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O acionista minoritário e o pedido de reestruturação judicial. Considerações

Agenda 30/08/2022 às 13:30

O texto trata da autorização necessária, em assembleia de acionistas, para que a companhia requeira recuperação judicial ou formule pedido de autofalência em juízo, consoante determina a Lei 6.404/76.

 O ensaio tratará de tema pouco abordado pela hodierna doutrina, que é justamente a questão relativa à tutela do acionista minoritário[3] [4] e a autorização, via assembleia geral - órgão imediato -, para que o administrador [diretoria, órgão executivo que é] de sociedade anônima (aberta ou fechada) requeira o regime de reestruturação judicial[5], em consonância com a regra estabelecida pela Lei 6.404/76 e os termos da Lei 11.101/05.

A questão, a nosso modo, é complexa e envolve várias indagações eminentemente teóricas, de modo que alguns aspectos hão de ser aqui pontuados, sem empeço de que em outro momento novas reflexões [investigação zetética[6]] sejam apresentadas, visando o debate.

Estabelece o art. 122, inc. IX da Lei 6.404/76, que a assembleia geral extraordinária [a competência é sua - privativa e indelegável -, por força do art. 131 do mesmo texto legal] de acionistas tem a competência privativa para autorizar o administrador (via de regra, a diretoria [órgão presentante legal que é]) da companhia a confessar falência [autofalência] e requerer recuperação judicial.

 Destaque-se que a lei de regência nada esclarece sobre outros meios recuperatórios previstos em a Lei 11.101/05, o que se traduz em falha, a nosso sentir, porquanto, o alarde de crise é externado aos credores, podendo desestabilizar o mercado no qual opera a entidade, sendo que o parágrafo único dispõe:

Em caso de urgência, a confissão de falência ou o pedido de recuperação judicial poderá ser formulado pelos administradores, com a concordância do acionista controlador, se houver, hipótese em que a assembleia geral será convocada imediatamente para deliberar sobre a matéria

Este dispositivo pode, em tese, apenas em tese - no caso concreto - ser prejudicial aos interesses e direitos dos acionistas minoritários e à própria companhia como um todo[7].

Explicar-se-á o porquê no decorrer da exposição.

Em se tratando de companhia aberta ou fechada, mister a indispensável autorização, via assembleia, para que se requeira a abertura judicial da falência [autofalência] ou se busque o regime recuperatório judicial, se não olvidando da exceção contida no parágrafo único do dispositivo legal. O texto de lei não trata da recuperação extrajudicial, como dito.

 Quanto ao tema específico, o entendimento de Sérgio Campinho:

Isso porque a negociação do plano de recuperação extrajudicial com os credores, ainda que levado à homologação em juízo, não é de necessária decisão assemblear, integrando, como efeito, os poderes gerais de administração essa forma de composição de débitos[8]

Uma questão que de imediato se apresenta, diz respeito à urgência [incorreto o vocábulo “emergência”] mencionada no parágrafo único do art. 122.

 A expressão é aberta, não sendo especificado na lei, ao menos exemplificativamente, em quais hipóteses poderia ocorrer o ajuizamento da demanda e só depois a assembleia deliberar a respeito, isto é, se foi ou não correta a concordância/autorização do acionista controlador, para fins de ingressar em juízo.

Por mais que a diretoria seja investida de poderes para agir judicialmente, tais poderes são relativos e provisórios, persistindo até que haja conclave para (i) chancelar o ato ou (ii) vedar o pleito judicial. Em última análise, a assembleia ratifica ou não o ato praticado pelos administradores.

Por outro lado, se não desconhece que, em companhias abertas o procedimento a ser seguido para que ocorra assembleia demanda certo tempo - convocação com 21 dias de antecedência - prazo em que qualquer sinal de alerta já pode estar mais do que evidente, acentuado, exigindo imediato ajuizamento de ação de reestruturação.

Destarte, em 21 dias pode ocorrer fato que obrigue o administrador [diretoria] a agir, em tese, sendo desnecessário aguardar o ato assemblear.  

No tocante às companhias fechadas, o prazo de convocação é de apenas 8 dias, de modo que caberia questionar o porquê de se não aguarda a assembleia para deliberação em conclave a respeito dos temas que, sem dúvida, envolvem os destinos da pessoa jurídica e, via indireta, os de seus incorporadores.  

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Bem esclarece Pontes de Miranda, referindo-se ao Dec.-Lei 2.627/1940, que qualquer acionista tem legitimidade para alegar falta de urgência ou outra omissão[9].

Em casos tais, conforme regra legal, quem orienta a atuação do administrador [a diretoria] é o acionista controlador e posteriormente a assembleia deliberar acerca da questão.

Por evidente - levando em conta o silêncio da lei -, exsurgem importantes questionamentos teóricos que hão de ser observados pelo hermeneuta: em havendo assembleia, caso não se concorde com o propósito de requerer a abertura de falência ou de pleitear o regime recuperatório judicial, mas já ajuizada uma das ações, é de se ponderar como fica a questão jurídica.

Dito de forma mais simples: a assembleia, posteriormente à autorização dada pelo controlador, discorda das medidas adotadas pelos administradores.

 Impõe-se indagar acerca das consequências jurídicas e econômico-financeiras do simples ajuizamento de quaisquer das ações.

Lembre-se que a mera distribuição de ação de autofoalência ou de reestruturação repercute no mercado como um todo.

No caso de pedido de autofalência, descabe ao juiz dar continuidade - análise da petição inicial [CPC, art. 320] - sem que antes esteja nos autos do processo a ata da assembleia extraordinária, devidamente:

[i] Assinada pelos que foram maioria na deliberação [art. 130, Lei 6.404/76];

[ii]   Registrada em livro próprio [art. 100, inc. IV][10] e

[iii] Registrada perante a Junta Comercial [Lei 8.934/1994, art. 32][11],  autorizando ajuizamento da ação ou discordando da propositura, peremptoriamente desautorizando-a.

Para tanto, há de se estabelecer prazo a fim de que ocorra a juntada do documento [CPC, art. 321].

Anexada a ata da assembleia de acionistas, onde consta a expressa autorização para estar em juízo, o magistrado estará em plenas condições de analisar se presente as condições da ação e todos os pressupostos processuais, dando o encaminhamento que entender correto.

Não sendo cumprido o prazo ou, anexada a ata de assembleia que deixa autorizar expressamente o pedido de autofalência, cabe imediato indeferimento da petição inicial [CPC, art. 321].

De todo modo, descabe dar andamento ao feito sem que seja feita a juntada deste documento indispensável à propositura da ação.

Há de ser imediatamente suspenso o curso da ação.

No tocante ao pedido de recuperação judicial, o norte é exatamente o mesmo, ou seja, não é de ser analisada a petição inicial sem que antes o devedor anexe a ata de assembleia, conforme requisitos já alinhados.

Só a partir da análise de tal documento, reputado essencial, imprescindível, indispensável, é que poder-se-á dar regular andamento ao feito.

Observem-se as regras dos arts. 320 e 321 do CPC, de modo que a prova documental quanto a autorização [ou não] para se estar em juízo e requerer a autofalência ou regime recuperatório, é importante, a fim de que possa o magistrado se posicionar em relação a petição inicial.

Um detalhe não pode passar despercebido.

Diz com a distribuição da ação de recuperação judicial ou da ação de autofalência. Consoante já escrito acima, a distribuição torna públicas as demandas, sendo possível antever que os credores, fornecedores e demais interessados certamente tomarão imediato conhecimento a crise empresarial, ainda mais se se considerar a rapidez com que as informações são propagadas no mundo digital pós-moderno.

Tal fato, em si - a mera distribuição da ação -, pode gerar prejuízos à entidade e aos acionistas minoritários; a repercussão certamente será negativa perante o mercado em que atua a companhia; mal-estar certamente será criado, tendo em vista a eventual surpresa dos credores quanto ao ato praticado pela companhia.

O cancelamento da distribuição, óbvio ululante, não faz incidir a regra do art. 6º, §8º, da Lei 11.101/05. Esta questão aqui não é ventilada.

Coloque-se em relevo o fato de que: entre a distribuição da petição inicial e o eventual despacho indeferindo-a - por ausência de documentos indispensáveis -, pode ocorrer em prazo razoável, suficiente para que os credores tomem ciência do ocorrido e se posicionem.

O comportamento destes, a partir do momento em que tomam ciência da distribuição das ações, pode, em tese, aprofundar a crise em que se vê a pessoa jurídica. 

Esses detalhes hão de ser percebidos pelo exegeta.

Quanto aos acionistas minoritários, os que podem ser em maioria quantitativa, mas em menor poder de deliberação [menor poder de voto em assembleia], muito se discute acerca de sua [efetiva] proteção quando se trata das demandas aludidas neste texto.

Com efeito, a Exposição de Motivos n. 196/1976 pouco dispõe a respeito especificamente do acionista minoritário. O jurista Sérgio Campinho esclarece que:

haverá sempre a necessidade de ratificação do ato pela assembleia geral, o que, havendo acionista controlador, será facilmente alcançável, pois este, por antecipação, já terá manifestado a sua concordância[12]

Desnecessário gastar tinta no tema “acionista controlador”, porquanto, o art. 116, letra “a” é bastante expresso:

O controlador é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia[13].

Alguns detalhes importantes: na eventualidade de ser negado o ajuizamento das ações referenciadas, os responsáveis pelo ato poderão sofrer demandas nas variadas esferas, inclusive por abuso de poder; abuso de se valer da faculdade prevista no art. 122, parágrafo único, colocando em risco a pessoa jurídica da qual faz parte, bem como por não realização de conclave para deliberação acerca do ato.

Quer-se crer que esta possibilidade é rara, salvo engano, porquanto o dever legal de convocação se impõe e dificilmente o administrador da companhia, dada a relevância do ato [ação judicial] deixaria de cumprir o art. 122, parágrafo único.

Em não observando a regra geral - dever de agir -, certamente demonstraria total desconhecimento da lei e inabilidade para ser órgão societário de uma pessoa jurídica regida pela Lei 6.404/76.

Talvez, um dos poucos direitos dos minoritários, considerando a estrutura societária e o acionista controlador, é exercitar, quanto possível, o direito de voz em conclave[14].

Não se descuide da Lei 7.913/1989 - que trata da ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários -, que pode ser efetivamente utilizada como instrumento para a defesa dos acionistas minoritários.

Por fim, quanto aos direitos essenciais[15], o de recesso não está ligado diretamente à não concordância com pedido de reestruturação judicial ou de autofalência.

Conforme art. 137 da Lei 6.404/76, somente haverá o direito de recesso em caso de aprovação das matérias previstas no art. 136, incisos I a VI e IX[16], e nenhuma delas se refere ao art. 122, inc. IX e parágrafo único.

Eram estas as rápidas considerações que se faziam necessárias acerca do acionista minoritário de pessoa jurídica regida pela Lei 6.404/76, salientando que:

(i) Cabe ao magistrado redobrada cautela ao se deparar com pedido de autofalência ou ação de reestruturação judicial, quando se tratar de companhia, regida pela Lei 6.404/76;

(ii) Importante a prova de que, de fato, houve assembleia autorizando a medida judicial e

(iii) O acionista minoritário, na acepção técnica aqui conferida, tem pouco [ou nenhum] poder, se se definir pelo efetivo ajuizamento de uma das ações aqui referenciadas [autofalência ou reestruturação judicial].


[2] Dedico este pequeno ensaio à acadêmica de Direito Beatriz de O. Claro, pelo auxílio na coleta do material bibliográfico, e a Paulo Cristiano Tessaro, por gentilmente ler com redobrada atenção o escrito original.   

[3] Desde logo cumpre esclarecer que acionista minoritário, para fins do presente texto científico, é aquele que detém menor número de ações com direito a voto na companhia. Não raro, os minoritários podem ser em maior número quantitativo, mas em menor número com poder de voto em assembleia. A propósito, disserta Waldirio Bulgarelli: Tanto mais que a chamada proteção às minorias, via de regra, é a da proteção as maiorias, em termos quantitativos, pois constituem-se as minorias no maior número de acionistas e de ações, fenômeno amplamente identificado pela doutrina. Manual das sociedades anônimas. 4ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 1987, p. 201. Acerca do acionista minoritário e sua proteção no âmbito da companhia, pondera Pontes de Miranda: O problema da proteção dos pequenos acionistas apresenta-se em todos os Estados. Alguns juristas entendem que é sem importância, porque os pequenos acionistas quase sempre não entendem de negócios e não têm interesse em perder tempo com as assembleias gerais e as informações sobre a sociedade por ações. Outros sustentam que aí está mais uma razão para a técnica legislativa buscar solução protetiva. Outros perguntam, como JEAN PERROUD (La Condition de l’actionnaire, Le Droit privé français au milieu du XX siècle, II 319 s.), como se pode proteger utilmente quem não quer proteger-se a si mesmo. Tratado de Direito Privado, Parte Especial. Tomo L. 3ª edição, 2ª reimpressão. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1984, pp. 252-253. Destaques em o original.

[4] Acionista minoritário quase sempre é investidor em grandes companhias, nela visando a investir, com retorno de recursos financeiros; não guarda grandes relações com a sociedade, justamente por ser apenas investidor. Consoante doutrina de ponta, os investidores podem ser: (i) rendeiro, ou seja, objetivam constituir uma carteira de ações, que possa representar patrimônio relativamente estável, e, por isso, norteiam suas opções de compra e venda pelas perspectivas de retorno a longo prazo; (ii) especuladores, isto é, são aqueles que visam retorno imediato dos valores aplicados na companhia, procurando, a cada momento, as alternativas mais atraentes em termos de liquidez e segurança. COELHO, Fábio U. Curso de direito comercial. Volume 2. 8ª edição. São Paulo. Editora Saraiva, 2005, p. 272. A autorização que legitima o administrador da companhia a requerer autofalência ou reestruturação judicial é ato jurídico ‘stricto sensu’, porque o conteúdo é o de comunicação de conhecimento, nas palavras de Pontes de Miranda. Op. cit., p. 280. Grifos no original.

[5] Lei 6.404/76, art. 122, inc. IX e parágrafo único.

[6] Abertura constante para o questionamento dos objetos em todas as direções (questões infinitas), no dizer de Tércio Sampaio Ferraz Jr. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 2003, p. 44.

[7] A eventual abertura judicial de falência e o regime recuperatório poderão ser prejudiciais aos interesses e direitos dos acionistas, colaboradores etc., sem descuidar da repercussão negativa perante credores e o próprio mercado em si. Deveras, qualquer medida judicial que venha a ser adotada poderá acentuar ainda mais a crise, de modo que imprescindível que a assembleia imediatamente delibere a respeito, por mais que, antecipando o resultado da pesquisa acadêmica, os acionistas minoritários não tenham poder para vetar a deliberação positiva, se se falar em acionistas com maior poder de voto. Em última análise, a abertura dos processos poderá ser prejudicial à própria companhia como um todo.  

[8] Lei das sociedades anônimas comentada. COELHO, Fábio U. (coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 665.

[9] Op. cit., p. 265.

[10] Não se descuide da regra do art. 105 da Lei 6.404/76, quanto a exibição judicial de livros da companhia.

[11] Inexiste exigência legal de que a ata esteja publicada. Sobre o tema, Código Civil, art. 1.075.

[12] Op. cit., p. 665. Em conformidade com Waldirio Bulgarelli, no estudo mais meticuloso do tema conhecido e divulgado como de ‘proteção das minorias’, que de fato o minoritário não foi tão protegido como deveria, tendo em vista, justamente, o objetivo de encaminhá-lo para o mercado de valores mobiliários. Op. cit., p. 35. Destaques no original.

[13] Quanto ao voto abusivo: Lei 6.404/76, arts. 115 e 117.

[14] Leciona José E. Tavares Borba: A minoria se apresenta sob dois aspectos distintos: o da minoria ativa e o da minoria ausente. A minoria ativa constitui uma espécie de oposição. Os seus integrantes comparecem às assembleias, discutem as questões a serem decididas, fiscalizam a atuação dos administradores, lançam mão de expedientes legais destinados à proteção da minoria e terminam por influir, até pelo protesto, nos destinos da companhia. A minoria ausente é passiva e distante, não se interessando em exercer qualquer forma de participação. Na grande empresa essa minoria se transforma em maioria, uma vez que parcela representativa de mais de metade do capital tem por hábito não comparecer à assembleias. Por isso costuma-se dizer que as normas de proteção à minoria destinam-se, de certa maneira, a proteger a maioria ausente contra a minoria controladora (controle minoritário).  Direito societário. 12ª edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 354.

[15] Lei 6.404/76, art. 109.

[16] A dissolução da companhia nada tem a ver com ação de autofalência.

Sobre o autor
Carlos Roberto Claro

Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CLARO, Carlos Roberto. O acionista minoritário e o pedido de reestruturação judicial. Considerações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6999, 30 ago. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/99872. Acesso em: 18 dez. 2024.

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