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Interpretação da Súmula Vinculante nº 24 do STF

Agenda 15/08/2022 às 19:15

"Lançamento definitivo do tributo”, como dito na súmula, dá a entender que pode haver lançamento provisório, figura inexistente no ordenamento jurídico, assim como não existe cobrança provisória de imposto.

Palavras chaves: Súmula vinculante. Crimes tributários. Sonegação fiscal. Representação penal.

Prescreve o enunciado da Súmula Vinculante nº 24 do STF:

“Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV da lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”.

Essa Súmula Vinculante foi editada para coibir a ação do fisco que juntamente com a notificação do AIIM promovia a representação fiscal pra fins penais.

Antes dessa Súmula Vinculante providência legislativa havia sido tomada para conter a fúria fiscalista,  traduzida pelo art. 83 da Lei nº 9.430/1996 vazada nos seguintes termos:

“Art. 83.  A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1º e 2º da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.”

Se ao tempo da vigência da Lei nº 4.729/69, que definia os crimes de sonegação fiscal, a representação fiscal para fins penais estava correta, porque estávamos diante de crimes de conduta em que era possível a tentativa de crime, com o advento da Lei nº 8.137/90, que definiu os crimes contra a ordem tributária, equivocadamente, denominados de crimes de sonegação fiscal, a aludida representação fiscal deixou de ter legitimidade, porque o crime, agora, é de natureza material, isto é, exige-se o resultando naturalístico para a caracterização do crime.

De fato, a Lei nº 4.729/65 tipificava a conduta consistente em “prestar declaração falsa ou omitir, total ou parcialmente, informação que deva ser produzida a agentes das pessoas jurídicas de direito público interno, com a intenção de eximir-se, total ou parcialmente, do pagamento de tributos, taxas e quaisquer adicionais devidos por lei;”

Bastava, pois, a prova do dolo, independentemente, de resultado naturalístico.

Agora, o tipo penal previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90 consiste em “suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório mediante as seguintes condutas:

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.”

Antes, omitia-se ou fraudava-se a fiscalização com o  fito de eximir-se total ou parcialmente do pagamento de tributos. Agora, suprime-se ou reduz-se o tributo mediante omissão ou fraude à fiscalização.

Entretanto, o art. 2º da Lei nº 8.137/90 capitula crimes de conduta, sendo irrelevantes para a caracterização do crime o resultado naturalístico.

Por isso, não andou bem o legislador ao incluir no art. 83 da Lei nº 9.430/96 o art. 2º da Lei nº 8.137/90 que tem natureza diversa da do art. 1º.

Nos crimes previstos nesse art. 2º não há necessidade de aguardar o encerramento do processo administrativo tributário, para promover a representação fiscal para fins penais.

A Súmula Vinculante nº 24 do STF, acertadamente, deixou de fazer referência ao art. 2º da Lei nº 8.137/90, que se assemelha aos crimes de sonegação fiscal que constavam da Lei nº 4.729/65.

Contudo, essa Súmula Vinculante, data vênia, contém duas inconsistências.

A primeira delas é que deixou de incluir a conduta descrita no inciso V, do art. 1º que nada difere das demais condutas previstas nos incisos I a IV.

Nenhuma razão existe para excluir essa conduta no ato de suprimir ou reduzir tributos.

A omissão, ao que tudo indica,  deve ter sido involuntária.

A outra inconsistência diz respeito à expressão final “antes do lançamento definitivo do tributo”.

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Ora, a constituição definitiva do crédito tributário ocorre com a notificação do lançamento/AIIM ao sujeito passivo (art. 142 c.c art. 145 do CTN).

Notificado o sujeito passivo, este, ou paga o crédito tributário extinguindo-o, ou apresenta impugnação, hipótese em que se instaura o processo administrativo tributário para resolver o litígio.

Com a impugnação, o sujeito passivo busca a desconstituição do crédito tributário constituído definitivamente pelo procedimento do lançamento. O processo administrativo tributário corresponde à ação anulatória do lançamento na esfera judicial.

Enquanto, não se exaurir a instância administrativa não se sabe se o crédito tributário será ou não, total ou parcialmente desconstituído.

Daí a necessidade de aguardar o desfecho final do processo administrativo tributário para proceder à representação fiscal para fins penais.

Não teria sentido instaurar-se a ação penal para, posteriormente, o titular do tributo reconhecer que o tributo não era devido.

Por isso, a expressão final a Súmula Vinculante nº 24 do STF deve ser entendida no sentido de “antes do encerramento definitivo do processo administrativo tributário”.

Não se confunde o processo administrativo tributário com o procedimento administrativo do lançamento, que se exaure com a notificação do lançamento feito ao sujeito passivo. Ultimado o lançamento o crédito tributário estará definitivamente constituído, somente podendo ser alterado por via de impugnação administrativa ou judicial.

“Lançamento definitivo do tributo” a que se refere a Súmula Vinculante sob comento dá a entender que pode haver lançamento provisório, figura inexistente no ordenamento jurídico vigente, da mesma forma que não existe a figura da cobrança provisória do imposto.

Lançamento enquanto ato de constituir o crédito é um procedimento administrativo (art. 142 do CTN). Entretanto, ao final desse procedimento administrativo surge o instrumento exteriorizador que é o lançamento propriamente dito, que configura um ato jurídico-administrativo.

Conforme assinalamos em nossa obra, para pôr cobro às intermináveis discussões quanto à natureza jurídica do lançamento, não se confundem a noção de “lançar”, um verbo, com o “lançamento”, um substantivo que resulta do ato de lançar. 

Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Interpretação da Súmula Vinculante nº 24 do STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6984, 15 ago. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/99440. Acesso em: 23 dez. 2024.

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