Por Alziro da Motta Santos Filho*
A geração atual vivencia um verdadeiro tsunami causado pela onda de virtualização e digitalização das relações sociais e econômicas. Enquanto isso acontece, procuramos criar balizas éticas e jurídicas para regular essa nova realidade.
Para criar essas balizas é comum buscarmos comparativos com a vida material para regrar a vida digital. Sendo assim, imaginemos então os seguintes cenários: na praça de alimentação de um shopping existe um falso McDonald's, visualmente idêntico ao original, mas sem sua autorização. Lá serve um sanduíche horrível, com carne estragada e ainda clona os cartões de crédito de todos os clientes. E, apesar de milhares de reclamações no SAC do shopping, a falsa lanchonete de fast-food ainda continua lá, fraudando os consumidores. Qual conduta se espera do consumidor? Do próprio McDonald's verdadeiro? E do Shopping Center? Em outro exemplo: que responsabilidade teria a Rede Globo se permitisse que um anunciante divulgasse constantemente através da sua programação produtos ou serviços fraudulentos?
Por óbvio que cada ator desses exemplos tem sua parcela de obrigações e responsabilidades. O consumidor do falso do McDonalds tem que ter um mínimo de zelo antes de comprar no local. O próprio McDonald's ao saber de um estabelecimento falso com seu nome deve tomar atitudes para impedir isso. E, mais ainda, o Shopping Center, que tem por obrigação encerrar as atividades da falsa lanchonete, já que é ele quem tem as melhores condições para tanto. Assim como, a Rede Globo deve tirar o anunciante fraudulento do ar.
Agora, voltamos para o mundo virtual. O e-commerce, algo historicamente recente, não se faz mais somente através dos sites dos próprios fornecedores, ou sites especializados em vendas online. A venda hoje ocorre em grande escala por meio das redes sociais, principalmente pelo Instagram, e com pagamentos por PIX. Dessa forma, as empresas promovem a divulgação e venda direta de seus produtos ou serviços por meio de redes sociais.
Tirando proveito desse cenário, os chamados scammers (fraudadores do e-commerce) vêm criando uma infinidade de perfis falsos de empresas idôneas nas redes sociais, com o objetivo de enganar o consumidor com vendas fraudulentas, dentre outros golpes. Mas quais são as responsabilidades de cada participante nestas fraudes?
Todos os que participam das redes sociais têm suas responsabilidades e obrigações: o consumidor, o fornecedor e a própria rede social. Em relação ao consumidor, se exige um mínimo de diligência e cuidado ao adquirir produtos e serviços por meio eletrônico, devendo se certificar de que aquele perfil é legítimo, conferir se o pagamento está sendo feito em nome do fornecedor, verificar se o valor é condizente com o que está adquirido e se atentar para eventuais contradições ou erros nas informações divulgadas.
Já os fornecedores têm o dever de diligenciar nas redes sociais a existência de perfis falsos e denunciá-los tanto para a operadora da rede social, quanto para seus clientes, divulgando orientações ao consumidor sobre como adquirir seus produtos e serviços de forma segura.
Porém, deste tripé de atores, o que tem maiores condições de estancar as fraudes, e o que menos age, são as redes sociais. Apesar das denúncias de consumidores e fornecedores, é raro vermos atitudes ágeis e contundentes no combate a esses golpes. E nem se cogita a impossibilidade técnica para tal ação, pois temos exemplo do poder de controle que essas grandes empresas têm sobre o conteúdo das postagens. Afinal, desde o início da pandemia, as redes sociais praticamente impossibilitam qualquer publicação que promova o movimento antivacina da Covid-19. Não se discute aqui a eficiência das ditas vacinas, mas é inegável que qualquer publicação neste sentido é bloqueada. Isso mostra a possibilidade técnica do Instagram e outras redes impedirem a veiculação de perfis falsos que lesam o consumidor, porém, não o fazem.
O Direito nos dá a direção nesta batalha. Não restam dúvidas de que a criação de perfis falsos, com postagens de publicações sem conhecimento ou autorização de seu titular, causa ofensa à honra, à imagem e à intimidade do fornecedor, que são direitos garantidos pelo inciso X do art. 5º da Constituição Federal, não havendo dúvidas de que tais direitos estendem-se às pessoas jurídicas.
Temos também os artigos 17 e 20 do Código Civil que determinam que o nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações, ainda que não haja intenção difamatória, permitindo ainda a proibição da publicação de palavras escritas ou imagens de uma pessoa, se houver requerimento e justo motivo.
Fica claro que cada parte integrante tem papel relevante no combate às fraudes e cada um assume a sua responsabilidade pela omissão. Porém, como as redes sociais (assim como o Shopping Center e a Rede Globo, nos exemplos acima) fornecem a estrada e o veículo utilizado para a fraude, a elas cabe o protagonismo nesta luta, impedindo a criação de perfis falsos por meio de implantação de mecanismos de verificação da titularidade e legitimidade, assim como, disponibilizando ferramentas eficientes para o processamento de denúncia de fraudes ou de falsificação de perfis. Sem isso, o e-commerce certamente sucumbirá diante do peso dos golpes aos consumidores e o tsunami será irreparável.
*Alziro da Motta Santos Filho- OAB/PR- 23.217- Sócio fundador do escritório Motta Santos & Vicentini Advocacia Empresarial