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Considerações propedêuticas sobre autocomposição e heterocomposição

Agenda 11/07/2022 às 19:06




RESUMO

As formas alternativas de se resolver conflitos são mais antigas do que podemos imaginar, há relatos de resolução de conflitos muitos anos antes de Cristo, antes da instituição do Estado como arauto da justiça, utilizadas em grande escala com registro em diversos livros historiográficos e também na Bíblia Sagrada. Apesar disso, as formas alternativas de resolução de conflitos foram deixadas de lado, caindo em desuso e em alguns casos desacreditadas, mas atualmente ela é incentivada pelo próprio Estado por Leis e Resoluções e apresenta-se como uma alternativa célere e eficiente para diversas situações quando comparamos com a forma tradicional de resolução de conflitos chancelada pelo Estado. Neste trabalho apresento algumas formas em que isso pode acontecer. Apresentando pontos e características da autocomposição como forma de solução de conflitos entre as partes, mediação e conciliação; e uma forma de heterocomposição, a arbitragem; salientando pontos-chave de cada uma delas, características principais e principalmente a conceituação de cada uma delas.

Palavras-chave: Autocomposição. Heterocomposição. Conceitos.

Introdução

Ao observarmos a história humana podemos notar uma característica comum à todas as épocas, apesar de todo o avanço cultural, social, moral e tecnológico. Em toda civilização que já existiu e que ainda está presente em toda sociedade contemporânea é a figura do conflito entre humanos. Azevedo (2016, p.49) conceitua o conflito como um estado ou um processo em que duas ou mais pessoas divergem em razão de metas interesses ou objetivos individuais percebidos como mutuamente incompatíveis. Ocorrendo variações entre os motivos e a importância das pessoas envolvidas no conflito. Apresentando-se inevitáveis e, aparentemente, perenes, as formas de lidar como o conflito se mostram diversas, podendo apresentar ao menos três opções.

A primeira forma de lidar como conflito é não agir em relação a ele, conviver e acostumar-se com o incômodo e tentar ignorá-lo quando possível; a segunda, que depende da vontade de todas as partes envolvidas, é a busca de um acordo entre as próprias partes, também conhecida como autocomposição; e, a última forma ocorre quando as duas primeiras opções mostram-se ineficientes, necessitando de um terceiro para conduzir a resolução do conflito, conhecida como heterocomposição. Nesta, o terceiro imporá sua decisão ao problema a ele apresentado, e duas são as possibilidades de heterocomposição, o processo judicial e a arbitragem.

De toda forma, se o conflito não for resolvido judicialmente ele o será por meio da Resolução Alternativa de Conflito (RAC) sendo a tradução da expressão inglesa Alternative Dispute Resolution (ADR). Ou seja, a RAC compreende a autocomposição e uma forma de heterocomposição, a arbitragem.

O presente trabalho conceituará todas as formas para a RAC, apresentará concisamente e baseado em bibliografia consagrada a utilidade e peculiaridade de cada uma buscando compreender suas diferenças e encontrar similaridades que facilitarão o entendimento delas.

1 - Autocomposição

O instituto da autocomposição está presente em nosso ordenamento jurídico por meio do Código de Processo Civil (CPC) em seu artigo 3.º, § 3.º dizendo que a conciliação, mediação e demais métodos disponíveis de RAC deverão ser estimulados por membros do Ministério Público, defensores públicos, juízes e advogados, podendo ser feito inclusive quando o processo judicial já estiver em andamento. Dessa forma a adoção da autocomposição apresenta vantagens às partes interessadas. Maior celeridade, pois quando consideramos o tempo médio que um processo leva para tramitar, seja ele na Justiça Federal, Estadual, Eleitoral, Militar e do Trabalho; e, pertencimento à decisão alcançada, resultante de esforço mútuo e colaborativo entre as partes.

A autocomposição, conforme dito acima ocorre quando as partes conflitantes encontram, por seus próprios meios, uma solução para a lide em questão, e pode ser classificada quanto ao método adotado, em ambos os casos há um terceiro que não interferirá no resultado, apenas mediará ou agirá como um conciliador. Ao observarmos a significação da palavra que dá a função ao terceiro que está presente na autocomposição podemos entender a diferença entre as formas de autocomposição. A mediação, conforme Priberam (s.d.), é a ação de estar entre duas ou mais partes, estar no meio. Já a conciliação, também para o mesmo dicionário, é o fato de combinar elementos aparentemente divergentes, incompatíveis ou contrários.

Ou seja, na mediação o terceiro tem uma posição mais passiva quanto ao problema apresentado, enquanto na conciliação o terceiro atua com mais vigor, articulando e sugerindo ações visando solucionar o problema. Outra diferenciação que pode-se trazer à baila é aquela dada por Bacellar (2012, p. 113) ao afirmar que na mediação, já maior disponibilidade de tempo, fora do ambiente do judiciário, normalmente em sigilo, apenas entre as partes e o mediador; e, em contrapartida, na conciliação, de regra, há a observância do princípio da publicidade, afastando-se então a confidencialidade, presente da mediação, outro ponto relevante é que a conciliação, em regra, ocorre no ambiente judicial dos fóruns, chancelada por juízes de direito, quando do acordo entre as partes.

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O Código de Processo Civil de 2015 também traz uma diferenciação entre os dois institutos, ambos presentes no artigo 165. O conciliador para o CPC/2015 é aquele que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes e poderá sugerir soluções para o litígio em questão, sendo unicamente vedada a utilização de constrangimento para que se alcance a conciliação; na mesma toada o diploma legal de 2015 define que o mediador atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliando os interessados a compreender questões conflitantes, de modo a reestabelecer a comunicação e, eles próprios, encontrarem soluções consensuais com benefícios mútuos.

Seja qual for o caso, mediação ou conciliação, há a necessidade de se observar princípios norteadores constantes na Lei de Mediação (Brasil, 2015) em seu artigo 2.º, a saber: isonomia entre as partes; imparcialidade do mediador; oralidade; informalidade; boa-fé; busca do consenso; confidencialidade; e a autonomia da vontade das partes. Sendo objeto de mediação o conflito que verse sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação, no todo ou em parte, conforme consta no artigo 3.º da Lei de Mediação (Brasil, 2015). Em outra esfera, em atenção ao disposto no artigo 3.º da Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Brasil, 1995) a conciliação ocorrerá nos casos de menor complexidade e de valor pré-fixado em lei.

Do resultado da autocomposição, havendo consenso entre as partes o acordo será reduzido à termo e constituirá título executivo extrajudicial (Brasil, 2015) podendo ser executado caso não ocorra o cumprimento estipulado, seguindo o trâmite normal ditado pelo Código de Processo Civil para o processo de execução.

2 - Arbitragem

Diferentemente do que foi visto anteriormente, onde o terceiro colabora sem interferir nem resolver, apenas colaborando para que as partes cheguem ao acordo, na arbitragem, método heterocompositiva de solução de conflitos o terceiro impõe a decisão, resolvendo o problema dos terceiros que recorrem ao processo arbitral (Vilar, 2011, s.p.). Neste caso, assemelhando-se grandemente com as decisões adotadas pelos órgãos jurisdicionais por meio do processo judicial.

Bacellar (2012, p. 120 e 121) define a arbitragem como um processo voluntário onde as pessoas em conflito delegam poderes a uma terceira pessoa, não integrante dos quadros da magistratura oficial do estado, a decisão a respeito de questão conflituosa envolvendo duas ou mais pessoas. Diferindo-se das decisões emanadas do Judiciário apenas pelo fato de que neste caso o juiz retira se poder da vontade da lei, e na arbitragem o árbitro detém o consentimento das partes por meio da submissão da vontade das mesmas.

No artigo 1.º da Lei da Arbitragem (Brasil, 1996) há a definição do objetivo da arbitragem, qual seja, dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, podendo ser utilizada tanto por particulares quanto pela própria Administração Pública. Neste último caso, necessário se observar o direito exclusivamente e não os usos e costumes e regras internacionais do comércio como é possível aos particulares.

Existe exemplo antiquíssimo que pode ser utilizado para ilustrar a situação acima, relembre do caso citado no Livro Sagrado em que duas mulheres se apresentam diante do rei Salomão com apenas uma criança de colo. A história conta que elas moravam na mesma casa, e por infortúnio, uma delas, durante a noite, sufocou seu filho. Sendo que esta, constatando o que procedera, tomou seu filho e substituiu pela criança que estava viva, o que gerou discussão a ponto de ser levada ao rei, que recepcionou e ouviu a queixa de ambas. Uma dizia que o filho que falecera era da outra, e da mesma forma, a outra dizia que, na verdade, o filho que ainda vivia era o dela. Desta feita, o rei ordena, então, que lhe trouxesse uma espada para que a criança fosse dividia ao meio, cabendo a cada uma das mulheres uma metade da mesma. Ao passo que a verdadeira mãe da criança, movida pela paixão, exclamou ao rei que entregasse a criança viva, por inteiro, à outra mulher. O rei, observando tal atitude, ordena que a criança seja entregue à verdadeira mãe, com base em seu comportamento e desejo de que a criança sobrevivesse.

Neste caso o rei decidiu por equidade, conforme diz Kamel (2017, s.p.). O que não pode acontecer em situações onde a Administração Pública é parte do processo a ser arbitrado, cabendo somente a decisão conforme a Lei.

Para que a arbitragem seja utilizada para resolução do conflito devem as partes acordarem, anteriormente, uma cláusula arbitral em contrato, ou, posteriormente, mediante compromisso arbitral. Que deverá seguir o procedimento constante da Lei de Arbitragem (Brasil, 1996), podendo conter oitivas, depoimentos, colheita de provas, recebimento de perícias técnicas e outros procedimentos para se elucidar questões controversas.

E, da mesma forma que na autocomposição, decidida a lide, há a redução à termo da sentença que é, também, considerada título executivo extrajudicial, podendo ser exigido legalmente caso não seja cumprido.

3 - Considerações Finais

Tendo em mente o que foi discutido e apresentado acima, vê-se que a Justiça Estatal apresenta certas falhas, principalmente em relação aos prazos e à participação das partes na composição da solução dos conflitos. As formas alternativas de resolução dos problemas estão em ascensão junto aos litigantes e contratantes que buscam maior independência, agilidade e participação no processo de resolução de conflitos.

A conciliação, a mediação e a arbitragem, conforme apresentado, faz com que o acesso á justiça seja democratizado em todos os níveis e classes sociais, fazendo com que conceitos que antes assistiram apenas no texto frio da lei, hoje possam ser vistos atuantes e presentes em todos os poderes.

Referências

Vilar, Silvia Barona. (2011). Las ADR en la justicia del siglo XXI, en especial la mediación. Revista de derecho (Coquimbo), 18(1), 185-211. https://dx.doi.org/10.4067/S0718-97532011000100008.

Azevedo, André Gomma de (Org.). (2016). Manual de mediação judicial, Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça.

Bacellar, Roberto Portugal. (2012). Mediação e arbitragem (Coleção saberes do direito), São Paulo, SP: Saraiva.

Brasil. Casa Civil. (2015). Código de Processo Civil. Lei 13.105. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acessado em 23 de junho de 2022.

Brasil. Casa Civil (2015). Lei de Mediação. Lei 13.140. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13140.htm . Acessado em 23 de junho de 2022.

Brasil. Casa Civil (1995). Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Lei 9.099. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm . Acessado em 22 de junho de 2022.

Brasil. Casa Civil (1996). Lei da Arbitragem. Lei 9.307. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm . Acessado em 27 de junho de 2022.

Mediação. (s.d.). In Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Acessado em 27 de junho de 2022 em https://dicionario.priberam.org/mediação

Conciliação. (s.d.). In Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Acessado em 27 de junho de 2022 em https://dicionario.priberam.org/conciliação

Kamel, A. Y. (2017). Mediação e arbitragem (livro eletrônico), Curitiba, PR: InterSaberes. Disponível em https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/147874/epub/0 . Acessado em 23 de junho de 2022.

Bíblia Sagrada: Nova Almeida Atualizada (J. Ferreira de Almeida, Trad.). (2017). Sociedade Bíblica do Brasil.

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