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Redução da maioridade penal:

uma maquiagem nas causas da violência

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Agenda 29/05/2007 às 00:00

Resumo: Este trabalho procura discutir a questão da redução da maioridade penal no Brasil. Aborda as possíveis causas da violência urbana, refutando os argumentos daqueles que defendem a redução como forma de conter a violência, principalmente diante dos recentes fatos violentos ocorridos nas grandes cidades, envolvendo menores. Aponta algumas soluções que poderiam ser adotadas pelas autoridades no sentido de inibir o crescimento da violência, além de valorizar os jovens, com ênfase nas políticas sociais, bem como propõe a revisão das sanções previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Palavras-chave: Contradição, maioridade penal, redução.


BREVE INTRODUÇÃO

Com o recente caso ocorrido no Rio de Janeiro, que vitimou o garoto João Hélio, a sociedade brasileira reacendeu o tema da redução da maioridade penal como forma de combater a violência.

Vale lembrar que, atualmente, no Brasil, a maioridade penal se dá aos 18 anos de idade, estando essas regras previstas em três Diplomas legais: artigo 27 do Código Penal, artigo 104, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente e artigo 228, da Constituição Federal.

Com efeito, diz o art. 228 da Magna Carta, verbis:

"Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial."

Por sua vez, o art. 27 do Código Penal dispõe nesse mesmo sentido que:

"Art. 27 Os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial."

Outrossim, o art. 104, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990, ratifica os dispositivos legais anteriores ao afirmar:

"Art. 104 - São penalmente inimputáveis os menores de 18 (dezoito) anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei."

Assim, vemos que a legislação brasileira pertinente aos menores garante a estes a inimputabilidade penal quando eles forem menores de 18 anos, ficando, no entanto, sujeitos às normas da legislação especial, qual seja, o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Na exposição de motivos do Código Penal Brasileiro, o então Ministro Ibrahim Abi-Ackel destacou a opção que havia sido feita quanto à fixação da maioridade em 18 anos nos seguintes termos:

"De resto, com a legislação de menores recentemente editada, dispõe o Estado dos instrumentos necessários ao afastamento do jovem delinqüente, menor de 18 (dezoito) anos, do convívio social, sem sua necessária submissão ao tratamento do delinqüente adulto, expondo-o à contaminação carcerária."1

Assim, adotou a legislação penal o critério biológico para se aferir a capacidade do menor quanto ao entendimento e determinação do caráter ilícito do fato – isto é, basta que ele tenha menos de 18 anos que será considerado inimputável, ao passo que, pelo critério biopsicológico, é averiguado, em cada caso concreto, o amadurecimento do menor para fins de aplicação da sanção penal, equiparando-o ao maior.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê a hipótese de internação do adolescente infrator, limitando esta ao prazo máximo de 3 anos ou até que o adolescente atinja a idade de 21 anos, conforme seu art. 121, parágrafos 3º e 5º.

Lembremos, ainda, que o Brasil foi um dos países signatários da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, a qual fixou em 18 anos a idade para a imputabilidade penal.

No calor dos acontecimentos recentes relativos à violência urbana, a mídia e grande parte da classe política tentam passar a idéia à população que os menores não estão sujeitos a qualquer sanção, como se não houvesse as previsões acerca do ato infracional constantes do ECA, tais como: providências sócio-educativas contra o infrator (advertência, liberdade assistida, semiliberdade etc.), além da medida extrema que é a internação, a qual, no dizer do professor Luiz Flávio Gomes, nada mais é do que "prisão".


A MAIORIDADE PENAL EM OUTROS PAÍSES

No quadro abaixo, encontra-se a indicação da maioridade penal adotada em alguns países:

PAÍS

IDADE

México

18

Índia

18

Nigéria

18

Paquistão

18

África do Sul

18

Estados Unidos

variável

Indonésia

17

Ucrânia

16

França

18

Polônia

16

China

18

Alemanha

18

Itália

18

Japão

16

Rússia

18

Argentina

18

Brasil

18

Inglaterra

variável

País de Gales

variável

De acordo com pesquisas realizadas por organismos internacionais, as estatísticas mostram que mais da metade da população mundial tem a sua maioridade penal fixada em 18 anos.

A ONU realiza, a cada quatro anos, a pesquisa Crime Trends (Tendências do Crime), que constatou, em sua última versão, que os países que consideram adulto, para fins penais, pessoa com menos de 18 anos são os que apresentam baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), à exceção dos Estados Unidos e Inglaterra.

Foram analisadas 57 legislações penais em todo o mundo, concluindo-se que apenas 17% adotam a maioridade inferior a dezoito anos, dentre eles: Bermudas, Chipre, Haiti, Marrocos, Nicarágua, São Vicente e Granadas. Como visto, a maioria desses países apresentam uma população bastante carente nos indicadores sociais.


O QUADRO BRASILEIRO: A INCIDÊNCIA DOS MENORES NAS INFRAÇÕES PENAIS

De acordo com as estatísticas oficiais, os crimes praticados por menores de 18 anos representam apenas 10% do total. Essa participação de menores nas infrações se dá, em grande parte, por conta da guerra de quadrilhas e do tráfico de drogas.

Apesar disso, em recente pesquisa, realizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), ficou claro que 57,4% dos nossos juízes são favoráveis à redução de 18 para 16 anos da maioridade penal, dados que foram lamentados por estudiosos e pesquisadores do Direito, além de sociólogos e pesquisadores dos institutos de pesquisa das causas da violência.

A Febem de São Paulo divulgou um levantamento acerca da origem de seus internos, concluindo que, na maioria das vezes, eles eram procedentes dos bairros mais violentos de São Paulo: Sapopemba, Capão Redondo, Jardim São Luís, Grajaú, Cidade Ademar, Brasilândia e Jardim Ângela2. Esses dados revelam a relação que existe entre o meio de convivência e o comportamento dos menores, merecendo ser feito um questionamento sobre as reais causas da delinqüência juvenil: por que a maioria dos menores da Febem são de origem dos bairros mais carentes e violentos de São Paulo? Será que os jovens de outras localidades também serão afetados pela redução da maioridade penal?

Por outro lado, as pesquisas mostram que é elevado o número de jovens que são vítimas de crimes praticados por adultos. Em São Paulo, no período de 35 anos (1960-1995), constatou-se que o número de homicídios que vitimou jovens na faixa dos 15-19 anos passou de 9,6 para 186,7/100.000 habitantes. Na pesquisa realizada no ano de 1990, o número de jovens assassinados no Estado de São Paulo foi estimado em 2.7 por dia3.

Uma das preocupações dos defensores da redução é o fato de os traficantes de drogas recrutarem menores inimputáveis para lhes auxiliar no tráfico, como se isso fosse impedir que os criminosos passassem a contar com a colaboração de menores de 15, 14, 13 ou até 10 anos, após a fixação da maioridade em 16 anos.

Essa culpa atribuída, pelos meios de comunicação e pelos políticos, à legislação penal brasileira parece que procura desviar o foco das reais causas da violência em nosso país, especialmente da falência das instituições de recuperação de presos. Sabemos que os presídios brasileiros são verdadeiras escolas de criminosos; porém, o que estamos presenciando é uma tentativa de afogar ainda mais o nosso sistema prisional, cuja recuperação do preso não passa de discurso hipócrita. Se a própria Febem já é uma instituição falida, como poderíamos transferir esses menores delinqüentes para presídios mais caóticos ainda? Acredito que, a despeito do discurso de combate à violência, teríamos, a curtíssimo prazo, um resultado agravador das estatísticas da criminalidade no Brasil. Sabe-se, também, que o índice de reincidência de jovens nas instituições juvenis é muito menor do que dos adultos que já estiveram em nossos presídios.

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DA INCONSTITUCIONALIDADE DA PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO N.º 301, DE 1996.

Analisando a proposta de emenda à Constituição de n.º 301/96, de autoria do Deputado Jair Bolsonaro e outros, podemos concluir que ela é inconstitucional.

Segundo se depreende do art. 60, §4º, da CF, o direito assegurado no art. 228, da mesma Carta, pode ser incluído entre os direitos e garantias individuais, consistindo estes em claúsulas pétreas, cuja supressão o Texto Maior proíbe. Dizem o art. 60, §4º e inciso IV:

"Art. 60 A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

omissis

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

omissis

IV - os direitos e garantias individuais"

Poderiam argumentar que a menoridade não está inserida expressamente no rol dos direitos e garantias individuais; entretanto, a autorizada doutrina de J. J. Gomes Canotilho defende a natureza análoga dos direitos, liberdades e garantias. Diz o renomado mestre que:

"os direitos de natureza análoga são os direitos que, embora não referidos no catálogo dos direitos, liberdades e garantias, beneficiam de um regime jurídico constitucional idêntico aos destes"4

Assim, vemos que a questão de se antecipar a responsabilidade penal aos menores esbarra em cláusula pétrea da Constituição Federal, visto que tal direito pode ser considerado, de maneira análoga, como pertencente aos direitos e garantias individuais.

Da mesma forma, defende o Deputado Hélio Bicudo, de São Paulo, bem como o Fórum de Defesa da Criança e do Adolescente Nacional. Com relação ao tema, profetizou o ilustre Deputado:

"Ao buscar o rebaixamento da idade de imputabilidade penal, embasado em um raciocínio predominantemente subjetivo, a emenda proposta esbarra na proibição do art. 60, parágrafo 4º, da Constituição Federal..."5

Diferente não é a opinião do Deputado Federal Flávio Dino (PC do B-MA), ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil e membro da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara6. Ele acredita que uma alternativa à redução seria o aumento das penas dos maiores que se utilizassem dos menores para a prática dos delitos.

O Deputado defende, a exemplo das opiniões citadas, que a proposta também violaria a proibição contida no §4º, do art. 60, já que o Supremo Tribunal Federal já decidiu no sentido de haver, em outros artigos, direitos e garantias individuais, e não apenas aqueles contidos no art. 5º.

Ele assegurou ainda que, caso a proposta de emenda chegue à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, defenderá o seu arquivamento, argumentando que, apesar da comoção coletiva no caso do garoto João Hélio, apenas um dos cinco participantes do crime era menor.

Logo, vemos que, a despeito de toda essa discussão doutrinária promovida em debates, palestras, meio acadêmico e casas legislativas, a questão da redução da maioridade penal esbarra na própria técnica jurídica a que eventualmente seria submetida para que tivesse efetividade legal.


ASPECTOS PSICOLÓGICOS DA DELINQUÊNCIA JUVENIL

É interessante observar a questão psicológica que envolve o debate. Precisamos esclarecer a discussão sobre vários aspectos, e não apenas sob a ótica jurídica ou sociológica.

Sobre esse assunto, a revista Consultor Jurídico, de 06/08/2006, entrevistou o psiquiatra Leonardo Sauaia, do Núcleo de Psiquiatria Forense do Hospital das Clínicas de São Paulo, atuando, também, como psiquiatra da Febem, em São Paulo. Segundo o médico, se há um desvio de comportamento, a pessoa precisa de um tratamento.

Para o psiquiatra, explica Sauaia, a aplicação da lei requer um diálogo entre o Direito e a Ciência, esclarecendo que o conceito de maioridade penal pode variar entre 10 e 24 anos de idade. Ele entende que a personalidade do indivíduo se reveste de um caráter muito subjetivo, a contrastar com o caráter genérico da Lei.

Para aqueles que defendem a influência da genética no comportamento do criminoso, o Dr. Sauaia defende que o homem é produto do meio. Para ele, "alguém que vive em um meio de absoluta impunidade tem mais possibilidades de delinqüir porque sabe que isso não é problema". Argumenta, ainda, que "a criança, até certa idade, é amoral. Ela só forma a característica a partir dos exemplos existentes nas sociedades menores ou mais próximas, como família, escola, vizinhança... Crianças que vivem em ambientes onde os limites não são tão claros, são pouco nítidos, ou são distorcidos, têm dificuldade de encontrar os limites morais do que é certo e do que é errado."7

Adepto da idéia de que o meio faz o homem, o psiquiatra exemplifica o que seria um comportamento a influenciar uma criança no seio de sua comunidade, como no caso de um vizinho que rouba e tem um tênis melhor do que o dela, ainda mais quando não há imposição de limites dentro de casa.

Para a psiquiatria, o tratamento do indivíduo é mais importante do que a punição. Ele faz questão de frisar que o crime não é um desvio de comportamento, isto é, nem todos os criminosos têm desvio de comportamento.

E quando acontece a crise moral? Responde o médico que ela ocorre muito mais no período de questionamento. O período em que a pessoa começa a entrar na puberdade, vai para a adolescência e então começa a se perguntar sobre a natureza das coisas. "Quando você faz uma pergunta e não tem resposta, além de ter de tolerar essa angústia, você preenche aquilo com o que te vem às mãos", afirma o Dr. Sauaia.

Em linhas gerais, o entrevistado parece se filiar à corrente dos que defendem o critério biopsicológico, para se aferir a responsabilidade dos menores infratores, já que, na sua opinião, há que ser verificado, caso a caso, o perfil do menor delinqüente antes de responsabilizá-lo. Finaliza dizendo que deveríamos seguir o exemplo da Inglaterra, pois lá existem comunidades terapêuticas para tratar dos criminosos. Eles trabalham as condições de ressocialização dos indivíduos, que têm uma vida normal, fazem atividades da rotina de qualquer pessoa, como cozinhar, trocar a lâmpada ou cuidar da casa. Já existe o intento de adotar essa proposta aqui no Brasil, mas há outras prioridades, finaliza o médico.

Para a Professora Doutora Paula Inez Cunha Gomide, do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paraná, o Estatuto da Criança e do Adolescente é um sistema normativo excelente. Ela garante que já existem avanços, no Estado do Paraná, quanto à aplicação do ECA. Eis um trecho das palavras da Doutora Paula sobre o ECA:

"As políticas sociais de atendimento à criança e ao adolescente nos últimos cinco anos têm-se adaptado gradualmente às determinações do ECA. Municípios criaram programas de colocação no trabalho e atendimento familiar para adolescentes infratores (Juizado da Infância e da Juventude de Paranavaí-PR), criaram os Conselhos Tutelares (no Paraná já estão em funcionamento 174) que auxiliam o Juizado na implantação das medidas e atuam principalmente na área preventiva e de orientação, criaram os Conselhos Municipais de Direito da Criança e do Adolescente ( 245 em funcionamento no Paraná), que estabelecem as políticas sociais adequadas para a área, buscando recursos para a sua efetivação e obrigando os governos a priorizarem o atendimento às crianças e adolescentes. Estamos trabalhando arduamente há cinco anos, desde a publicação da Lei 8.069, em julho de 1990, para a implantação do Estatuto da Criança e Adolescente. Gostaríamos que este tipo de atendimento fosse estendido aos maiores de 18 anos, e não que os maus-tratos e despreparo do sistema penitenciário brasileiro abarcassem uma parcela da população."8

Já para o professor Paulo José da Costa Júnior, a solução para o problema seria uma alternativa mais prática, submetendo o menor a um programa pedagógico no momento da aplicação da pena:

"preconizamos uma justiça de menores, aplicada e executada por um tribunal especializado, em que a pena, que não perderá seu caráter aflitivo, deverá ter natureza eminentemente pedagógica. O jovem infrator será alfabetizado, deverá fazer cursos profissionalizantes, com a cooperação do Sesi e do Senac. A laborterapia e a ludoterapia deverão ser empregadas abundantemente, até que o jovem atinja a fadiga, para esgotar-lhe a agressividade, como se procedia nos torneios da Idade Média, que servia melhor que qualquer divã de psicanalista."9

Como vimos, a questão psicológica é um componente fundamental nessa questão. Necessitamos ter essa visão, especialmente quando se trata de profissionais que lidam com os adolescentes que estão incluídos no cenário do crime.


SOBRE AS POSSÍVEIS CAUSAS DA VIOLÊNCIA URBANA

É necessário que procuremos discutir sobre as possíveis causas da violência, já que a proposta de redução da maioridade se coloca como medida de combate às causas da delinqüência, principalmente para aqueles que enxergam o menor como seu protagonista.

O professor Sérgio Adorno, do Departamento de Sociologia da USP, integrante do Núcleo de Estudos da Violência/USP (NEV/USP), em excelente trabalho intitulado "Exclusão Sócio-Econômica e Violência Urbana"10 discorre sobre aquelas que seriam as verdadeiras causas da violência na moderna sociedade urbana.

Numa análise histórica da sociedade brasileira, o autor reconhece a existência de um estilo próprio de regimes políticos oligárquicos, além da escassa organização político-partidária e frágil mobilização dos grupos subalternos.

Prossegue o professor:

"Nesse contexto, a política convertia-se em ´´conversa de cavalheiros´´ e os partidos em colegiados de oligarcas".

Umas das causas da violência seria o padrão de concentração de riqueza e de desigualdade social, os quais permanecem os mesmos há quarenta anos. Analisa o professor Sérgio Adorno que:

"Ao longo de mais de cem anos de vida republicana, a violência em suas múltiplas formas de manifestação permaneceu enraizada como modo costumeiro, institucionalizado e positivamente valorizado – isto é, moralmente imperativo -, de solução de conflitos decorrentes das diferenças étnicas, de gênero, de classe, de propriedade e de riqueza, de poder, de privilégio, de prestígio. Permaneceu atravessando todo o tecido social, penetrando em seus espaços mais recônditos e se instalando resolutamente nas instituições sociais e políticas em princípio destinadas a ofertar segurança e proteção aos cidadãos."11

Outro dado que podemos trazer à discussão é a violência policial. Vemos então que a violência também é institucionalizada, pois há notícias de que os presos já eram vítimas de violência desde o início da forma republicana de governo, todavia, a discussão sobre esse tema só foi levantada durante o regime militar (1964-85).

Não devemos esquecer esse grande foco de violência na sociedade brasileira que é o crime organizado, especialmente em torno do contrabando de armas e do tráfico de drogas. Através desse último, as quadrilhas dominam verdadeiras comunidades com o intuito de arregimentar jovens para contribuir com a organização criminosa e garantir a dominação de territórios de atuação do tráfico. Muitos são os casos de jovens executados sumariamente pelos traficantes, além da luta armada entre quadrilhas, numa verdadeira guerra civil.

Um fator social que vem tomando espaço ultimamente na mídia é a existência das milícias nos morros cariocas. Esses grupos são formados por policiais militares que prestam serviços de "guardas privados" nas comunidades do Rio de Janeiro, ou seja, um serviço que era para ser prestado pelo Poder Público – o de segurança pública, acaba sendo feito por particulares que são pagos pelos moradores da comunidade, que se sentem indefesos ante a superioridade do tráfico de drogas.

Nesse cenário de violência urbana ainda podem ser somados: a violência das escolas, a violência das galeras e bailes funks, a violência doméstica, as gangues e quadrilhas de jovens e os assassinatos de homossexuais.

Quanto às causas que impulsionaram o crescimento da violência, o professor Sérgio Adorno as identifica em três grupos: mudanças na sociedade e nos padrões convencionais de delinqüência e violência, crise no sistema de justiça criminal e desigualdade social e segregação urbana.

Com relação às mudanças na sociedade, ele identifica os avanços tecnológicos nas armas utilizadas pelas organizações criminosas, além das suas articulações em âmbito internacional no tráfico de drogas e no contrabando de armas. Um fator que também contribui para a mudança na sociedade é a chamada "lavagem de dinheiro", cujas operações são feitas através de bancos, os quais, segundo o autor, muitas vezes são cúmplices das organizações e raramente são investigados.

A crise no sistema de justiça criminal reflete-se no aumento e sofisticação do crime, ao passo que a justiça continua operando como há três ou quatro décadas, além das rebeliões que acontecem com maior freqüência, na maioria das vezes comandadas por organizações como o Comando Vermelho e Terceiro Comando, no Rio de Janeiro e o Primeiro Comando da Capital, em São Paulo, este responsável pelo motim simultâneo de vinte e nove grandes prisões, no estado de São Paulo, em janeiro de 2001. As rebeliões nos presídios podem ser atribuídas às polícias estaduais, e, ainda, à falta de presídios de segurança máxima de responsabilidade do governo federal.

Há também um grande sentimento de impunidade no meio social, sobretudo um grande sentimento de injustiça, haja vista que as pessoas opinam no sentido de que as penas só são aplicadas a determinados grupos, favorecendo outros. Negros, migrantes e pessoas com renda mais baixa são tidos como grupos que sofrem discriminação quanto à responsabilidade penal, ao passo que os criminosos do colarinho branco permanecem impunes.

Outro dado que também pode ser apontado como indicador da desigualdade social a incrementar a violência é o poder de compra das classes favorecidas, no que tange à contratação de segurança privada para garantir a sua segurança pessoal, enquanto determinados grupos necessitam da segurança oferecida pelos traficantes, já que o Poder Público não supre a política de segurança.

Ainda no trabalho publicado pelo Núcleo de Estudos da Violência, da Universidade de São Paulo12, consta uma pesquisa de opinião promovida pelo Jornal do Brasil/Vox Populi, realizada entre 13-16 de abril de 1995, na qual 73% dos brasileiros declararam que não confiam na Justiça, entendendo que a lei não é igual para todos. Já para 80% dos entrevistados, o pobre será julgado mais rigorosamente e 62% opinaram que o negro receberá punição mais pesada, e, ainda, 59% dos pesquisados disseram que têm medo da polícia.

No tópico desigualdade social e segregação urbana, Sérgio Adorno afirma que:

"O problema não residia na pobreza, porém na criminalização dos pobres, vale dizer no foco privilegiado conferido pelas agências de controle social contra a delinqüência cometida por cidadãos pobres. Polícia e Justiça pareciam revelar maior rigor punitivo contra negros, pobres, migrantes (Adorno, 1994 e 1995)."13

Voltando à questão da distribuição de renda, esclarece o autor que essa é uma das causas da violência, tendo em vista que o Brasil é o país campeão na questão da má distribuição de renda entre a sua população, havendo fortes disparidades regionais entre os Estados do Sudeste e Nordeste, além da falta de investimentos públicos na área de saneamento básico, ocasionando altos índices de doenças infecto-contagiosas.

Quanto à escolarização, esta é sem dúvida uma poderosa arma no combate ao crime, sendo lamentável que o Brasil seja o sétimo país em número de analfabetos, destacando-se que, segundo a previsão do IBGE, apenas em 2.030, é que será erradicado o analfabetismo dos nosso país.

Além do mais, as classes menos favorecidas têm que se conformar com a escola pública, que tem um nível educacional muito abaixo das escolas particulares. Nas escolas privadas, é alarmante o índice de segregação de classes e de cor dos alunos, sendo que apenas 2,6% dos estudantes são negros, contra 66,6% de brancos e 30% de pardos.14

O trabalho infantil também contribui para a baixa taxa de escolarização do Brasil, tendo em vista que muitas crianças e adolescentes entre os 10 e 14 anos já trabalham, ocorrendo, também, muitos casos de acidente de trabalho nos quais a vítima é menor de idade.

Houve, ainda, um crescimento do número de trabalhadores sem carteira assinada, aumentando o mercado informal, o que gera a perda por parte desses trabalhadores de alguns direitos assegurados na legislação trabalhista, tais como: décimo-terceiro salário, férias remuneradas, proteção em caso de dispensa etc.

As pesquisas sobre a violência registram que a sua incidência é maior nos bairros da periferia, onde faltam condições básicas de sobrevivência, tais como: saneamento básico, elevadas taxas de mortalidade infantil, falta de áreas de lazer, bem como pela falta de atividades artísticas.

Pela pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP, no município de São Paulo, por exemplo, no ano de 1995, a taxa de homicídios era de 42,59 ocorrências por 100.000 habitantes, enquanto que em um bairro da periferia como Jardim Ângela, a taxa era de 111,52 ocorrências por cem mil habitantes. Da mesma forma, no bairro periférico de Grajaú, a taxa era de 101,68 ocorrências/cem mil; Parelheiros, 96,80 ocorrências/cem mil. Nesses bairros, constatou-se a falta de infra-estrutura para população, sendo alta a taxa de mortalidade infantil, além da ausência do poder público na promoção do bem-estar e do acesso ao lazer de crianças e adolescentes.

Já em um bairro de classe média da cidade de São Paulo, como Perdizes, a taxa de homicídio registrada foi de 2,65 por cem mil habitantes. Nesse bairro existem condições melhores de sobrevivência das pessoas, acesso ao comércio, ao esporte e ao lazer. É importante registrar que não é a baixa renda ou a miséria que são tidas como causas da violência, mas sim as desigualdades sociais e o verdadeiro abandono dos bairros periféricos das grandes cidades. Já se constatou que, mesmo em algumas cidades mais ricas, o nível de violência pode ser alto, ou seja, a questão do combate à violência urbana é mesmo uma questão muito mais complexa que não pode ser resolvida da noite para o dia como querem alguns políticos.

Em pesquisa publicada pelo Jornal Folha de São Paulo, na qual concluiu-se que um dos agravantes da violência urbana seria a inconstância das famílias, especialmente das famílias da periferia das grandes cidades. A pesquisa apontou como má influência uma certa volatilidade entre os casais que possuíam filhos, visto que muitos casais com filhos se separavam e, logo depois, os pais já encontravam novos parceiros com os quais iriam conviver, e assim por diante.

Para o jornalista Gilberto Dimenstein, em artigo publicado no Jornal Folha de São Paulo, intitulado "A violência da desinformação"15, a proposta de redução da maioridade penal seria um descaso dos políticos e dos meios de comunicação com as reais causas da violência. Seria uma saída muito fácil para eles, em face da complexidade de ter que enfrentar as verdadeiras causas.

De acordo com Dimenstein, houve significativa redução nos crimes violentos praticados no Estado de São Paulo, especificamente nos homicídios, latrocínios e nas tentativas de homicídio, apesar de os índices da prática desses crimes ainda continuarem altos para uma nação civilizada.

É interessante observar que essa queda ocorreu apesar de continuarem altos os índices de desemprego, de pobreza e sem que se diminuísse a maioridade penal.

Algumas providências de gerenciamento foram tomadas pela Segurança Pública do Estado de São Paulo. Foi desenvolvido um sistema de mapeamento dos crimes, bairro a bairro, sendo tomadas várias medidas repressivas.

Através dessas medidas, foi possível elucidar um maior número de assassinatos, com a preciosa colaboração do disque-denúncia criado pela polícia, além de terem sido instaladas mais bases móveis nos locais estratégicos e a utilização de motocicletas e bases de policiamento comunitário. Houve também a campanha do desarmamento, a redução do horário de funcionamento dos bares, a ampliação de programas sociais de renda mínima, a abertura de escolas nos finais de semana, além de outras medidas preventivas.

Sobre o autor
Francisco Sales de Argolo

advogado da União, pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Tiradentes (SE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARGOLO, Francisco Sales. Redução da maioridade penal:: uma maquiagem nas causas da violência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1427, 29 mai. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9943. Acesso em: 24 dez. 2024.

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