa feição das sobras é constantemente confundida com lucro – objeto do equívoco perpetrado pela Receita Federal - o que não autoriza, contudo, a assemelheação de ambos os institutos.
Em que pese as expressões serem parecidas e induzirem à aplicação paradigma, as cooperativas, ao visarem à continuidade de sua existência, inserem, no custo de seus serviços, uma margem de segurança, a qual, pode ser, ao final de seu período de apuração, um resultado positivo ou negativo. O positivo refere-se à sobra. O negativo, ao prejuízo.
Entretanto, é preciso ressaltar, ao anverso da ocorrência com o lucro nas sociedades mercantis criadas justamente visando ao acréscimo patrimonial dos proprietários, não ser a sobra o objetivo da cooperativa, mas uma conseqüência necessária do intrincado ato de levantar um valor no qual se resgate os custos operacionais da entidade, como: luz, água, seguros, acidentes, etc, e cuja inserção em cada produto (cooperativas de consumos) ou serviço (cooperativas de prestação de serviços, como soe ser o caso das cooperativas médicas objeto deste estudo) é difícil.
Portanto, as sobras não dizem respeito ao lucro, tendo-se em vista direcionarem-se aos cooperados, na medida de seus trabalhos. Permite a legislação própria, que as cooperativas façam uma previsão de suas despesas de operacionalização, ajustando sua contabilidade e retornando aos cooperados os prejuízos ou as diferenças na mesma proporção dos negócios com elas mantidos [03].
Pois bem.
É de sabença que a Constituição Federal prevê, em seu art. 153, III, que a União institua imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Por sua vez, o Código Tributário Nacional, como lei complementar – para os termos do art. 146, III, "a", da CF – estabelece:
"Art. 43 – O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
"Art. 44 – A base de cálculo do imposto é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis".
Ora, renda é produto do capital, do trabalho, ou da combinação de ambos, sendo esse resultado (produto) positivo considerado lucro.
Assim, tendo-se em vista as entidades cooperativas serem, pela previsão da lei de regência, sociedades sem fins lucrativos - uma vez criadas, única e exclusivamente, para fins sociais - e considerando a base de cálculo do imposto de renda levar em conta a obtenção de lucro, logo elas não estão sujeitas ao recolhimento desse imposto incidente sobre renda, bem como de seus reflexos, traduzidos estes nas tributações pertinentes à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, COFINS e PIS [04].
Com relação à COFINS e ao PIS, questão relevante reside na observância contumaz - independentemente de se considerar como faturamento ou receita bruta a base de cálculo dessas contribuições (arts. 2º e 3º, da Lei n. 9718/98) - do fato das cooperativas - em virtude mesmo das características pertinentes - não possuírem receita bruta, e tampouco faturamento, no sentido técnico da palavra e no sentido técnico utilizado pelo constituinte, a permitir a incidência de tributos, como os ora mencionados.
Especificamente a justificar a não incidência tributária na forma da COFINS, tem-se o parágrafo único do art. 79 da Lei n. 5764/71 dispondo que o ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria, de forma a não motivar a produção de receita ou de faturamento para a cooperativa.
De igual sorte, seja qual for a perspectiva de análise - sob a ótica da Lei n. 9.718/98 ou da Lei n. 5.764/71, a conclusão será a mesma: as sociedades cooperativas, relativamente aos atos cooperativos, não estão sujeitas à incidência do PIS, cuidando-se de uma NÃO-INCIDÊNCIA PURA E SIMPLES e não de uma norma de isenção.
Ora, considerando, assim, não haver negócio mercantil, como podem os resultados auferidos com a prática de atos cooperados serem forçosamente considerados pela Receita Federal como base de cálculo da CSLL, do PIS e da COFINS? A resposta segue na direção única da imprestabilidade dessa conduta, face à inexistência de base imponível para essas exações, justamente porque o direito tributário e bem assim o direito comercial privado impõem, para que se tenha receita bruta, a existência inafastável de atos de comércio, fato inocorrente na espécie.
Não obstante os aspectos supra, a celeuma posta a lume refere-se ao fato de ter o fisco insistentemente se conduzido no sentido da arbitrária descaracterização dessas entidades, para, amparando-se em atos tidos por não cooperativos, fazer incidir sobre elas a indevida tributação de IRPF, CSLL, COFINS e PIS. Nada mais absurdo.
De acordo com a previsão do art. 79, da Lei n. 5764/71, atos cooperativos seriam aqueles estabelecidos entre cooperados e cooperativa, cooperativa e cooperados, e aquelas entre si, sempre visando aos objetivos sociais da entidade, estampados pela prestação de serviços aos cooperados, na forma de captação de clientes para os mesmos, sendo indubitável ser esta a finalidade dos atos cooperativos balizadora da hipótese da não incidência tributária [05].
Desse modo, se a cooperativa pratica atos, sem visar ao lucro e na busca de seu objetivo social, independentemente de estar-se diante de uma relação efetivada entre cooperativa e cooperados ou entre estas e terceiros, a toda evidência estar-se-á diante de um ato tipicamente cooperativo abrigado de qualquer pretensão fiscal, especialmente no tocante ao Imposto de Renda e seus reflexos [06].
Na cooperativa médica o cooperado é o profissional de medicina – lembre-se: como pessoa física (e os hospitais, a exemplo, como pessoas jurídicas), já sofre a tributação de uma prestação de serviço remunerada [07] - ao qual em tese, é prestado o serviço – finalidade – feito, no campo da realidade, ao paciente – objeto social, de modo que serviços de laboratórios, hospitais, e clínicas, ínsitos que estão no ato cooperativo, não podem dele ser apartados para incidência tributária, sob pena da ocorrência do aspecto da bitributação [08].
Assim, não se referem essas relações a atos não cooperativos - como quer, erroneamente, fazer crer a Receita Federal - já que, muito embora a relação se estabeleça entre a cooperativa médica e o terceiro credenciado estranho à relação cooperativista (hospitais, laboratórios, clínicas, etc.), é sabida a atuação dela em nome dos cooperados (como soe ser, por exemplo, o caso do pagamento dos custos de sua estrutura administrativa, com recursos dos cooperados e em nome destes, e não dela como pessoa jurídica), como se a relação se desse entre esses e aqueles, atuando o fisco hodiernamente ao contrário disto na condução da bitributação.
Assim, a Receita Federal ao pretender tributar as cooperativas médicas nos absurdos moldes como tem feito, faz com que, neste sistema, a incidência se dê tanto na pessoa jurídica quanto na pessoa física, ao contrário do próprio sistema comercial e lucrativo!
Como visto, a questão não tem sido bem resolvida pelo fisco persistente na autuação dessas entidades sob o fundamento de que, resultante dessas transações, ter-se-ia um ato, na verdade, não cooperativo, por consubstanciar-se em atividade "estranha" à finalidade da cooperativa. Um arrematado despropósito.
Ora, em uma cooperativa de prestação de serviços – que angaria clientes e disponibiliza atividades para os cooperados, sendo este, como dito, seu fim social – todos os atos praticados por ela para a conquista desse fim são atos cooperativos, aí incluídos os resultantes de suas relações com terceiros – por exemplo, o ato de uma cooperativa médica encaminhar o cliente para um hospital onde um médico cooperado atenda (objeto cooperativista = prestação de serviços médicos, hospitalares, clínicos, etc., aos usuários particulares ou empresas) [09], já que, em verdade, constituem eles a própria essência da atividade das cooperativas assim organizadas (a oferta de clientes, sem a pretensão de lucro).
É de sabença a necessidade dos médicos em possuírem aparatos traduzidos na utilização de serviços, recursos laboratoriais, clínicos, hospitalares, entre outros, indispensáveis, por sua vez, na modalidade de serviços acessórios, complementares ou mesmo auxiliares, para o pleno desenvolvimento de seu ofício.
Referidos recursos são contratados pelas cooperativas médicas para o alcance do objeto social próprio dessas entidades – prestação de serviços médicos a usuários particulares e empresariais - em cumprimento à sua finalidade essencial.
Desta forma, é evidente ser, a relação com esses terceiros, inerente ao ato cooperativo, entendido este como resultado da relação contratual instituída entre a cooperativa médica e os serviços auxiliares da prestação da atividade médica, integrante do conceito disposto no art. 79 da lei regente, o qual não gera, de per se, a hipótese de incidência dos tributos em comento.
É em razão dessa particularidade – ao contrário do aduzido pelo fisco - e da própria lei de regência, que o ato cooperativo médico (principal) – traduzido no atendimento aos pacientes - pressupõe relação com terceiros – consubstanciados estes em atos cooperativos instrumentais ao fim colimado pelo ato principal - de modo a não o descartar como tal sua característica acessória.
A verdade, portanto, é uma só: atos cooperativos não são somente os configurados entre os cooperados e as cooperativas; entre as cooperativas e os cooperados e entre aquelas entre si, de modo a dizer o contrário, é o mesmo que estabelecer para as cooperativas médicas atendimentos somente a outros médicos cooperados. Nada mais ilógico, descabido, longe de qualquer senso comum.
Muito embora pareça evidente a situação mencionada, é pouco crível tencione o fisco sua observância, em razão dos mesmos motivos ensejadores deste estudo e da vontade incomensurável que possui em onerar a sociedade com a arrecadação tributária cada vez mais avassaladora, fazendo tabula rasa dos preceitos constitucionais expressos na vigente Carta Política.
Por outro lado, quanto à oferta de planos de saúde, incorrendo a cooperativa médica na busca da sua finalidade principal – prestação de serviços aos médicos cooperados através da captação de clientes – sem objetivar lucros, igualmente estará executando ato tipicamente cooperativo e repelente da exação fiscal.
Ora, é sabido que para a operacionalização de seus trabalhos, as cooperativas médicas manipulam, no mais das vezes, planos de saúde visando, prefacialmente, à oferta de trabalho aos médicos associados, pelo fato do atendimento aos clientes desses planos ser feito por eles próprios.
Não é por outra razão que, nas cooperativas médicas, os planos de saúde impõem a utilização, pelo cliente, exclusivamente de médicos cooperativados, sendo, portanto, tipicamente, um ato cooperativo em prol dos associados.
À nitidez, portanto, como já ventilado, sendo a utilização de serviços hospitalares decorrência natural dos serviços médicos – quando não-condição essencial de sua prestação – lembrando-se serem os cooperados quem escolhem os hospitais onde atenderão seus pacientes - ostentam os planos de saúde, justamente por esse aspecto, perfil fundamentalmente diverso de atividades de caráter lucrativo, prestadas por outras organizações que as exploram comercialmente.
Ao contrário do entendimento da Receita Federal, os planos de saúde são exclusivamente voltados para os cooperados, estes beneficiários do ato cooperativo consistente em obter clientes, sendo a utilização da rede hospitalar, elemento, muitas vezes, indispensável ao exercício da atividade pelos médicos cooperados, com cobertura obrigatória por parte da cooperativa.
É um ato, portanto, instrumental, decorrencial e necessário à prática do ato médico com característica de ato cooperativo, em face de sua oferta ser inerente à captação de clientela para os cooperados, não mais que isso [10].
Ao arremate, cumpre ressaltar o aspecto processual relevante, consubstanciado na forma como a Receita Federal tem desconsiderado, na própria Autuação Fiscal, a característica cooperativista dos atos emergentes das relações firmadas pelas cooperativas médicas, para impor seu entendimento "pessoal" e aplicar a exação fiscal.
Não é dado ao fisco, visando, única e exclusivamente, à imposição fiscal, descaracterizar a natureza jurídica das entidades cooperativas utilizando-se do próprio documento de autuação - até porque seu objeto é legalmente definido pelo art. 142, do CTN - sem, para tanto, instaurar o devido processo legal administrativo.
É sabido, por força constitucional (art. 5º, LV), fazer-se necessário, mesmo administrativamente, oportunizar ao interessado a pratica do seu direito de defesa. A oferta do contraditório às cooperativas se nos afigura de rigor, com a instauração de um processo administrativo prévio e cognitivo que respeite e incorra nos princípios norteadores do devido processo legal, justamente para oportunizar-lhes o direito de opor resistência à exação fiscal e evitar a descaracterização arbitrária de atos por elas praticados, que nada têm de "estranhos à sua finalidade", sob pena da imprestabilidade da autuação conduzida nesse diapasão.
Em nenhuma hipótese se justificaria um simples despacho da autoridade administrativa para se desconsiderar a pessoa jurídica, como se esta medida fosse comum ou então sob a desculpa de preservar a ordem e interesses públicos. Ao analisar e autuar a pessoa jurídica nesses moldes, por muito certo a conclusão seria desprovida de certeza, comprometendo o próprio livre convencimento.
Não se pode olvidar estabelecerem as cooperativas, notadamente as prestadoras de serviços médicos, variadas relações jurídicas ao longo de sua existência, de modo a não haver nada mais justo e legal do que a oportunidade de ampla defesa e contraditório, assegurando-lhes o devido processo legal e administrativo, cuja procedimento encontra ressonância direta e frontal em preceito constitucional, afastando qualquer ato tendente a desviar da apreciação do Poder Judiciário a lesão ou ameaça a direito.
Não se concebe, assim, à luz de todo o exposto, que, decida-se primeiro destruir a entidade – compelindo-a ao recolhimento de tributo sabidamente indevido – para depois ver se era necessário fazê-lo – o que quase nunca o é. Verdadeiro contra-senso, como primeiro demolir uma casa, para depois verificar se suas estruturas eram fortes, se o encanamento estava em boas condições... [11]
Esta análise, portanto, teve o fito de suscitar questionamento processual – ao contrário do aspecto material amplamente articulado neste estudo – referente ao procedimento que o fisco tem, diga-se costumeira e absurdamente, aplicado no sentido da desconsideração das entidades cooperativistas, utilizando-se, para tanto, da pura e simples Autuação Fiscal.
Revelado está, desse modo, não ser permitido ao fisco desconsiderar arbitrariamente atos constitutivos de uma pessoa jurídica como imprestáveis, nem lhe atribuir status diverso do emergente de seus atos estatutários, para fins simplesmente de imposição fiscal, sem que para isso observe, acate e promova o devido processo administrativo, de modo que, pressupor ou decretar, ao seu alvitre, a perda da condição de cooperativa só traduz a invalidade na qual incorrerá o procedimento inadequadamente utilizado para o fim visado.
Concluí-se, assim, não haver nada mais desregrado do que referida conduta, tendo em vista toda a manifestação constitucional (art. 5º, LV) no sentido da necessidade de instauração de um devido processo administrativo que promova, com todas as suas diretrizes, a oportunidade de defesa do ente cooperativista, notadamente quanto à determinação legal do conteúdo que deve conter uma autuação, por força do estabelecido no art. 142, do CTN.
Conclusão
:O presente trabalho tratou da questão sob a ótica constitucional e sob a perspectiva da legislação infraconstitucional regente do cooperativismo.
Pelo exposto, não se concebe que, revelando-se as cooperativas médicas como entidades sem fins lucrativos e por prestarem serviços exclusivamente na captação de clientes e no suporte administrativo aos médicos-cooperados, sejam compelidas ao recolhimento de Imposto de Renda e seus reflexos.
Quando o fisco desconsidera as feições essenciais das cooperativas médicas, traduzidas nas prerrogativas que a legislação lhes confere de ter tratamento diferenciado face às outras espécies societárias, acaba por colocar por terra a própria razão de sua existência, eis que tais associações terão como única conseqüência a duplicação das incidências tributárias (bitributação) - paga-se tributo na cooperativa e também na pessoa física do cooperado, tudo em face de uma mesma realidade, qual seja, a prática de atos cooperativos.
Atuando assim estará a União propiciando o falecimento de um instituto jurídico protegido pela Magna Carta por impô-lo à incidência de impostos periféricos à sua própria essência, e, no mais das vezes, tanto maior do que a das empresas perseguidoras de lucro. Nada mais irreal ao verdadeiro sentido de existir das cooperativas, para efeitos desse articulado, as prestadoras de serviços médicos, cujo ajuste com a justiça e avanço sociais é inquestionável, justamente em virtude do descompromisso com a obtenção de lucros e com a exploração comercial.
Não se concebe portanto, que o fisco altere a realidade dos fatos e o direito aplicado ao caso vertente, justamente para prosseguir nas atuações fiscais sem substrato jurídico, procedimento que vem causando intranqüilidade e visível desassossego ao seguimento cooperativista, notadamente quando a doutrina e a jurisprudência, já sedimentaram entendimento de que estas atividades nada têm a ver com ato de comércio e portanto estão a salvo da hipótese de incidência do imposto de renda e das contribuições sociais, nos exatos termos da lei de regência das cooperativas (Lei n. 5764/71).
Notas
01 Artigos 5º, XVIII; 21, XXV; 146, III, "c"; 174, §§ 2º, 3º e 4º; 187, VI; 192, VIII; e 199, § 1º; Lei Federal n. 5764/71
02 Cf. A. Gonçalves de Oliveira, in A Cobrança do ICM das Cooperativas de Consumo e a Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, in Cadernos de Direito Tributário. Revista de Direito Público. n. 23, p. 228/229.
03 REsp 171800/RS, DJ 31.05.1999.
04 REsp 170371/RS, DJ 14.06.1999; REsp 523554/MG, DJ 25.02.2004; REsp 552782/MG, DJ 25.04.2005; REsp 616219/MG, DJ 25.09.2006; AgRg no REsp 727450, DJ 29.05.2006.
05 REsp 152546/SC, DJ 03.09.2001.
06 REsp 544.194/MG, DJ 25/02/2004; REsp 546380/MG, DJ 25/02/2004; REsp 614764/MG, DJ 23/08/2004; REsp 543828/MG, DJ 25.02.2004; REsp 546674/RS, DJ 13.10.2003.
07 REsp 332148/RR, DJ 24.06.2002.
08 REsp 215311/MA, DJ 11.12.2000; REsp 727091/RJ, DJ 17.10.2005.
09 REsp 215311/MA, DJ 11.12.2000; REsp 16096/PR; REsp 158477/SC.
10 Cf. Ives Gandra da Silva Martins, in RDDT 86/152.
11 Cf. Thereza Alvim, in Revista de Processo, n. 22, julho/setembro de 1997, p. 215.