Palavras chaves: Súmula vinculante. Crimes tributários. Sonegação fiscal. Representação penal.
Prescreve o enunciado da Súmula Vinculante nº 24 do STF:
“Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV da lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”.
Essa Súmula Vinculante foi editada para coibir a ação do fisco que juntamente com a notificação do AIIM promovia a representação fiscal pra fins penais.
Antes dessa Súmula Vinculante providência legislativa havia sido tomada para conter a fúria fiscalista, traduzida pelo art. 83 da Lei nº 9.430/1996 vazada nos seguintes termos:
“Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1º e 2º da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.”
Se ao tempo da vigência da Lei nº 4.729/69, que definia os crimes de sonegação fiscal, a representação fiscal para fins penais estava correta, porque estávamos diante de crimes de conduta em que era possível a tentativa de crime, com o advento da Lei nº 8.137/90, que definiu os crimes contra a ordem tributária, equivocadamente, denominados de crimes de sonegação fiscal, a aludida representação fiscal deixou de ter legitimidade, porque o crime, agora, é de natureza material, isto é, exige-se o resultando naturalístico para a caracterização do crime.
De fato, a Lei nº 4.729/65 tipificava a conduta consistente em “prestar declaração falsa ou omitir, total ou parcialmente, informação que deva ser produzida a agentes das pessoas jurídicas de direito público interno, com a intenção de eximir-se, total ou parcialmente, do pagamento de tributos, taxas e quaisquer adicionais devidos por lei;”
Bastava, pois, a prova do dolo, independentemente, de resultado naturalístico.
Agora, o tipo penal previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90 consiste em “suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório mediante as seguintes condutas:
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;
IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;
V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.”
Antes, omitia-se ou fraudava-se a fiscalização com o fito de eximir-se total ou parcialmente do pagamento de tributos. Agora, suprime-se ou reduz-se o tributo mediante omissão ou fraude à fiscalização.
Entretanto, o art. 2º da Lei nº 8.137/90 capitula crimes de conduta, sendo irrelevantes para a caracterização do crime o resultado naturalístico.
Por isso, não andou bem o legislador ao incluir no art. 83 da Lei nº 9.430/96 o art. 2º da Lei nº 8.137/90 que tem natureza diversa da do art. 1º.
Nos crimes previstos nesse art. 2º não há necessidade de aguardar o encerramento do processo administrativo tributário, para promover a representação fiscal para fins penais.
A Súmula Vinculante nº 24 do STF, acertadamente, deixou de fazer referência ao art. 2º da Lei nº 8.137/90, que se assemelha aos crimes de sonegação fiscal que constavam da Lei nº 4.729/65.
Contudo, essa Súmula Vinculante, data vênia, contém duas inconsistências.
A primeira delas é que deixou de incluir a conduta descrita no inciso V, do art. 1º que nada difere das demais condutas previstas nos incisos I a IV.
Nenhuma razão existe para excluir essa conduta no ato de suprimir ou reduzir tributos.
A omissão, ao que tudo indica, deve ter sido involuntária.
A outra inconsistência diz respeito à expressão final “antes do lançamento definitivo do tributo”.
Ora, a constituição definitiva do crédito tributário ocorre com a notificação do lançamento/AIIM ao sujeito passivo (art. 142 c.c art. 145 do CTN).
Notificado o sujeito passivo, este, ou paga o crédito tributário extinguindo-o, ou apresenta impugnação, hipótese em que se instaura o processo administrativo tributário para resolver o litígio.
Com a impugnação, o sujeito passivo busca a desconstituição do crédito tributário constituído definitivamente pelo procedimento do lançamento. O processo administrativo tributário corresponde à ação anulatória do lançamento na esfera judicial.
Enquanto, não se exaurir a instância administrativa não se sabe se o crédito tributário será ou não, total ou parcialmente desconstituído.
Daí a necessidade de aguardar o desfecho final do processo administrativo tributário para proceder à representação fiscal para fins penais.
Não teria sentido instaurar-se a ação penal para, posteriormente, o titular do tributo reconhecer que o tributo não era devido.
Por isso, a expressão final a Súmula Vinculante nº 24 do STF deve ser entendida no sentido de “antes do encerramento definitivo do processo administrativo tributário”.
Não se confunde o processo administrativo tributário com o procedimento administrativo do lançamento, que se exaure com a notificação do lançamento feito ao sujeito passivo. Ultimado o lançamento o crédito tributário estará definitivamente constituído, somente podendo ser alterado por via de impugnação administrativa ou judicial.
“Lançamento definitivo do tributo” a que se refere a Súmula Vinculante sob comento dá a entender que pode haver lançamento provisório, figura inexistente no ordenamento jurídico vigente, da mesma forma que não existe a figura da cobrança provisória do imposto.
Lançamento enquanto ato de constituir o crédito é um procedimento administrativo (art. 142 do CTN). Entretanto, ao final desse procedimento administrativo surge o instrumento exteriorizador que é o lançamento propriamente dito, que configura um ato jurídico-administrativo.
Conforme assinalamos em nossa obra, para pôr cobro às intermináveis discussões quanto à natureza jurídica do lançamento, não se confundem a noção de “lançar”, um verbo, com o “lançamento”, um substantivo que resulta do ato de lançar.