A exigência de cheque caução para atendimento emergencial infelizmente é uma prática muito comum em diversos hospitais particulares causando inúmeros transtornos e constrangimentos aos familiares e pacientes que se encontram em situação de vulnerabilidade e de coação psicológica.
Geralmente, as justificativas das instituições de saúde para a exigência indevida estão relacionadas a não cobertura do procedimento pelo plano de saúde e aproveitando-se da vulnerabilidade da situação, acaba exigindo um cheque caução num valor exorbitante ao usuário.
Em uma situação de emergência ou urgência não seria razoável exigir que o paciente ou os familiares pensem a respeito da proposta abusiva feita pelo hospital(preço, prazo, condições de pagamento ou até mesmo serviços desnecessários ou até inadequados) e acaba-se obrigando a essa prestação extremamente abusiva com o risco de ver o seu atual estado de saúde ser agravado.
No âmbito jurídico isso é chamado de estado de necessidade, trata-se de um vício de consentimento em que uma pessoa, em extrema necessidade, temerosa de um agravamento do seu estado de saúde ou de um familiar, aceita obrigação exorbitante, que é conhecida pela outra parte, se aproveitando desta situação para cobrar abusivamente da vítima.
Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.
Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias.
Esse tipo de conduta abusiva, inclusive pode gerar uma indenização por danos morais.
"1. Cuida-se de demanda de indenização por dano moral decorrente da exigência de pagamento antecipado e cheque caução para internação de menor com trauma craniano em UTI. O réu se insurgiu contra a sentença que o condenou ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00, sob alegação de que não houve comprovação de condicionamento da internação da paciente ao oferecimento de caução, ausência de comprovação de dano aos autores e que a situação experimentada se tratou de mero dissabor. 2. A resolução normativa 44 de 4 de julho de 2003, em seu art. 1º, veda, em qualquer situação, a exigência, por parte dos prestadores de serviços contratados, credenciados, cooperados ou referenciados das Operadoras de Planos de Assistência à Saúde e Seguradoras Especializadas em Saúde, de caução, depósito de qualquer natureza, nota promissória ou quaisquer outros títulos de crédito, no ato ou anteriormente à prestação do serviço. 3. O fato do pai ter sido informado da negativa de atendimento pelo plano de saúde somente após a indicação da necessidade de internação na UTI, não retira o caráter emergencial e condicionante do atendimento, vastamente demonstrado pela documentação juntada aos autos. 4. A negativa de cobertura pelo plano de saúde não justifica a requisição de cheque caução pelo Nosocômio, até porque a exigência de qualquer garantia para o atendimento hospitalar é expressamente vedada pela Resolução Normativa 44/2003, da Agência Nacional de Saúde Suplementar. [...] 6. Comprovada a entrega de dois cheques no valor de R$ 50.000,00 cada, sendo um destinado a caução e o outro a antecipação do pagamento da internação da menor (...), caracteriza abuso de direito do hospital. 7. Por outro lado, a conduta capaz de causar abalo moral a ser indenizável é aquela que configura uma violação de direito de personalidade. Constata-se, assim, que no contexto fático em que se deram os acontecimentos narrados pelos autores, no qual, condicionou-se a internação da filha com trauma craniano à emissão de dois cheques no valor de R$ 50.000,00 cada, extrapola o mero aborrecimento experimentado nas relações contratuais cotidianas, configurando assim violação no direito da personalidade. 8. No que tange ao quantum fixado (R$ 5.000,00), o mesmo atende os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, não podendo ser considerado excessivo quando considerada a situação de vulnerabilidade dos autores frente ao hospital requerido." (grifamos)
Acórdão 1181704, 07567520420188070016, Relator: JOÃO LUÍS FISCHER DIAS, 2º Turma Recursal dos Juizados Especiais Distrito Federal, data de julgamento: 26/6/2019, publicado no DJE: 4/7/2019.
Saiba que essa conduta é considerada crime, conforme previsto no art. 135-A Código Penal, podendo o infrator cumprir pena de 3 meses a um ano e a pena pode ser ampliada se houver agravantes como, por exemplo, o óbito do paciente.
Art. 135-A. Exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
Parágrafo único. A pena é aumentada até o dobro se da negativa de atendimento resulta lesão corporal de natureza grave, e até o triplo se resulta a morte.
O responsável pelo crime é quem deu essa orientação dentro do hospital, mas o funcionário que atendeu o paciente e repassou a informação também pode responder criminalmente, na medida de sua culpabilidade.
Ao ser vítima dessa conduta, além de ajuizar ação buscando a reparação, o paciente poderá fazer o boletim de ocorrência, lembrando que as áreas civil e penal são autônomas, ou seja, o fato de ser absolvida na área penal não quer dizer que seja absolvida na área civil.