O Estado Democrático de Direito (Artigo 1º, CF/88[1]), suplantando o simples Estado de Direito preconizado pelo liberalismo, é aquele que, instituindo uma proteção jurídica, busca garantir a plena dignidade da pessoa humana (Artigo 1º, III, CF/88), ou seja, o amplo respeito às liberdades civis e aos direitos humanos (Artigo 3º, I, II e IV, CF/88) além de sujeitar as autoridades políticas a estas mesmas regras.
Nesse diapasão:
Artigo 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana. (...). (g.n.)
Artigo 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - erradicar a pobreza e a marginalização (...); IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (...). (g.n.)
Está, portanto, o Estado Democrático de Direito, condicionado ao respeito à hierarquia das normas, da separação dos poderes e plena observância e garantia dos direitos fundamentais.
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, um valor moral (e espiritual), representa um rol de garantias fundamentais (Artigo 5º, CF/88) protegido juridicamente. Trazendo um valor absoluto em si, é fundamental para a instituição da ordem jurídica, pois, como fundamento dos direitos da pessoa humana, é, inarredavelmente, condição prévia para o reconhecimento de todos os demais direitos.
Dispõe o Artigo 5º, da Carta Magna brasileira:
Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se (...) a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...). (g.n.)
O conceito de dignidade da pessoa humana foi construído ao longo do tempo, ou seja, da caminhada evolutiva da humanidade, fato esse confirmado pela Doutrina Espírita[2]. No plano objetivo, atribui-se ao filósofo Immanuel Kant[3], nos idos de 1785, a sua formulação clássica.
Kant propunha que a pessoa humana deveria ser tratada como um fim em si mesma, e não como um meio ou uma coisa:
No reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo o preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade[4]. (...) O homem não é uma coisa[5].
Para Kant, todo ser humano tem o direito de ser tratado de forma igual e de forma fraterna:
Age de tal forma que possas usar a humanidade, tanto em sua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio[6].
O reconhecimento da dignidade de toda pessoa humana e de seus direitos inalienáveis é todo o fundamento do Estado Democrático de Direito, ou seja, da liberdade, da paz e do desenvolvimento social.
A Doutrina Espírita, enquanto arcabouço filosófico, científico (e religioso), voltado para o desenvolvimento moral do homem, elege, como ponto central de seus ensinos e reflexões, a dignidade da pessoa humana, abarcando, dentre outras, as questões relacionadas à defesa da vida, do progresso moral e social das sociedades, da ressocialização dos condenados, dos valores do trabalho livre, do progresso das ciências, da manifestação livre do pensamento e da vontade e da liberdade de culto.
Ademais e nessa esteira, Kardec[7], conceituando o Espiritismo, o definiu como sendo uma doutrina que trata da:
(...) natureza, origem e destino dos espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal e as consequências morais que dela emanam[8]. (g.n.)
Ora, se nas relações humanas ainda prevalece o egoísmo, a violência, a corrupção, a avareza, a deslealdade e a deturpação do poder, deve ser, a sociedade, modificada. Assim é que, progredindo a Humanidade, cabe ao homem criar uma sociedade onde o interesse coletivo prepondere sobre o individual.
Se, conforme asseverou Kardec, a vida em sociedade é uma necessidade para que o progresso seja alcançado, necessário que o seja sob a égide de uma justiça imparcial, que alcance a todos indistintamente, fazendo prevalecer os sentimentos de igualdade e colaboração.
O tema foi objeto de investigação por Kardec:
(a) A vida social é uma obrigação natural? Certamente. Deus fez o homem para viver em sociedade. Deus deu-lhe a palavra e todas as demais faculdades necessárias ao relacionamento.
(b) O isolamento absoluto é contrário à lei natural? Sim, uma vez que os homens procuram por instinto a sociedade, para que todos possam concorrer para o progresso ao se ajudarem mutuamente.
(c) O homem, ao procurar viver em sociedade, apenas obedece a um sentimento pessoal, ou há um objetivo providencial mais geral? O homem deve progredir, mas não pode fazer isso sozinho porque não dispõe de todas as faculdades; eis por que precisa se relacionar com outros homens. No isolamento, se embrutece e se enfraquece.
(d) Nenhum homem possui todos os conhecimentos. Pelas relações sociais é que se completam uns aos outros para assegurar seu bem-estar e progredir: é por isso que, tendo necessidade uns dos outros, são feitos para viver em sociedade e não isolados[9]
Não há dúvida! O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é o que está mais conforme com a moral preconizada pelas Doutrinas Cristã e Espírita. A sua irrestrita observância impulsionará o desenvolvimento de uma sociedade em que a cooperação, sobrepondo-se à competição, entregará, a cada um, o necessário à sua sobrevivência e ao seu pleno desenvolvimento moral, intelectual, social (e espiritual).
[1] Constituição Federal do Brasil (1988).
[2] KARDEC, Allan. O livro dos espíritos, tradução de Guillon Ribeiro. Rio de Janeiro: FEB. 1944, p. 372.
[3] Immanuel Kant (1724-1804) foi um filósofo prussiano, geralmente considerado como o último grande filósofo dos princípios da era moderna.
[4] KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. São Paulo: Martin Claret, 2008, p. 65.
[5] Id., Ibid., p. 60.
[6] Ibid., p. 9.
[7] Allan Kardec (1804-1869), foi um pedagogo e intelectual francês que se notabilizou por codificar a Doutrina Espírita ou Espiritismo.
[8] KARDEC, Allan. O que é o espiritismo, tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa. 74ª ed. Araras: IDE, 2009, p. 10.
[9] KARDEC, Allan. O livro dos espíritos, tradução de Guillon Ribeiro. Rio de Janeiro: FEB. 1944, p. 359.