Segundo Boaventura de Sousa Santos (1999), vivemos na era da explosão de litigiosidade, em que os sujeitos buscam o Judiciário para solucionar seus conflitos. A consequência disto é clara: a enorme morosidade processual, geradora de insatisfação social e descredito para o Judiciário.
O sociólogo português elege algumas razões como motivadoras de tal fenômeno, sendo uma delas a nova concepção de direitos sociais, decorrentes do pós-guerra. Sustenta ele que, após a Segunda Guerra Mundial, percebeu-se a necessidade de estender tutela a direitos até então despercebidos (Op. cit.).
Contribui, igualmente, para a explosão de litigiosidade o ingresso da mulher no mercado de trabalho, haja vista que além das lides trabalhistas, tal marco proporcionou a independência financeira delas, alterando, com isso, os modelos de família e o mercado de consumo (Op. cit.).
Além destes fatos, aqui defendemos que há outros fortalecedores da explosão de litigiosidade, sobretudo, em nosso país.
Daisy Rafaela da Silva (2014) defende que após diversos programas de redistribuição de renda, implementados pelo Governo Brasileiro, permitiu-se o acesso das classes D e E ao mercado de consumo. Com isso, ocorreu significativa expansão do mercado econômico, aumentando não apenas as demandas jurídico-consumeristas, mas também aquelas relacionadas à cadeia produtiva, com plano de fundo em controvérsias empresariais, ambientais, trabalhistas, tributárias, etc.
Destaca-se, também, o fortalecimento da explosão de litigiosidade decorrente do reconhecimento dos interesses difusos, coletivos (em sentido estrito) e individuais homogêneos (FIORILLO, 2013), que permitiu aos titulares de direitos antes tidos como inexistentes pleiteá-los.
Por fim, o fenômeno ora abordado tem sido, atualmente, potencializado pela atuação protagonista do Judiciário, que no exercício da jurisdição tem reconhecido uma série de novos direitos. Trata-se de uma consequência lógica da eficácia normativa da Constituição Federal, que dá aos magistrados o poder de, a partir dela, inovar na ordem jurídica:
Como cabe à jurisdição constitucional a última palavra na interpretação da Constituição, que se apresenta agora repleta de valores impositivos para todos os órgãos estatais, não surpreende que o juiz constitucional assuma parcela de mais considerável poder sobre as deliberações políticas de órgãos de cunho representativo. Com a materialização da Constituição, postulados éticos-morais ganham vinculatividade jurídica e passam a ser objeto de definição pelos juízes constitucionais, que sempre dispõem, para essa tarefa, de critérios de fundamentação objetivos, preestabelecidos no próprio sistema jurídico (MENDES; BRANCO, 2015, p. 53-54).
Diversos são os casos que retratam bem esse protagonismo neoconstitucional do Judiciário, no reconhecimento de novos direitos, como o histórico julgamento da ADPF 132 e ADI 4277, em que o STF reconheceu a existência das famílias homoafetivas; destaca-se, também, o julgamento do RE 898060-SC, em que a mesma corte reconheceu o direito à busca pela felicidade, como desdobramento da dignidade da pessoa humana; e, por fim, o julgamento da ADO 26 e MI 4733, em que o STF reconheceu a existência do crime de homotransfobia, em razão de omissão legislativa.
Em suma, vivemos na era da explosão de litigiosidade, que é fenômeno inevitável e irremediável, tendo em vista que ocasionado pelo reconhecimento de novos direitos. Cabe a nós, operadores do direito, e ao Judiciário entendê-la para, com isso, melhor lidarmos com ela.
REFERÊNCIAS
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pelas mãos de Alice. 7. ed. São Paulo: Cortez, 1999.
SILVA, Daisy Rafaela. O consumo na pós-modernidade: efeitos nas classes D & E. Campinas: Alínea, 2014.