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Reajuste por faixa etária nos contratos celebrados anteriormente a promulgação da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso)

Agenda 27/11/2014 às 15:09

Situações e condições que justificam o reajuste por faixa etária e a interpretação restrita do Estatuto do Idoso - Lei 10.741/2003.

O Estatuto do Idoso – Lei 10.741/2003 veda o reajuste de seguro saúde em razão da faixa etária. Para a lei, considera-se idoso, pessoas com idade igual ou superior a 60 anos.Sabe-se que os contratos de seguro saúde são reajustados anualmente, na data do aniversário do contrato, desde que e autorizados pela agência reguladora – ANS e segundo os índices por ela estabelecidos, conforme determina a Lei nº 9.961/2000.

Não obstante ao reajuste anual, os planos de saúde estão autorizados pela Lei 9.656/1998 a reajustar suas mensalidades de acordo com a faixa etária do segurado. Isso porque quanto mais idosa for a pessoa, mais gastos, mais complicados e mais frequentes são os procedimentos relativos a saúde utilizados por ela. Tal medida visa manter o equilíbrio financeiro da contratação, evitando o ônus excessivo a parte contratada.

Questão polêmica que provoca o judiciário é se a vedação ao reajuste por faixa etária é aplicável aos contratos celebrados anteriores a Lei 10.741 promulgada em 2003, pois em regra é aplicável as relações jurídicas a lei contemporânea ao ato ou fato. Em alguns contratos é possível observar que a sua execução não extingue o vínculo fixado entre as partes.

Em outras palavras, o pagamento da mensalidade do contrato de seguro saúde não o extingue uma vez satisfeita a obrigação daquele mês, não sendo necessária a celebração de um novo contrato para o mês seguinte. Tais contratos são chamados de trato ou execução sucessiva, pois a obrigação nele imposta sobrevive apesar de satisfeita com a realização do pagamento.

Outra natureza desse tipo de contrato de execução sucessiva, é que a obrigação se renova a cada período de pagamento, prolongando o contrato no tempo. Sendo assim, parte da doutrina afirma que, por tratar-se de norma de ordem pública e o contrato ser de execução sucessiva, é plenamente aplicável a vedação de reajuste por faixa etária aos contratos celebrados antes da promulgação do estatuto do idoso. 

Apesar de ainda haver resistência de alguns desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a maioria do colegiado entende pela sua aplicação, o que resultou na edição da súmula nº 214, vejamos: 

A vedação do reajuste de seguro saúde, em razão de alteração de faixa etária, aplica-se aos  contratos anteriores ao Estatuto do Idoso”. 

Precedente que foi consolidado pela jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça Fluminense, que culminou na edição da revista “Consumidor em Movimento”, merecendo a citação do texto elaborado pela Desembargadora Márcia Ferreira Alvarenga. Transcreve-se:

“A referida súmula espelha entendimento majoritário e quase unânime das Câmaras Cíveis deste Tribunal, servindo como orientação para os magistrados na hora de proferirem os seus julgamentos. O Estatuto do Idoso é norma de ordem pública que tem incidência na relação contratual existente entre as partes, independentemente da data da celebração do negócio jurídico, já que as obrigações são de trato sucessivo e se prolongam indefinidamente no tempo. A ilegalidade do reajuste por mudança de faixa etária deriva da afronta ao §3ºdo art. 15 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), que impede e veda, expressamente, por parte das administradoras de planos de saúde, a discriminação do idoso pela cobrança diferenciada de mensalidades de plano de saúde. As cláusulas contratuais que preveem a variação e reajustes em razão do ingresso do aderente em nova faixa etária não podem ser consideradas válidas e lícitas, posto que se mostram cláusulas abusivas, na forma do art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor, ante imposição de desvantagem excessiva, colocando o consumidor em situação de desequilíbrio no contrato e violando a boa-fé objetiva. Reconhece-se, pois, a ilicitude da cláusula contratual pactuada entre as partes que autoriza o reajuste decorrente de mudanças de faixa etária, de maneira a mitigar a visão clássica do princípio do pacta sunt servanda, seja pela vedação inserida no Estatuto do Idoso, seja pelos deveres de informação e transparência máxima decorrentes das normas consumeristas”.

O tema, contudo, ainda encontra resistência no Superior Tribunal de Justiça – STJ. Em uma breve análise dos julgados, pode-se notar que, não raro, os ministros entendem que a vedação de reajuste não é aplicável aos contratos celebrados anteriormente a 2003.No Recurso Especial nº 866.840 – SP, o Ministro Luís Felipe Salomão trouxe uma nova interpretação do artigo 15, 3º, da Lei 10.741/2003, afirmando que a sua aplicação deve ser de forma restrita. Assim, somente veda-se o reajuste caso comprovada a sua abusividade, constituindo um verdadeiro embrago a utilização do plano. Vejamos:

1. Nos contratos de seguro de saúde, de trato sucessivo, os valores cobrados a título de prêmio ou mensalidade guardam relação de proporcionalidade com o grau de probabilidade de ocorrência do evento risco coberto. Maior o risco, maior o valor do prêmio. 2. É de natural constatação que quanto mais avançada a idade da pessoa, independentemente de estar ou não ela enquadrada legalmente como idosa, maior é a probabilidade de contrair problema que afete sua saúde. Há uma relação direta entre incremento de faixa etária e aumento de risco de a pessoa vir a necessitar de serviços de assistência médica. 3. Atento a tal circunstância, veio o legislador a editar a Lei Federal nº 9.656/98, rompendo o silêncio que até então mantinha acerca do tema, preservando a possibilidade de reajuste da mensalidade de plano ou seguro de saúde em razão da mudança de faixa etária do segurado, estabelecendo, contudo, algumas restrições e limites a tais reajustes. 4. Não se deve ignorar que o Estatuto do Idoso, em seu art. 15, 3º, veda "a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade". Entretanto, a incidência de tal preceito não autoriza uma interpretação literal que determine, abstratamente, que se repute abusivo todo e qualquer reajuste baseado em mudança de faixa etária do idoso. Somente o reajuste desarrazoado, injustificado, que, em concreto, vise de forma perceptível a dificultar ou impedir a permanência do segurado idoso no plano de saúde implica na vedada discriminação, violadora da garantia da isonomia. 5. Nesse contexto, deve-se admitir a validade de reajustes em razão da mudança de faixa etária, desde que atendidas certas condições, quais sejam: a) previsão no instrumento negocial; b) respeito aos limites e demais requisitos estabelecidos na Lei Federal nº 9.656/98; e c) observância ao princípio da boa-fé objetiva, que veda índices de reajuste desarrazoados ou aleatórios, que onerem em demasia o segurado. 6. Sempre que o consumidor segurado perceber abuso no aumento de mensalidade de seu seguro de saúde, em razão de mudança de faixa etária, poderá questionar a validade de tal medida, cabendo ao Judiciário o exame da exorbitância, caso a caso. 7. Recurso especial provido.

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A Ministra Maria Isabel Galotti complementa, nos mesmo recurso, não ser aplicável a lei posterior ao contrato, porém celebrando o entendimento de aplicação restrita do artigo 15, 3º, do Estatuto do Idoso, apresentado pelo Ministro Relatos Luís Felipe Salomão:

“Observo que se trata de contratos de adesão de prestação de assistência médico-hospitalar nos quais prevista cláusula de reajuste por faixa etária. A ação coletiva foi ajuizada pelo Instituto de Defesa do Consumidor e abrange contratos anteriores ao Estatuto do Idoso e à própria Lei 9.656/98, diplomas legais estes que não podem retroagir para alcançar contratos em curso. A sentença declara a invalidade da cláusula de reajuste por faixa etária, em caráter geral, para diferentes tipos de contratos de adesão, não especificamente analisados, presumindo a abusividade em caráter geral da mencionada estipulação a partir do exemplo de determinado reajuste imposto a alguns associados. Penso que, mesmo que se analise a questão sob o prisma do Estatuto do Idoso, embora se trate de contratos anteriores a ela, deveria ser demonstrada, no caso dos contratos em foco na ação civil pública, a abusividade, a discriminação desproporcional sem fundamento na realidade do risco coberto em cada tipo de contrato. Seria possível uma ação em que segurados determinados ou uma instituição que os representasse sustentasse que, naqueles contratos específicos, houvesse abuso nas alterações provocadas pela mudança de faixa etária. Mas não é o que sucede aqui, em que se procurou e se obteve, em primeiro e segundo grau de jurisdição, sentença que considera que a qualquer alteração de prêmio em função do avanço da faixa etária seria por si só ilegal, porque seria discriminatório. Em um contrato de seguro, não há como abstrair o aumento de risco causado pelo aumento de faixa etária. O possível abuso deverá ser objeto, caso a caso, de comprovação, além de estar na alçada da agência reguladora adotar as medidas administrativas cabíveis. Não foi demonstrada, no âmbito desta ação civil pública, a procedência do pedido, que dependeria da demonstração in concreto do abuso em cada um dos contratos mencionados na inicial. Com a devida vênia do Relator, adiro à divergência, conhecendo do recurso especial e dando-lhe provimento para julgar improcedente a ação civil pública, invertendo os ônus sucumbenciais”.

O Tribunal de Justiça Paranaense, ao que tudo indica, privilegia o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no tocante a interpretação restrita do art. 15, 3º, da Lei 10.741/2003, contudo diverge quanto a irretroatividade da norma, conforme se extraí da ementa a seguir:1.

"A norma, que regula um direito fundamental, tem aplicação imediata, incidindo sobre os contratos em curso e afastando, por conseguinte, o princípio da irretroatividade das leis como resultado dos postulados da proporcionalidade e da ponderação" (Apelação nº 0627666-4, 10ª Câmara Cível, Rel. Juiz Albino Jacomel Guérios). 2. No caso, porém, não restaram demonstradas quaisquer majorações das mensalidades do plano de saúde da autora por conta da mudança de sua faixa etária (para 60 anos), senão a prevista em contrato, antes do advento do Estatuto do Idoso e sem qualquer abusividade, além dos reajustes anuais autorizados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar. Ausência de qualquer de afronta ao art. 15, § 3º, da Lei 10.741/2003, ou a outras disposições legais, como o Código de Defesa do Consumidor. 3. Reduz-se o valor dos honorários advocatícios quando excessivos à luz das peculiaridades da causa. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (AC 6221289 PR 0622128-9- 10ª CÂMARA CÍVEL – TJ-PR).

Parece razoável o entendimento de que o artigo 15, §3º, da Lei 10.741/2003, deve ser interpretado de forma restrita, uma vez que o reajuste por faixa etária obedece a condição natural da vida da pessoa, que, conforme o avançar da idade, mais frequentes serão as intervenções médicas, exigindo do contratado (seguradora) uma despesa maior com o segurado.Assim, entende-se que a vedação tratada pelo Estatuto do Idoso comporta tão somente o reajuste desarrazoado, sem motivação, contrário aos princípios do Direito do Consumidor, como boa-fé e transparência, obstando a manutenção do plano de saúde pelo idoso.No tocante a aplicação da Lei 10.741 aos contratos celebrados anteriores a sua vigência, também há de se considerar razoável a sua aplicação àqueles não contemporâneos a norma, em razão da execução de natureza sucessiva, sem prejuízo da aplicação restrita do art. 15, 3º, da referida norma.

Sobre o autor
Gustavo Jansen Costa

Advogado no escritório Costa, Meirelles & Advogados Associados | www.costameirelles.com.br

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