DIREITO DO TRABALHO FICHAMENTO CRÍTICO RIBEIRO, Andressa de Freitas. Taylorismo, fordismo e toyotismo. In: Lutas Sociais, São Paulo, vol.19 n.35, p.65-79, jul./dez. 2015. .
Diego Lima do Nascimento
O texto de Ribeiro é muito elucidativo e apresenta com clarezas os detalhes das concepções, motivações, filosofias e processos dos três sistemas capitalistas de produção (taylorismo, fordismo e toyotismo). Particularmente útil na exposição sobre o taylorismo, que é feita com muita clareza e me proporcionou bons insights, não proporcionados por vários outros textos que já li sobre o mesmo assunto. Para isso, o domínio que a autora demonstra das teorias marxiana e marxistas foi fundamental.
Recentemente, redigi uma resenha crítica sobre textos a respeito do Mercado de Capitais, do livro Direito dos Valores Mobiliários de Mattos Filho (2015). Nesses textos o autor fazia uma evolução histórica para mostrar como os dispositivos legais e as próprias instituições financeira e estatais voltadas para essa área evoluíram no Brasil. E durante toda a minha leitura desse texto eu não consegui deixar de observar como o Estado está sempre alinhado com os interesses dos grandes acumuladores de capital no caso do texto de Mattos Filho essa expressão tinha um sentido ironicamente literal , a máquina pública rápida e prontamente entrava (antes assim como ainda é hoje!) em funcionamento para criar novos mecanismo que viabilizassem as estratégias dos atores do sistema financeiro.
Embora eu tenha sido forçado a compreender como, dentro do sistema capitalista que vivemos, o desenvolvimento desses mecanismos (criado por vias legais, obviamente) é fundamental para o funcionamento salutar do próprio sistema financeiro para evitar seu colapso catastrófico e arrastar a própria economia popular consigo , no fim eu fiz o questionamento a respeito da relação do trabalho com o capital, que em nenhum momento desses textos da área de empresarial foi possível encontrar.
Questionei sobre ser possível ou não o capital se multiplicar sozinho, somente pelo investimento e reinvestimento, como que por meio da inserção do capital em uma máquina copiadora como os textos daquela área davam a entender , sem que houvesse nessa relação uma origem material da produção das riquezas que geram o próprio capital, que é a riqueza produzida pelo envolvimento da força trabalho, como bem apontou Ribeiro, no seu texto que uso para esta reflexão.
A força de trabalho remunerada com o salário, da qual depende a própria formação da poupança popular aquela mesma usada pelo sistema financeiro e pelo mercado de capitais. Portanto, o capital por si só, sem a conjugação com os outros fatores de produção, não é suficiente para a geração de riquezas, como buscam inferir os amantes da especulação.
Ribeiro demonstra que, segundo Chiapello et al.(2009), a acumulação de capital é uma das principais características do sistema capitalista, o qual é essencialmente orientado para o crescimento contínuo necessário para retroalimentar o próprio sistema. Para viabilizar esse crescimento e acúmulo de capital rentável, a exploração capitalista precisa ou se expandir e trazer para dentro do sistema os fatores de produção (terra, capital e trabalho) que ainda se encontrem ociosos ou aperfeiçoar os sistemas de produção existentes.
Para Harvey (apud Ribeiro, 2015), f o crescimento do capitalismo, em valores reais, se apoia na exploração do trabalho vivo na produção, ou seja, na exploração da força de trabalho. Portanto, é necessário que se estabeleçam modos de controle sobre a força de trabalho, para que o capitalismo possa se manter em constante crescimento. Nesse sentido, já os autores da economia clássica tentaram desenvolver estratégias eficientes de organização da força de trabalho, mas foi somente com a ideia de gerência científica de Frederick Winslow Taylor que se logrou desenvolver um sistema de produção capaz de otimizar a exploração da força de trabalho.
O taylorismo como ficou conhecido sistema de produção desenvolvido a partir das ideias de Taylor buscava aplicar o método científico para a obtenção dos melhores padrões de execução do trabalho, cuja eficiência seria aferida pela melhor relação possível obtida entre tempo de execução e movimento. Muito embora essa busca não fosse nenhuma novidade afinal, todo profissional que se especializa em determinada atividade procura meios de realiza-la de modo mais eficaz , a inovação apresentada por Taylor foi a especialização das funções, especialmente a representada na divisão do trabalho entre a gerência (concepção), aqueles que seriam responsáveis por fazer o planejamento de todas as atividades e os testes dos métodos mais eficientes, e executores, que seriam os próprios trabalhadores alienados da concepção do seu próprio processo produtivo. Porque, por mais que Taylor reconhecesse o conhecimento do próprio trabalhador sobre a execução e organização do seu trabalho, essa cisão deveria ser feita, porque a mesma pessoa obviamente não poderia estar nos dois lugares ao mesmo tempo:
O uso prático dos dados científicos requer uma sala em que são guardados os livros, notações dos rendimentos máximos e uma mesa para o planejador das tarefas. Assim, todo o trabalho feito pelo operário no sistema antigo, como resultado de sua experiência pessoal, deve ser necessariamente aplicado pela direção no novo sistema, de acordo com as leis da ciência, porquanto o trabalhador, ainda que bem habilitado na organização e uso dos dados científicos, estaria materialmente impossibilitado de trabalhar, ao mesmo tempo, na máquina e na mesa de planejamento. Está claro, então, na maioria dos casos, que um tipo de homem é necessário para planejar e outro tipo diferente para executar o trabalho. (Taylor, 1987: 35, apud Ribeiro, 2015).
No entanto, na verdade o objetivo central condizente com a doutrina desenvolvida pelo taylorismo era realmente o de alienar o trabalhador, destituí-lo do entendimento sobre a concepção e outras relações do processo produtivo que fossem além da execução a qual estava incumbido, transformando o trabalhador em mais uma engrenagem da máquina de produção. O taylorismo visava a produção em massa, quanto mais, melhor, mais prosperidade e para que isso acontecesse seria necessário eliminar os fatores que tornam o processo menos eficaz e, como o principal e mais falho era o fator trabalho humano, acreditava-se que um trabalhador com conhecimento do processo produtivo, com a noção do quanto produz e do quanto vale sua produção, estaria mais propenso a fazer cera, porque teria um mínima noção da mais-valia sofrida, e à insubordinação, à greve etc. Portanto, o controle sobre a atividade somente não era suficiente, pois o próprio trabalhador deveria ser controlado entendimento que veremos ainda mais forte no sistema fordista.
O fordismo não representou uma ruptura com o taylorismo, mas sim muito mais uma continuidade. Aperfeiçoou ainda mais a eficiência de controle dos movimentos, tão visadas no taylorismo, pela implementação do uso da esteira na cadeia produtiva. Mas a principal inovação apresentada pelo fordismo foi o reconhecimento da necessidade de criação de uma demanda consumerista de seus produtos, não bastava somente produção em massa, mas também consumo de massa. E o fordismo pensou em seus próprios funcionários como uma possível massa de consumo.
Nesse sentido, uma das ideias centrais do fordismo original dos EUA embora a implementação dessa ideia não tenha sido sequer cogitada em países mais periféricos que adotaram o fordismo como sistema de produção era a de que cada trabalhador das indústrias Ford fosse capaz de comprar seu próprio carro Ford. Então, no quesito do domínio da força de trabalho, o fordismo se desenvolveu menos no sentido da dominação e. mais no sentido do cooptação, como uma tentativa de fazer os funcionários se sentirem parte beneficiada do (e não explorada pelo) próprio sistema: O Fordismo equivaleu ao maior esforço coletivo para criar, com velocidade sem precedentes, e com uma consciência de propósito sem igual na história, um novo tipo de trabalhador e um novo tipo de homem. Os novos métodos de trabalho são inseparáveis de um modo específico de viver e de pensar a vida. (Harvey, 1992: 121, apud Ribiro, 2015).
Essa estratégia do aumento dos salários também se fazia necessária naquele contexto devidos as crises de insurgências de trabalhadores e greves por reivindicações de melhores condições de trabalho, modificando todo o mundo capitalista e cujos impactos são podem ser percebidos ainda nos tempos atuais, como nas lutas dos movimentos sindicais. Mas, como apontou Gramsci, essa estratégia era uma faca de dois gumes, pois, se de um lado tornava possível o aumento do consumo de massa pelos trabalhadores necessário para sustentação dos altos níveis de produção , por outro lado, o próprio aumento do poder aquisitivo e do consumo dos trabalhadores também lhes possibilitava um novo estilo de vida, que poderia ser prejudicial ao próprio processo produtivo.
Por fim, foi com o objetivo de evitar que os trabalhadores se degenerassem e não se tornassem vagabundos e diminuísse a oferta de mão de obra, enfim , que o fordismo investiu na sua mais ousada tentativa de hegemonia sobre a vida dos trabalhadores e da sociedade de consumo: a propagação de uma verdadeira ideologia moral fordista. Um controle moral que visava a controlar os impulsos sexuais e ao vício dos cidadãos, incentivando e controlando os aspectos mais individuais da vida dos trabalhadores, o controle moral não se exercia só na vida sexual do trabalhador, outro exemplo paradigmático de como a história do industrialismo sempre foi uma luta contínua contra o elemento animalidade do homem, um processo ininterrupto, muitas vezes doloroso e sangrento, de sujeição dos instintos (Gramsci, 1976: 393, Ribeiro, 2015).
O sistema de produção fordista entrou em declino com as crises econômicas e financeiras do capitalismo ocidental dos fins dos 1960 e, especialmente, com a do choque do petróleo nos 1970, que teve grane impacto nas economias ocidentais e em especial na dos EUA, a mais central e berço do fordismo. Somado a isso, o sistema de produção em si, no âmbito trabalhista, também apresentava forte desgaste, manifestado pelo descontentamento da classe trabalhador com os métodos de exploração, e pelas reações causadas por esse descontentando, como greves, boicotes, sabotagens entre outros.
Nesse contexto, o mundo se volta então para o exemplo japonês, que, naquele contexto adverso, apresentava altos índices de produtividade do trabalho de consequente crescimento econômico. Naquele país, o contexto histórico-social das décadas anteriores de um país destruído por uma guerra, cujo povo foi obrigado a reerguer por força do próprio trabalho e os diferentes hábitos, uma cultura que nunca separou muito bem as esferas da vida privada da pública de forma tão clara como o ocidente, pareceram não dar muito espaço para a adoção dos valores do taylorismo-fordismo. Foi então que surgiu ali, nas fábricas da Toyota, o embrião de um novo sistema de produção, que ficou conhecido como toyotismo ou ohnismo.
O aspecto mais conhecido e talvez mais importante do toyotismo é o modo de gestão e organização do trabalho just in time, que consistia numa produção mais calculada, na quantidade certa e no tempo certo. Mas outo aspecto do toyotismo que causa imenso contraste com os dois sistemas de produção anteriores é o envolvimento direto dos trabalhadores no processo produtivo, pelo incentivo do desenvolvimento de trabalhos em equipe e da polivalência dos trabalhadores, que não ficam extremamente especializados e alheios aos outros setores da produção.
Mas também em várias outras estruturas das relações de trabalho se apresentaram inovações radicais, como no sistema de relações interempresas, que passaram a ser hierarquizadas entre grandes empresas, médias, e pequenas empresas, com subcontratação das últimas pelas primeiras e pela constituição de vínculos de subordinação entre elas. Em nível trabalhista o sistema de emprego adotado pelas grandes empresas constituído por: a) o chamado emprego vitalício, apesar de não existir nenhum contrato formal, b) a promoção por tempo de serviço; c) a admissão do trabalhador não é realizada para um posto de trabalho, mas para a empresa, num determinado cargo, ao qual corresponde um salário; (Riberio, 2015). E em nível sindical, parece ter havido uma verdadeira cooptação dos sindicatos pela empresas: os sindicatos por empresa são integrados à política de gestão do trabalho. Os cargos assumidos na empresa confundem-se com os do sindicato (ibid.).
Os elementos do toyotismo foram rapidamente incorporados aos sistemas de produção das empresas e organizações ocidentais, os quais se fazem presentes e perceptíveis até os dias atuais, juntamente com diversos elementos do taylorismo-fordismo também. Porém, tecem-se severas críticas e atribuem-se consequências à adoção dos elementos fordistas e reunião com os dois outros dois sistemas anteriores nunca abandonados totalmente, como a precarização das relações trabalhistas, as terceirizações entre outras, que somente se somam ao de múltiplas crises vividas no mundo ocidental atual:
A concentração piramidal do poder é substituída pelo poder da gestão fluida e flexível de uma rede. Isso gera um profundo processo de terceirização e subcontratação que hierarquiza os trabalhadores entre uma minoria com bons salários e qualificação profissional e uma maioria submetida a condições extremamente precárias de emprego (Bihr, apud Ribeiro, 2015).
Rerferência:
MATTOS FILHO, Ary Oswaldo. Direito dos Valores Mobiliário, vol. I, tomo I, São Paulo: FGV, 2015, pp. 19-54; 159-173.