INTRODUÇÃO
É sabido que o Brasil, além de ser uma grande nação, tem uma vocação pacífica para uma convivência harmônica, como parte da identidade nacional, além de ser grande detentor de riquezas naturais e biodiversidade, que precisam ser salvaguardados.
Com os vastos recursos naturais, industriais e tecnológicos, o país necessita, além da cooperação entre nações, estar preparado para minimizar potenciais ameaças internas e provenientes de qualquer parte do globo. E essa missão cabe ao Ministério da Defesa alertar e mobilizar a sociedade brasileira em torno de uma Estratégia Nacional de Defesa, que assegure os interesses e a soberania do Brasil, com a adoção de medidas e ações do Estado, com ênfase na expressão militar, para a defesa do cidadão, do território, da soberania e dos interesses nacionais.
A partir das últimas décadas do Século XX e início do XXI, o fenômeno da globalização, tem ensejado uma nova ordem mundial e o despertar de novas ameaças na estrutura e defesa dos Estados, com a escalada crescente da criminalidade urbana, da violência, do terrorismo, do narcotráfico, do crime organizado e dos crimes ambientais e cibernéticos.
Especialmente no Brasil, que é o 5º maior país do mundo em extensão territorial[1], com 8.514.876 km2, e que dispõe de uma costa continental avantajada, com aproximadamente 7.500 quilômetros de extensão, considerado o 16º maior litoral nacional do mundo[2], completamente voltado para o Oceano Atlântico, com ilhas, arrecifes e baías, esses fenômenos preocupam a estrutura de defesa, uma vez que têm implicações externas e internas, tendo de se socorrer de um trabalho integrado de enfrentamento e de responsabilidade dos órgãos operativos de dois sistemas, Defesa Nacional e Segurança Pública, sob a responsabilidade das Forças Armadas e dos Órgãos de Segurança, com relevo as Polícias Militares.
Como Adesguiana que sou, foi extremamente gratificante participar do Curso de Política e Estratégia da ADESG Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra, da Representação do Grande ABC, tendo tido a oportunidade de constatar o exemplo de disciplina, respeito e amor à pátria quando em visitas e estudos nas Forças Armadas Exército, Marinha e Aeronáutica.
Confiante nisso, imprescindível o entrosamento entre os dois sistemas, Defesa Nacional e Segurança Pública, como estratégia eficaz no enfrentamento de ameaças a grandes tragédias, a exemplo do ocorrido no final do século XX e início do século XXI, com a terrível pandemia do coronavírus, as mudanças climáticas, as catástrofes como as grandes queimadas nos biomas brasileiros do Cerrado, Amazônia e Mata Atlântica, vazamento de óleo na Baía de Guanabara, vazamento da Barragem de Cataguases, rompimento da Barragem de Mariana e de Brumadinho, dentre outras tragédias, que trouxeram grandes ameaças ao país, com enormes consequências ambientais, sociais, econômicas e políticas, que exigiram pronta resposta do Estado, perpassando por estratégias que envolveram as Forças Armadas Brasileiras, enquanto órgãos operativos do sistema de Defesa Nacional e os órgãos de Segurança Pública, em especial as Polícias Militares e Corpo de Bombeiros.
POLÍCIA MILITAR
A Polícia Militar como importante instituição presente em todos os momentos e um dos pilares da segurança pública, tem tido um papel de especial relevância nacional. Além de suas atribuições constitucionais, como força pública estadual, primando pelo zelo, honestidade e correção de propósitos com a finalidade de proteger o cidadão, a sociedade e os bens públicos e privados, coibindo os ilícitos penais e as infrações administrativas, desempenha várias outras atribuições que, direta ou indiretamente, influenciam no cotidiano das pessoas, seja atuando, orientando, colaborando com todos os segmentos da comunidade, diminuindo conflitos e gerando a sensação de segurança que a sociedade tanto anseia.
A cada dia o trabalho desenvolvido pelo policial militar se torna mais complexo, pela atividade cotidiana de policiamento, em situações de grande repercussão e pela constante exposição pela mídia de forma sensacionalista.
O uso de uma importante ferramenta de pacificação social pelo policial militar, como a mediação, representa um grande avanço na resolução dos conflitos existentes, ajudando a resgatar e consolidar a imagem de credibilidade e respeito da instituição, proporcionando satisfação profissional pelo mérito do trabalho do policial, que precisa possuir qualidades técnicas e operacionais, com capacitação em cursos de conciliação, mediação e administração de conflitos, promovido por entidades credenciadas pelos tribunais, com currículo definido pelo CNJ e pelo Ministério da Justiça.
A utilização dessa ferramenta na esfera extrajudicial pelo profissional da segurança pública é de fundamental importância para a sociedade, ajudando a reduzir a judicialização de processos nas diversas áreas. Seu universo é bastante amplo, ajudando a solucionar questões do cotidiano, como conflitos familiares, entre vizinhos e comunidade, questões de posse e propriedade, batidas de trânsito, questões patrimoniais, danos pessoais, área da educação, responsabilidade civil decorrentes de relação comercial e empresarial, controvérsias entre sócios, dissolução de sociedade, divergências entre credores e devedores, dentre outras questões, inclusive dentro da própria instituição, de forma mais eficaz e rápida, alcançando a verdadeira justiça social.
A incompatibilidade gera conflito, culminando na discussão, mas pode ser uma excelente oportunidade de transformação. Cada pessoa tem seus próprios valores e parâmetros, que são marcos de referência ao se deparar com um conflito. As emoções neutralizam a razão gerando dificuldade no pensar e, ao longo da vida, as pessoas vão perdendo a faculdade de reconhecer e expressar suas emoções.
As emoções requerem um cuidadoso trabalho por parte do policial mediador imparcial e neutro, antes de focar na resolução do conflito, permitindo maior reflexão e discernimento das partes, através de uma comunicação assertiva, de fácil compreensão, com perguntas abertas, incentivando-as a buscar por si mesmas opções que atendam ao interesse dos envolvidos e direcionando o problema para uma resolução do conflito através da empatia. E, quando se retira a emoção e a subjetividade da discussão do caso concreto, chega-se com imparcialidade ao cerne do problema.
É cediço que a Mediação é uma alternativa à violência, uma opção de autoajuda baseada no poder das partes, com a assistência de um facilitador capacitado, as quais isolam questões em disputa, desenvolvendo opções e alternativas, para alcançar uma decisão baseada num consenso.
O policial militar sendo treinado e capacitado para se utilizar das técnicas de mediação contribui de forma significativa para a resolução dos conflitos existentes. Já é da essência da formação do policial militar a atuação diretamente nos conflitos sociais no seu dia a dia, necessitando apenas de uma adaptação a um novo modelo de polícia, mais presencial e assistencial, preparada para mediar os diversos conflitos do cotidiano, coibindo a violência e preservando a segurança dos cidadãos, buscando gerir de forma pacífica e positiva o conflito, com intuito de preservar a paz na comunidade onde atua.
A PACIFICAÇÃO DOS CONFLITOS
Ao instituir a Política Judiciária Nacional, através da Resolução 125/2010, o Conselho Nacional de Justiça deu especial enfoque para a solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridades, regulamentando a mediação e a conciliação, em obediência ao princípio constitucional do acesso à justiça, como realização de uma ordem jurídica justa, em sintonia com as recomendações da ONU.
A própria Constituição Federal ao instituir o Estado Democrático de Direito elege como fundamento a cidadania e a dignidade da pessoa humana, tendo como objetivo promover o bem de todos, a defesa da paz e a solução pacífica dos conflitos, na ordem interna e internacional.
A Resolução 125/2010 do CNJ, em seu artigo 7º, inciso VI, dispõe ser viável a realização de convênios e parcerias com entes públicos e privados para atender a essas formas de solução de controvérsias, como meio de se romper a estrutura arcaica contaminada pela burocracia e outros aspectos nocivos à sociedade.
Ora, se entidades privadas podem promover a atividade de conciliação e mediação, é de se reconhecer que a autoridade policial militar, pública e concursada, também poderá fazê-lo, desde que respeitados os princípios básicos propostos na Resolução 125/2010 do CNJ. É importante lembrar que o Poder Judiciário não detém o monopólio da solução dos conflitos.
A conciliação dentro do processo ocorre quando as partes não conseguem alcançar previamente um acordo natural, necessitando buscar o auxílio do Judiciário para uma composição ou para resolver aquele conflito.
O Juiz, no caso, tende a se tornar um agente harmonizador dos interesses opostos. A jurisdição, então, passa a ser uma atividade de caráter substitutivo, onde o Estado, através do Poder Judiciário, decide o litígio, substituindo a vontade das partes. Na grande maioria das vezes, ao invés de eliminar o conflito entre os litigantes, o Estado acaba por ampliá-lo, pois a sentença faz gerar maior rivalidade entre vencedor e vencido.
Vale lembrar que o processo judicializado não é o único meio de se alcançar uma solução. Em determinados casos, a ordem jurídica permite a autocomposição e a autotutela e, sendo a conciliação e a mediação judicial ou extrajudicial espécies do gênero autocomposição, privilegia a autonomia negocial das partes.
Não se trata, portanto, de invasão de competência constitucional de nenhum dos Poderes, mas de atuar como auxiliares da justiça, ou seja, mais um instrumento de apoio através de um sistema multiportas de solução de litígios, pela conciliação e mediação - dando sua parcela de contribuição na construção de uma Justiça mais célere e eficaz.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, com o objetivo de aproximar a comunidade do Poder Público, na construção da cultura de paz, instalou em parceria com a Política Militar, aproximadamente vinte Núcleos de Mediação Comunitária da Polícia Militar (NUMEC) em São Paulo até o momento, através de convênio de mútua cooperação para o aprimoramento das atividades relativas ao exercício da mediação comunitária por policiais militares, oferecendo atendimento aos cidadãos por meio da conciliação e da mediação, dentro dos postos da Polícia Militar, transformando litígios em entendimentos e permitindo ao cidadão o exercício da cidadania, através de um meio democrático, participativo e inclusivo.
REFERÊNCIAS
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AZEVEDO, André Gomma de (org.). Manual de Mediação Judicial (Brasília/DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD, 2016, 6ª edição.
BACELLAR, Roberto Portugal. Mediação e arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2012.
BRASIL. Lei Nº 13.140, de 26 de junho de 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13140.htm>
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução 125/2010. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2011/02/Resolucao_n_125-GP.pdf.
COSTA, Cloves Rodrigues da, FIDOMANZO, Marie Claire Libron e RODRIGUES, Patrícia Pacheco. A atuação do Advogado e outras garantias na mediação policial nos Núcleos Especiais Criminais da polícia Civil do Estado de São Paulo, disponível em: https://www.diaadiaforense.com.br/a-atuacao-do-advogado-e-outras-garantias-na-mediacao-policial-nos-nucleos-especiais-criminais-da-policia-civil-do-estado-de-sao-paulo.
CUNHA, José Ricardo; NORONHA, Rodolfo (org.). Mediação de conflitos comunitários e facilitação de diálogos: relato de uma experiência na Maré. Rio de Janeiro: FGV Direito Rio, 2010.
FIDOMANZO, Marie Claire Libron. Advogando na Conciliação e na Mediação, Editora Dia a Dia Forense, 1ª edição, SP, 2020.
MOORE, Christopher W. O processo de mediação: estratégias práticas para a resolução de conflitos. 2.ed. Tradução por Magda França Lopes. Porto Alegre: Artmed, 1998.
MOREIRA, Sandra Mara Vale. A mediação como instrumento da inclusão social. Estudos sobre Mediação e Arbitragem. Rio- São Paulo- Fortaleza: ABC Editora, 2003, p. 201.
WATANABE, Kazuo. A mentalidade e os meios alternativos de solução de conflitos no Brasil. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; LAGRASTA, Caetano (coord.). Mediação e gerenciamento do processo: revolução na prestação jurisdicional: guia prático para a instalação do setor de conciliação e mediação. São Paulo: Atlas, 2007.
[1] https://educacao.uol.com.br/disciplinas/geografia/litoral-brasileiro-costa-tem-grande-importancia-e-deve-ser-preservada.htm.