INTRODUÇÃO
Responsabilidade vem a ser a condição jurídica de quem, sendo considerado capaz de conhecer e entender as regras e leis e de determinar as próprias ações, pode ser punido por seus atos[1].
A responsabilidade civil foi inserida no ordenamento jurídico brasileiro moderno em um primeiro momento em sua modalidade subjetiva, cujos elementos estavam fixados na ação ou omissão, na culpa, no dano e no nexo de causalidade. Com a própria evolução social, passou a ser vista sob a modalidade objetiva, em que bastava para responsabilizar o agente causador, a existência do dano e no nexo causal entre este a ação, independentemente da existência de conduta culposa ou dolosa, simplesmente presente o liame entre a ação e o resultado.
Dessa forma, como serão demonstradas neste texto, as transformações sociais foram cruciais para a evolução no conceito de responsabilidade, em vista que novas relações foram surgindo e com elas ampliou-se às pessoas passíveis de responsabilização e também aumentou as possíveis vítimas do dano. Por tal motivo e face às dificuldades do particular comprovar o liame subjetivo que entrelaça o autora da conduta – ou omissão - e o dano, foi necessário que o alicerce teórico da responsabilidade civil passasse da culpa, responsabilidade civil subjetiva, para a idéia do risco das atividades, à responsabilidade civil objetiva, como afirmado no parágrafo acima[2].
Diversamente do que ocorre com a responsabilização penal, onde não se fala em subjetivismo, na objetiva civil a o enfoque se dá na reparação do dano causado, enquanto na responsabilidade penal, a o enfoque da norma se dá na punição do infrator.
Todavia, tal distinção não se constitui em regra absoluta, tendo em vista que a reparação do dano e a punição do infrator são aspectos levados em conta tanto na responsabilidade civil quanto na penal, mas a marca distintiva entre as duas é exatamente na preponderância de um fator sobre o outro em cada uma delas.
Durante esta monografia, serão apresentadas, ainda, as formas de execução de serviço público, em especial a delegação às concessionárias e as responsabilizações delas decorrentes. Desta feita, O âmbito da discussão nesta apresentação se restringe a responsabilidade dos concessionários públicos por atos cometidos por seus agentes quando da execução dos serviços públicos delegados a tais pela Administração.
Em recentes julgados, o pleno Supremo Tribunal Federal (STF) mudou o entendimento até então sedimentado nos julgados anteriores, o que provocou uma melhora adequação ante a realidade social e da evolução do conceito de Administração Pública.
Sabe-se que Administração pode realizar serviços públicos de forma centralizada ou diretamente e de forma descentralizada ou indiretamente. Na primeira, observa-se a figura da Desconcentração, ou seja, para a realização das atividades a Administração Pública estrutura-se em órgão, que são entes despersonalizados e que, em regra exteriorizam a vontade do ente político.
A Descentralização ocorre por meio de outorga ou delegação. Na primeira diz respeito às entidades da Administração Indireta: autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e os consórcios públicos. As concessões, ao lado das permissões e autorizações, constituem forma de execução de serviços públicos a cargo de particulares.
Interessa que sejam relevadas algumas considerações sobre as concessões administrativas. As concessões inserem-se dentre os chamados atos administrativos negociais que na definição de Hely Lopes Meirelles[3], são aqueles que “são praticados contendo uma declaração de vontade do Poder Público coincidente com a pretensão do particular, visando à concretização de negócios jurídicos públicos ou à atribuição de certas vantagens aos interessados.
A concessão é, dentre as formas de delegação, a mais utilizada face sua maior amplitude e finalidade essencialmente pública, motivo pelo qual ganha maior relevância na elaboração do presente estudo.
A temática da responsabilidade civil das concessionárias de serviços públicos é vasta, pois, em especial, abrange o estudo da responsabilidade civil do Estado, da responsabilidade civil presente no Código de Defesa do Consumidor, na Constituição Federal e seus reflexos antes Administração, Administrado e consumidor, este analisado em menor grau neste texto.
Para a regulação dos serviços delegados, fez necessária a presença de importante figura das Agências Reguladoras que foram criadas para fiscalizar a prestação de serviços públicos praticados pela iniciativa privada. Além de controlar a qualidade na prestação do serviço, estabelecendo regras para o setor.
Sem a preocupação de procurar exaurir o assunto, ante sua própria vastidão, o texto procura apontar algumas considerações sobre a Responsabilidade Civil dos Concessionários de Serviços Públicos, apontando a evolução história, conceito de responsabilidade civil, elementos e teorias, entendimentos dos tribunais, aspectos polêmicos, a responsabilidade nas Parcerias Público-Privadas (PPPs), entre outros temas.
2 HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL
No início da civilização humana, a idéia de responsabilização estava sedimentada na ação coletiva, que se caracterizava pela reação conjunta do grupo contra o agressor, pela ofensa a um de seus componentes. O instituto evoluiu para uma reação individual, ou seja, passou da vingança coletiva para a privada, onde era aplicada a Lei de Talião, conhecida pela expressão "olho por olho, dente por dente". O poder público, neste caso, intervinha apenas para ditar como e quando a vítima poderia ter o direito de retaliação, ensejando no lesante dano idêntico ao que foi produzido[4].
A responsabilidade civil como manifestação do direito remonta a Roma Antiga. Com o advento da “Lex Aquilia de Damno”, ou seja, Lei Aquília de Danos, que desponta um princípio geral da reparação do dano, sendo desta época as primeiras idéias acerca da noção de culpa, pois, sedimentou a idéia de reparação pecuniária, em razão do valor da coisa.
Infere-se, que há certo afastamento da responsabilidade objetiva, em vista da necessidade, à época, da averiguação da culpa do agente para a caracterização da obrigação de ressarcir.
O direito francês, ainda na idade média, aperfeiçoou as idéias romanas, tendo sempre como pressuposto para a reparação do dano a prática de um ato ilícito e generalizou o princípio aquiliano “In lege Aquilia et levissima culpa venit”, ou seja, culpa ainda que levíssima, obriga a indenizar. Portanto, torna-se pressuposto necessário a culpa caracterizada, não importando qual a sua gravidade[5].
No Brasil, à época colonial, as leis portuguesas aceitavam os postulados da teoria da irresponsabilidade patrimonial do Estado, a única compatível com o governo monárquico português da época. Destarte, os colonos não tinham, pelo menos em princípio, qualquer direito a indenização por danos causados por agentes da Coroa Portuguesa.
Tal condiz exatamente com as formas remotas das monarquias, onde a figura do Rei não cometia erros, logo não poderia ser responder por suas condutas, mesmo que causassem danos a terceiros.
Após a Revolução Francesa Novamente na França há a edição do Código Napoleônico, que, sem embargo de dúvida, foi um divisor no campo da Responsabilidade, tendo em vista distinguiu responsabilidade civil e penal, ainda sistematizou a teoria da culpa e a distinção entre culpa contratual e extracontratual, além de outros preceitos que acabaram por influenciar várias sociedades ao redor do mundo.
O art.159 do Código Civil de 1916 é um típico exemplo da influência francesa no ordenamento jurídico pátrio, in verbis:
“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”.
O mandamento já previa que para reparar o dano, a conduta do agente deve ser de forma dolosa ou culposa, omissiva ou comissiva, desde presente. causal, ou seja, era indiferente ser a conduta dolosa, imprudente, negligente ou imperita, sendo qualquer daquelas espécies de culpa suficiente para caracterizar a responsabilidade civil e isso independentemente da gravidade, observa-se aqui a presença da In lege Aquilia et levissima culpa venit, mesmo com a culpa levíssima ainda sim subsistia a obrigação de reparar.
Tal entendimento ainda prevalece, em vista com o que expõe o art.927 conjugado com os arts. 186 e 187 do Código Civil de 2002:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
(...)”
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
Nos artigos acima destacados, pode se observar que os dispositivos deixam claro que a culpa, em regra, é exigida para a configuração da responsabilidade civil e isso ocorre em razão da exigência de ser culposa a conduta causadora do dano, seja em decorrência de imprudência ou negligência. Observa-se, também, que mesmo o titular de direitos deve exercê-lo dentre dos limites previstos, sob risco do excesso ser considerado ato ilícito e sujeito a reparação por danos morais e/ou materiais.
Vale destacar, ainda, que a exigência da culpa para a configuração da responsabilidade é regra, todavia o parágrafo único do art.927 prevê:
“Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
Desta feita, há a consagração da Teoria Objetiva, que será adiante detalhada. A necessidade de lei especificar que a culpa não será exigida para que exista a obrigação de reparar demonstra que se trata de situação de exceção. Isso porque a exceção depende de previsão expressa, diferentemente do que ocorre com a regra, que se presume.
3 RESPONSABILIDADE CIVIL: ELEMENTOS E TEORIAS
Pelo já apresentado, entende-se por Responsabilidade Civil a obrigação que a pessoa causadora tem de indenizar os danos que venha alguém a sofrer. Toda e qualquer circunstância que haja concorrido para produzir o dano é considerada como causa, sua equivalência resulta do fato que suprimida uma delas o dano não se observaria. Se várias são as condições que concorrem para o mesmo resultado.
O instituto em comento pode, a depender da natureza jurídica da norma violada, ser de duas espécies: contratual e extracontratual, oriunda do descumprimento direto da lei.
No caso de responsabilidade contratual, como o próprio nome sugere, já há contrato vinculando ligando as partes, ou seja, existe uma afetação de dano e de culpa. Rezam os arts. 389 e 395:
“Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
(...)
Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.”
Das informações contidas nos artigos, observa-se que há prévia obrigação e caso haja o desrespeito desta, pelo descumprimento que efetivamente cause prejuízo, responderá o devedor pelas perdas, danos e demais despesas.
Na responsabilidade extracontratual, também conhecida com aquiliana, a vítima deve provar o dano sofrido. Conforme os arts. 186 e 927, já expressos no capítulo anterior, o princípio que rege a responsabilidade aquiliana é que aquele que violar direito e causar dano a outrem, comete ato ilícito e tal deverá ser reparado.
3.1 Elementos
Os elementos básicos da responsabilidade civil são os seguintes: conduta, nexo de causalidade e o dano. A conduta é o pressuposto onde se observa o caráter volitivo, podendo ser de forma comissiva ou omissiva. Em regra, para haver responsabilização a conduta deve ser ilícita, todavia, pode haver responsabilidade civil decorrente de ato lícito.
O nexo de causalidade é o vínculo ou liame que une a conduta humana ao resultado danoso, ou seja, não basta a prática de um ato ilícito ou ainda a ocorrência de um evento danoso, mas que entre estes exista a necessária relação de causa e efeito. Há três teorias sobre o nexo de causalidade são as seguintes: Equivalência de condições, Causalidade adequada e Causalidade direta e imediata[6]:
a) Equivalência de condições ou dos antecedentes: para essa teoria toda e qualquer circunstância que haja concorrido para produzir o resultado danoso será considerada uma causa.
b) Causalidade adequada: foi criada por Von Kreies e afirma que causa é o antecedente causal abstratamente idôneo à realização do resultado segundo um juízo de probabilidade.
c) Causalidade direta e imediata: É a teoria adotada pelo Código Civil Brasileiro e afirma que a causa serviria apenas o antecedente fático ligado necessariamente ao resultado danoso como uma consequência direta e imediata.
Já o dano é a lesão a um interesse jurídico tutelado, material ou moral. Para que um dano seja indenizável é preciso alguns requisitos: violação de um interesse jurídico material ou moral, certeza de dano, mesmo dano moral tem que ser certo e deve haver a subsistência do dano
Passados os pressupostos da responsabilidade, destacam-se as duas principais teorias sobre a responsabilização.
3.2 Teoria Subjetiva
A corrente se baseia na culpa do agente, que deve ser comprovada para gerar a obrigação indenizatória. A responsabilidade do causador do dano, pois, somente se configura se ele agiu com dolo ou culpa. Nesta teoria tem que ser observada a conduta do agente, tendo em vista que a reparação só ocorrerá se for comprovado que este agiu volitivamente ou omissivamente com dolo ou culpa. A simples do nexo causal e dano não são suficientes para ensejar a reparação.
Em suma, para que se configure o ato ilícito, ou seja, o ato praticado em desacordo com a ordem jurídica, violando o direito, é necessário que haja a concorrência dos seguintes elementos:
- Fato lesivo voluntário, causado pelo agente, por ação ou omissão, negligência ou imprudência;
- Ocorrência de um dano patrimonial ou moral;
- Nexo de causalidade entre o dano e a conduta do agente.
Tal teoria tem efetiva aplicabilidade nas relações civis, em geral, tendo em vista o que Código Civil Brasileiro a adota como regra geral a responsabilidade com culpa, provada ou presumida, como pressuposto do dever de indenizar, e é largamente utilizada nos sistemas jurídicos em geral, em especial nos arts. 186 e 187.
Apesar do acima exposto, vários são os críticos da corrente, em vista que o ônus da prova fica a cargo de quem sofreu o dano e, em várias, vezes há enormes dificuldades, seja pela hipossuficiência ou desequilíbrio das partes, ou seja, a aplicação de tal teoria não permite, em certos casos, a adequada prestação da justiça.
3.3 Teoria Objetiva
A teoria objetiva defende a desvinculação do dever de ressarcir, sempre que um causa a noção de culpa. Para esta corrente, a indenização tange no conceito material do evento danoso, ou seja, a lei impõe, entretanto, em determinadas situações, a obrigação de reparar o dano independentemente de culpa. Para tal corrente, basta haver o dano e o nexo de causalidade para justificar a responsabilidade civil do agente.
A culpa, em determinadas situações é presumida e em outras totalmente afastada. Na primeira situação denomina-se responsabilidade objetiva imprópria e na segunda responsabilidade civil objetiva propriamente dita.
A teoria em comento tem embasamento no parágrafo único do art.927 do Código Civil que indica que há possibilidade de obrigação de reparação de dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou pela natureza da atividade desenvolvida pelo autor do dano.
Na verdade a teoria objetiva não veio excluir a anteriormente citada, e sim complementá-la e adequá-la aos avanços da sociedade e a possibilidade de novas formas de danos e reparações, em especial quando decorre da atividade de risco, entendido este como perigo ou probabilidade de dano decorrente de uma determinada atividade.
Assim como a teoria subjetiva, há críticos que tecem comentários sobre proteção demasiada à vítima onde se impõe de forma excessiva o dever de reparar e pelo fato de atividade de risco não ser necessariamente atividade danosa. Colocando-se, assim, em risco o próprio conceito de justiça social.
4 EVOLUÇÃO
A responsabilização do estado passou por várias fases e conforme já apontado, com a evolução das relações sociais, processo de industrialização, novas relações foram surgindo e com elas ampliou-se às pessoas passíveis de responsabilização e também aumentou as possíveis vítimas do dano.
Existem quatro teorias básicas sobre responsabilidade do Estado: Irresponsabilidade do Estado, Responsabilidade Comum, Risco Integral e Risco Administrativo que serão a seguir detalhadas.
4.1 Irresponsabilidade do Estado
Nesta fase, presente, em especial, nos regimes absolutistas, o estado não era responsabilizado pelas atuações ou omissões lesivas a terceiros, pois o monarca não cometia erros, seguindo os princípios “The King Can do no Wrong” dos ingleses ou o “Le Roi ne peut mal faire” dos franceses.
Na também chamada Teoria Negativista, os agentes públicos na verdade apenas exteriorizavam as vontades do Rei, logo, também não poderiam responder pelos seus atos.
Tal teoria não é mais utilizada nos estados democráticos, face suas notórias impropriedades quer não condizem com a moderna sistemática do direito.
4.2 Teoria da Responsabilidade Comum
A corrente equiparou o estado ao indivíduo, desta feita, a condição de determinar-se e de assim responder se verificavam nas hipóteses cabíveis aos particulares, nos termos da lei civil.
Assim, só existira a obrigação em reparar o dano, caso os representantes do estado agissem com dolo ou culpa, cabendo ao particular que suportou o dano demonstrar que o ente estatal agiu sob tais elementos, o que, sem embargo de dúvida, dificultava a reparação do dano pelo poder público.
4.3 Teoria da Culpa Administrativa
A teoria da culpa administrativa foi um verdadeiro avanço frente às implicações do Instituto, pois foi o marco inicial de transição da culpa civil comum, conforme detalhada no tópico acima, e a responsabilidade objetiva.
Tal teoria foi desenvolvida na França, a partir de um julgado, onde se entendeu que a responsabilidade subjetiva para o Estado era insuficiente e passou a ser aplicada a teoria que ficou conhecida como Teoria da Culpa Administrativa ou Culpa Anônima, significando que o Estado deve ser responsabilizado toda vez que se provasse a falha no serviço público, ou seja, que o serviço funcionou mal, não funcionou ou funcional atrasado, independente da conduta imprudente, imperita ou negligente do funcionário
Também chamada de “faute du service” ou falta do serviço, tal teoria teve a primazia de distanciar o total subjetivismo, passando o Estado a ter uma culpa dita especial, a Culpa Anônima.
Tal culpa não é a utilizada atualmente, todavia, ainda tem aplicação em determinadas situações, como, por exemplo, no julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo[7]:
“reparação de danos materiais omissão do município ocorrência da falta do serviço (faute du service) administração que deixou de executar serviço essencial à coletividade danos patrimonial que devem ser reparados ante o nexo de causalidade entre a omissão e o prejuízo da autora. recurso improvido.”
(grifos nossos)
No caso em comento, tratou-se de ação indenizatória por danos materiais proposta por Ilda Bernardi Bispo em face da Prefeitura Municipal de José Bonifácio, objetivando, em síntese, a reparação de danos materiais que alega ter sofrido em razão da omissão da Municipalidade em construir galerias subterrâneas de captação de águas pluviais, o que vem gerando inundações em sua rua, atingindo sua residência.
O magistrado julgou procedente o pedido, condenando a edilidade ao pagamento de R$15.000,00 (quinze mil reais) e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação, motivo pelo qual houve a Recurso de Apelação, cujo julgamento gerou o acórdão acima.
De tal julgado, observa-se que há necessidade de comprovação que a Administração concorreu para o resultado danoso com a omissão culposa, demonstrando, o interessado, o nexo causal entre a lacuna ou deficiência na prestação do serviço pelo do poder estatal e o dano efetivamente sofrido.
4. 4 Teoria do Risco Integral
Por tal corrente, como o próprio nome sugere, a Administração assume o risco em sua totalidade pela execução de suas atividades. Os defensores de tal tese indicam que a Edilidade responde pelo dano suportado por terceiro, independentemente de dolo ou culpa desde que haja a presença de nexo causal.
Pela Teoria do Risco Integral, mesmo que o prejuízo tenha sido exclusivamente causado pelo particular, por culpa ou dolo, a Administração é obrigada a repará-lo.
Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo[8], assim, conceituam a teoria:
“Risco Administrativo representa uma exacerbação da responsabilidade civil da Administração. Segundo esta teoria, basta à existência do evento danoso e do nexo causal para que surja a obrigação de indenizar para a Administração, mesmo que decorra de culpa exclusiva do particular.”
Vários juristas renomados, entre eles o Professor Hely Lopes Meirelles, afirmam que tal tese não foi adotada no ordenamento jurídico brasileiro.
4.5 Teoria do Risco Administrativo
Tal teoria traz a ideia de reparar independentemente da existência de falta do serviço ou defeito na prestação deste, muito menos na culpa do agente público, bastando a existência do dano e do nexo causal.
Assim, com a correlação entre a conduta ou omissão danosa e comprovação ocorrência deste, tem-se a obrigação de reparar o dano.
Nesta corrente, cabe à Administração e não do prejudicado, comprovar que há ausência de nexo causal ou, pelo menos, mitigar sua obrigação, caso contrário, presume-se como culpada.
O fundamento desta teoria reside no fato do Estado prestar serviço público em prol de toda coletividade, sendo natural que nesta serventia eventuais prejuízos sejam causados. Considerando que toda a coletividade é beneficiada com a prestação dos serviços, natural que deva ela repartir eventuais danos causados independentemente de se discutir culpa. Portanto, o fundamento para a consagração da responsabilidade objetiva é a teoria do risco administrativo, ela é objetiva amparada nesta teoria.
No Brasil ela foi consagrada no art.37, §6º da Carta Magna, in verbis:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
Tal mandamento constitucional será devidamente delineado no corpo do presente trabalho.
5 SERVIÇOS PÚBLICOS
A Lei 8.666/93, no seu artigo 6º, inciso II, regulamentou o art. 37, XXI, da Constituição, instituindo normas gerais sobre licitações e contratos da Administração Pública, definiu o que vem a ser serviço:
"Serviço - Toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais;
Sabe-se que a prestação de serviços públicos é o fim precípuo do Estado, segundo o Eminente Administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello[9], o serviço, por ser público e privativo é “res extra commercium”, ou seja, não é negociável razão pela qual não há transferência da titularidade do serviço para o particular e o exercício da atividade pública.
O professor [10] conceitua serviço público como:
“toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça às vezes, sob um regime de Direito Público, portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo.”
Com o aumento das demandas públicas, seja em obras ou prestação de serviços, faz-se necessário, cada vez mais, a delegação destes a particulares interessados, sempre através de licitação, conforme mandamento do art.175 da Carta Política de 1988:
“Art.175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único: A lei disporá sobre:
I – regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviço público, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II – os direitos dos usuários;
III – política tarifária;
IV – obrigação de manter serviço adequado.”
Por determinação constitucional, foi editada a Lei 8.987/95 que estabeleceu as normas gerais sobre o regime de concessão e permissão de serviços públicos. Posteriormente, a Lei 9.074/95 alterou alguns dispositivos da anterior e regulou a concessão dos serviços de energia elétrica e, por último, veio a Lei 9.648/98 que, por seu turno, alterou dispositivos das anteriores. É importante ressaltar que se aplica subsidiariamente, naquilo em que não contrariar essas leis, os dispositivos da lei 8.666/93. É, portanto, a lei de licitações a base para a solução das omissões da legislação anterior, integrando a interpretação do sistema de concessões e permissões administrativas.
Sabe-se que o Estado é o titular da execução de serviços público. A concessão é o contrato através do qual o Estado delega a alguém o exercício de um serviço público e este aceita prestá-lo em nome do Poder Público sob condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Estado, mas por sua conta, risco, remunerando-se pela cobrança de tarifas diretamente dos usuários do serviço e tendo a garantia de um equilíbrio econômico-financeiro.
Para uma maior didática, subdividem-se as formas de delegação de Serviços Públicos em Concessões, Permissões e Autorizações.
5.1 Concessão
A concessão é a forma de delegação mais utilizada na prestação dos serviços públicos. De certa forma pela maior formalidade de tal delegação de serviços públicos, bem como sua maior amplitude. A concessão é um contrato administrativo revestido de certas peculiaridades como serão demonstradas.
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello[11]:
“Só as pessoas de natureza pública podem ser titulares, ter como próprias as atividades públicas. Um particular jamais poderá reter - seja pelo tempo que for – em suas mãos, como senhor, um serviço público. Por isso, o que se transfere para o concessionário – diversamente do que ocorre no caso das autarquias – é tão-só e simplesmente e exercício da atividade pública. “
Desta feita, segundo o mestre, o Estado sempre mantém total disponibilidade sobre o serviço público delegado e tal será desempenhada se, quando, como e enquanto conveniente ao interesse público.
A concessão está regulada pela lei nº 8.987/95 que em seu art. 2º indica as características de tal forma de delegação:
“Art. 2o Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:
I - poder concedente: a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Município, em cuja competência se encontre o serviço público, precedido ou não da execução de obra pública, objeto de concessão ou permissão;
II - concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado;
III - concessão de serviço público precedida da execução de obra pública: a construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público, delegada pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para a sua realização, por sua conta e risco, de forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado;
(...)”
Ademais, reza a legislação que as concessões serão submetidas à fiscalização do poder concedente, controle interno, em conjunto com os usuários do serviço público, formalizada mediante contrato e que o termo de convocação deverá de maneira clara definir o objeto, área e prazo, bem como, a conveniência da outorga.
Segundo Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo[12] tal privilégio para a exploração de serviço publico é uma forma de descentralização por colaboração, onde há a prestação de serviço público por conta e risco da concessionária, com a obrigação de prestá-lo de forma adequada sob pena de intervenção, penalidade administrativa ou extinção por caducidade. Sempre será precedida de licitação, sem exceções, formalizada mediante contrato, prazo determinado, podendo haver prorrogação desde que prevista contrato.
Vale ressaltar que a concessão é de forma contratual quando se concede a prestação de serviços públicos aos particulares, sendo forma de delegação de serviço público e pode ser legal quando a concessão é feita a entidades autárquicas e empresas estatais, o que implica que o contrato sempre será celebrado entre pessoas jurídicas ou consórcio de empresas.
Vale repisar que uma das grandes diferenças no que diz respeito aos contratos de concessão frente a outros termos administrativos, diz respeito à impossibilidade de dispensa ou inexigibilidade de licitação, tendo em vista que a Constituição Federal reza que tal delegação dar-se-á sempre precedida de licitação, além da necessidade de autorização legislativa para tal delegação.
A lei 9.074/95 tornou obrigatória a edição de lei autorizativa para a execução indireta de serviços públicos mediante concessão, sendo aplicada nos três níveis de governo: União, Estados, Distrito Federal e municípios. Todavia, dispensa-se tal exigência para a cessão de serviços de saneamento básico e limpeza urbana, bem como os serviços que a constituições estaduais e as Leis Orgânicas do DF e municípios, desde que indiquem como passíveis de ser prestados mediante delegação[13].
5.2 Parcerias Público-Privadas (PPP)
Em que pese à subdivisão deste tópico, na verdade as PPPs são espécies de concessões de serviços públicos que exijam obras de grande vulto em que o poder público tenha dificuldades em executá-las face os enormes gastos gerados pela execução. Como não são objetos do tema central do estudo, assim como as autorizações e permissões, será realizado um breve comentário sobre essa forma de exploração.
A lei nº 11.079/04 dispõe sobre normas gerais para licitação e contratação de parcerias público-privadas no âmbito da administração direta e se aplica aos órgãos desta e aos fundos especiais, às autarquias, às fundações públicas, às empresas públicas, às sociedades de economia mista e às demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios[14].
As PPPs têm como objetivo atrair o setor privado, ou seja, empresas nacionais ou estrangeiras a participarem de projetos de grandes valores necessários ao desenvolvimento do país e cujos recursos necessários para a concretização de tais metas podem comprometer a capacidade financeira do poder público.
Nessa concessão, o parceiro privado, ou seja, o particular contratado, tem um retorno mínimo sobre o capital investido. Um grande exemplo de utilização dessa modalidade específica de contrato de concessão é a utilização da parceria para a construção do estádio “Arena Capibaribe” com um custo total de R$ 464.000.000 (quatrocentos e sessenta e quatro milhões) que será localizada em São Lourenço da Mata, município da Região Metropolitana do Recife. Foi firmado contrato de Parceria Público-Privada (PPP) com o consórcio formado pela Odebrecht, ISG (International Stadia Group) e AEG Facilities vencedor do processo de licitação para construção, administração e exploração da Arena Capibaribe. No contrato de 33 (trinta e três) anos, o Governo de Pernambuco terá de realizar repasses mensais de R$ 332 (trezentos e trinta e dois mil) por mês, ou seja, um total de R$ 4.000.000 (quatro milhões) por ano como contrapartida a partir 2013, prazo previsto para conclusão da nova praça esportiva que abrigará jogos do Mundial de 2014[15].
Do exemplo acima podem ser destacadas algumas peculiaridades da parceria. Além da garantia de retorno mínimo - no caso em comento, a contrapartida – nota-se o grande vulto da contratação, R$ 464.000.000 (quatrocentos e sessenta e quatro milhões), possibilidade da participação de consórcio de empresas, o longo prazo do contrato, que pode chegar até 35 (trinta e cinco) anos e que o valor não poderá ser superior a 1% (um por cento) da receita corrente líquida projetada nos dez anos subseqüentes, conforme reza o art.28 da lei nº 11.079/2004.
Paulo Sérgio Souza Andrade e Sandro Cabral[16] destacam que a primeira questão a ser enfrentada é a tipificação do futebol como serviço público. Levando-se em consideração o conceito de serviço público citado por alguns administrativistas pode-se que o futebol é esporte, lazer e trabalho, direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, logo, pode ser tipificado como um serviço de utilidade pública por sua importância cultural na sociedade brasileira e pelas externalidades positivas geradas por equipamentos esportivos. Mais um forte argumento a favor da tipificação do futebol como direito a ser protegido pelo Estado, pois, segundo a Constituição Federal (art. 23, III) é dever dos entes políticos zelar pelos bens e valores culturais e históricos.
Há duas modalidades de PPPs: patrocinada e administrativa. Na primeira a concessão de obras ou serviços envolve adicionalmente à tarifa cobrada ao usuário, contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. A segunda é a espécie onde envolve contrato de prestação de serviços de que a edilidade seja a usuária de forma direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra pública ou instalação de bens, conforme reza o art.2º da lei 11.079/2004.
Por fim, a lei veda, de forma expressa, a possibilidade de celebração de PPP que tenha por objeto único a execução de obras públicas.
5.3 Permissão
Permissão de serviço público vem a ser a delegação, à título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco, conforme define o inciso IV do art.2º da lei 8.987/95.
Será formalizada por meio de contrato de adesão e diferentemente das concessões é possível a revogação unilateral do contrato pelo poder concedente, em vista de sua precariedade. Podem ser celebradas com pessoas físicas ou jurídicas e a lei não especificando a modalidade de licitação.
Cabe destacar que todo contrato administrativo é contrato de adesão, principal argumento é pelo que conta no inciso IIl, §2º do art.40 onde reza que constitui anexo do edital, dele fazendo parte integrante, a minuta do contrato a ser firmado entre a Administração e o licitante vencedor, logo, o contrato já é previamente estipulado pelo poder público, não há ajustes entre o licitante vencedor e a edilidade. Se aplicam às permissões, desde que não conflitantes com o instituto da permissão, as mesmas disposições das concessões.
5.4 Autorização
Em se tratando de autorização de serviço público a Constituição Federal, em seu art. 175, remete apenas às figuras das concessões e permissões. Todavia, no art. 21, inciso XII, encontram-se arrolados os serviços que a União pode executar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão. O art.223 da Carta Política indica a autorização como forma de delegação dos serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens.Também na legislação ordinária a autorização vem mencionada, ao lado da permissão e da concessão como forma de delegação de serviços públicos.
A autorização é ela ato unilateral e discricionário pelo qual a Administração Pública faculta ao particular o desempenho de atividade material ou a prática de ato que necessite deste consentimento para ser legítimo.
Em respeito à autorização, podemos concluir que permanece a sua formalização através de ato administrativo precário e discricionário, recomendando-se sua utilização para os serviços que apresentem menor complexidade, nem sempre remunerados por meio tarifário. Vale destacar que a autorização não é objeto de regulamentação legal pela Lei nº 8.987/95.
Ante o acima explicado, o ponto básico de diferenciação entre permissões e autorizações está no fato que esta se dirige a um interesse essencialmente particular. Nas permissões, o alvo seria o direcionamento eminentemente público e se diferenciaria, por sua vez, da concessão pelo maior formalismo e vulto dos contratos submetidos a tal regime.
De qualquer forma, a diferença entre as concessões e as permissões e autorizações está em que aquela é um ato bilateral, comutativo e oneroso, em contraposição ao caráter precário e unilateral das últimas.
A delegação de serviços públicos e da realização de obras públicas faz-se por meio de concessões, motivo pelo qual o foco do texto se restringe a estas, tendo em vista que na condição de concessionárias é que pessoas jurídicas privadas causam danos de forma direta, em geral, ao interesse primário, dando margem ao questionamento acerca do regime da sua responsabilidade em relação aos não-usuários do serviço delegado.
5.5 Agências Reguladoras
Na verdade não se trata de forma de delegação de serviço público e sim de seu controle. Agência reguladora é qualquer órgão da Administração Direta ou Indireta com função de regular a matéria específica que está afeta[17], geralmente constituída sob a forma de autarquia especial, cuja finalidade é regular e/ou fiscalizar a atividade de determinado setor da economia de um país, a exemplo dos setores de energia, telecomunicações, produção e comercialização de petróleo, recursos hídricos, mercado audiovisual, entre outros.
As agências reguladoras foram criadas para fiscalizar a prestação de serviços públicos praticados pela iniciativa privada. Além de controlar a qualidade na prestação do serviço, estabelecem regras para o setor. Já existiam exemplos de entidades reguladoras, como por exemplo, o Banco Central, o Conselho Monetário Nacional e a Comissão de Valores Mobiliários, todavia, com a implantação do modelo de administração gerencial, a nomenclatura agência reguladoras fez com mais propriedade no cotidiano dos serviços públicos.
A intenção do legislador é que as Agências Reguladoras sejam centros de técnica e profissionalismo em dada área do conhecimento humano, cujas decisões se pautem pela mais absoluta exatidão dos conceitos e teorias os quais permeiam e informam o setor econômico fiscalizado.
6 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOS CONCESSIONÁRIOS.
O Estado é o detentor de zelar pela consecução dos Serviços Públicos de acordo com os princípios insculpidos na Constituição da República e demais balizamentos administrativos, devendo prestá-los de forma adequada. Com a prestação de serviços podem ocorrer, ainda de prestação lícita, danos e tais devem ser indenizados de forma objetiva.
A Carta magna previu de forma expressa que as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa[18]
É comum, todavia, quando da execução da serventia ocorram danos, sejam relacionados diretamente com o objeto delegado, sejam com outras atividades e cabe a indagação de quem teria a responsabilidade para repará-los, a Administração Pública ou o particular delegatário. Cabe destacar que quando há a transferência na execução do serviço a outra entidade, além desta ainda transfere-se juntamente o o ônus da responsabilidade objetiva pela prestação adequada do serviço.
Assim, fica o Estado subsidiariamente responsável pela execução do serviço, fazendo com que desta forma, a assunção deste encargo passe para a empresa prestadora da atividade contratada, surgindo, dessa forma, o ingresso das empresas concessionárias de serviço público na relação jurídica geradora do dever de indenizar.
6.1 Concessionários x Administração Pública
Os concessionários exercem suas atividades como pessoas jurídicas interpostas da Administração Pública, assumindo o ônus da responsabilidade, aplicando-se, na regra geral, a teoria do Risco Administrativo. Conforme tal entendimento, todo e qualquer ente que se propõe a desenvolver determinada atividade, arca, necessariamente, com a obrigação de responder pelos eventuais danos ocorridos, motivo pelo qual a Carta Magna reza que a responsabilização dar-se-á nos mesmos previstos pelo art. 37 §6°.
Agiu de forma exemplara o constituinte, em vista que ao agir como pessoa interposta da Administração, o particular goza de certas prerrogativas inerentes da entidade estatal, além de outras típicas dos particulares que atuará pelos moldes das empresas privadas, como, por exemplo, livre de procedimentos como concursos públicos, licitação, controle pelo Tribunal de Contas entre outros, devendo ser responsabilizado em igualdade de condições com a edilidade, guardadas as devidas proporções, ou seja, suportando os riscos que podem ocorrer durante a execução do contrato administrativo de concessão.
Hely Lopes Meirelles[19], ao se referir ao parágrafo sexto do artigo 37, expõe que:
“(...) o exame deste dispositivo revela que o constituinte estabeleceu para todas as entidades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente da prova de culpa no cometimento da lesão. Firmou, assim, o princípio objetivo da responsabilidade sem culpa pela atuação lesiva dos agentes públicos e seus delegatários"
Celso Antônio Bandeira de Mello[20] ainda leciona o seguinte:
“O concessionário, já foi visto, gere o serviço por sua conta, riscos e perigos, Daí que incumbe a ele responder perante terceiros pelas obrigações contraídas ou por danos causados. Sua responsabilidade pelos prejuízos causados a terceiros e ligados à prestação do serviço governa-se pelos mesmos critérios e princípios retores da responsabilidade do estado, pois ambas estão conjuntamente no mesmo dispositivo constitucional. Isto significa, segundo opinião absolutamente predominante no Direito brasileiro, que a responsabilidade em questão é objetiva, ou seja, para que seja instaurada, prescinde-se o dolo ou a culpa da pessoa jurídica, bastando a relação causal entre a atividade e o dano.”
Desta feita, não restam dúvidas sobre a modalidade de responsabilização dos concessionários, deve ser aferido na forma objetiva, repita-se: não exigido conduta dolosa ou culposa e sim o nexo de causalidade entre a conduta, lícita ou ilícita, e o dano.
Todavia, tal raciocínio não afasta outro ponto polêmico: o direcionamento da responsabilidade do estado frente os atos dos concessionários públicos que causam danos a terceiros. Conforme a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, devidamente apontada acima, o delegatário gere o serviço por sua conta, riscos e perigo e arca, em regra, com as obrigações contraídas ou por danos causados perante terceiros. Desse entendimento, pode-se extrair que apenas o concessionário responde pelos danos, afastando, assim, qualquer possibilidade de responsabilização objetiva solidária do Estado.
O eminente Administrativista indica que a responsabilização do ente estatal seria restrita a possibilidade de ser acionado subsidiariamente, ou seja, obrigação não é compartilhada entre dois ou mais devedores, como na obrigação solidária, nessa há apenas um devedor principal; contudo, na hipótese do não cumprimento da obrigação por parte deste, outro sujeito responderá subsidiariamente pela obrigação. Assim, de acordo com tal entendimento, a Administração Pública só seria acionada em caso de insolvência da empresas concessionária e nos casos de atos alheios ao serviço público, tal responsabilidade estatal sequer seria cogitada.
Todavia, a doutrina possui opiniões divergentes, tendo em vista que a titularidade de execução dos serviços públicos pertence ao Estado e a delegação destes não pode afastar por a obrigação precípua do Estado em prestar serviços adequados e reparar o dano em caso de má-execução ou falta do serviço.
Parcela significante da doutrina aponta que no momento que a Administração Pública seleciona particular delegando a prestação do serviço público, incide, em caso de danos, a culpa “in vigilando” que nada mais é que aquela que decorre da falta de atenção com o procedimento de outrem, cujo ato ilícito o responsável deve pagar, cujo fundamento se encontra no art.932(excertos) do código civil:
“Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;
(...) “
O art. 933 ainda reza que as pessoas indicada no artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos. Pode incidir também a culpa ”in eligendo”, onde é oriunda da má escolha, prevista no inciso III do mesmo artigo, onde expõe que: “o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”.
Adequando-se ao tema do presente trabalho, presume-se falha do poder público na escolha da concessionária (“in eligendo”) ou na fiscalização de suas atividades (“in vigilando”).
Todavia, Cahali[21] destaca que:
“a responsabilização solidária incide quando a concessão tenha por objeto a prestação de serviços públicos, tendo em vista que na execução de atos estranhos a prestação da serventia a reparação deve ocorrer de forma subsidiária, mas não em função de uma eventual insolvência da empresa concessionária, mas em função de omissão culposa da fiscalização da atividade pelo poder público.”
Continua o jurista:
"Tratando-se de concessão de serviço público, permite-se reconhecer que, em função do disposto no art. 37, § 6º, da nova Constituição, o Poder Público concedente responde objetivamente pelos danos causados pelas empresas concessionárias, em razão da presumida falha da Administração na escolha da concessionária ou na fiscalização de suas atividades..."
O Estado também responde objetivamente ainda que o serviço público seja prestado por um delegatário do Poder Público, tema que será detalhado nos itens a seguir.
6.2 Concessionários x Usuários
A responsabilização dos concessionários perante terceiros é objetiva, conforme demonstrado acima, e está devidamente regulada pelo referido artigo, sendo-lhe aplicada a teoria do risco administrativo, nos casos de prestação de serviço público.
Há duas correntes referentes à responsabilização das empresas concessionárias: A primeira que aponta em virtude da natureza jurídica contratual da destas há presença da subjetividade, ou seja, deve ser demonstrada a culpa da concessionária. A outra aduz que a responsabilidade é extracontratual.
Como já anteriormente referido, no ordenamento pátrio há uma obrigação de reparar os danos suportados pela vítima, sejam eles materiais, morais ou à imagem, preferencialmente com a sua restituição à situação anterior ao evento danoso, impossível tal, com a fixação, pelo juiz, de uma quantia em dinheiro. Tal obrigação de reparação pode ser por imposição legal ou contratual.
Nesta, como o próprio nome sugere, decorre de um descumprimento de obrigação estabelecida no contrato, em que um dos contratantes causa um dano ao outro por desrespeito a alguma condição prevista no termo. Além disso, para que seja possível a reparação a agente responsável deve ter deixado de cumprir com sua obrigação, ele deve ter agido com culpa ao descumprir a obrigação; causado prejuízo para o credor e que haja um nexo causal a conduta e o dano efetivo.
De pronto, observa-se que tanto a responsabilidade contratual como a extracontratual possuem algumas características em comum: Em ambas há a violação de uma norma e a reparação dos danos causados. Contudo, para efeitos de produção de prova em juízo, faz-se necessária a divisão, como será adiante demonstrado.
A outra corrente, afirma que a responsabilidade da concessionária pelos danos causados ao usuário deve ser objetiva, ou seja, apurável independentemente da existência de culpa, tendo em vista que se trata apenas de provar o dano efetivo e o nexo de causalidade entre o defeito do serviço e a lesão por ele sofrida. Embasam tal tese nos julgados, em especial do Supremo Tribunal Federal[22], conforme julgamento abaixo:
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO: RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. CONCESSIONÁRIO OU PERMISSIONÁRIO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO. C.F., art. 37, § 6º.
I. - A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente aos usuários do serviço, não se estendendo a pessoas outras que não ostentem a condição de usuário. Exegese do art. 37, § 6º, da C.F. II. - R.E. Conhecido e provido.”
Todavia, diante dos entendimentos dos tribunais restavam algumas dúvidas nas situações aplicadas em casos concretos, tendo em vista que não haveria a responsabilização, por exemplo, em determinada situação em que um motorista de ônibus de uma concessionária de serviço público atropelasse um transeunte não usuário do serviço público de transporte de passageiros, pois estava, no momento do acidente atravessando a rua. Por outro lado, poderia haver uma situação em que um terceiro atirasse em um coletivo e atingisse alguns passageiros, a empresa concessionária responderia objetivamente.
Sabe-se, porém que a teoria da responsabilidade integral não foi adotada no ordenamento jurídico brasileiro, motivo pelo qual em caso de comprovação que o dolo ou culpa foi exclusivo de terceiro, caso fortuito ou força maior a concessionária não responderá, o que pode haver, responsabilização em caso de falha no dever de vigiar. Poderá haver, porém, responsabilidade da concessionária se houver falha no dever de vigilância.
Todavia, atualmente houve uma evolução nos julgados, tendo em vista que a imputar a comprovação da culpa ao particular que sofreu o dano é praticamente permitir que as concessionárias se furtem do ressarcimento dos danos causados aos usuários em decorrência da prestação de um serviço público, porque pela teoria da responsabilidade aquiliana, em muitos casos, seria impossível ao usuário demonstrar a culpa da concessionária.
Alguns doutrinadores afirmam que a responsabilidade objetiva, decorre do Código de Defesa do Consumidor, afirmando que o usuário de serviço público se iguala ao consumidor. Fundamentam na previsão do art.14 do CDC, in verbis:
“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”
Na relação de consumo, existente entre duas pessoas privadas, o fornecedor é obrigado a prestar o serviço ao consumidor e deve fazê-lo de forma adequada, respondendo objetivamente pelos danos que porventura ocorrerem, independentemente da comprovação subjetiva de culpa.
Contudo, tal entendimento não vem encontrando guarida nos julgados, em vista que se assim esse raciocínio fosse seguido o Estado apenas teria o dever de regular essa relação contratual. Sendo que, em caso de descumprimento de alguma obrigação por parte do fornecedor a responsabilidade seria unicamente sua, em nada atingindo o poder público.
Já, a relação existente entre a concessionária e usuário é dependente de uma outra, qual seja, a da concessionária e o poder concedente. O serviço público é prestado pela concessionária, mas sua titularidade continua com o poder público. Sendo assim, o inadimplemento da concessionária gera sua responsabilidade perante o consumidor, mas, o Estado é solidariamente obrigado, pois continua com a titularidade do serviço concedido.
Demonstrada a distinção entre a relação de consumo e a de serviço público, conclui-se que a responsabilidade da concessionária pelos danos patrimoniais e morais causados aos usuários em decorrência da prestação do serviço público é objetiva, sendo aplicável o parágrafo 6o do art. 37 da Constituição Federal.
Durante muito tempo, os doutrinadores afirmavam que poderia existir responsabilidade extensiva aos não-usuários, porém, de acordo com o direito civil deverá ser comprovada, ou seja, de forma subjetiva.
6.3. Concessionários x não-usuários
Diante do exposto, observa-se que as concessionárias seguirão as mesmas regras de responsabilização do Estado, pois, apesar de não integrarem a Administração Pública Direta ou Indireta, agem por delegação. Logo, respondem como se o próprio poder público executasse o serviço, já que o interesse público continua presente, mesmo após a delegação da prestação do serviço e tal responsabilidade objetiva prevista no § 6º do art.37 da CF/88 deve se aplicar a todas as pessoas jurídicas de direito público, não se relacionando com sua área de atuação, logo inclui tanto as empresas públicas e as sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos – com exceção das empresas públicas e sociedades de economia mista exploradoras de atividades econômicas – quanto às concessionárias, permissionárias e autorizatárias de serviços públicos.
Durante muito tempo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não tratava de maneira totalmente uniforme a responsabilidade dos órgãos integrantes da estrutura administrativa e a destes particulares que prestam serviços públicos – os concessionários, o caso célebre constante no RE 262651, onde foi fixado entendimento que a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público não se estenderia à pessoas outras que não ostentem a condição de usuário, em vista que somente o usuário seria detentor do direito subjetivo de receber um serviço público ideal, não cabendo ao mesmo, por essa razão, o ônus de provar a culpa do prestador do serviço na causa do dano.
Vale ressaltar, todavia, que o julgado datou de 2005 e foi um julgamento realizado pela Segunda Turma e por voto da maioria, não foi realizado pelo plenário e não houve unanimidade, sendo que muitos juristas afirmavam tratar-se de posicionamento sujeito a mudanças, ou seja, é que a orientação jurisprudencial se volte para a existência de responsabilidade civil das concessionárias frente a terceiros usuários e também frente a terceiros não-usuários de serviços públicos.
Com a evolução na construção jurisprudencial, houve julgamento do Recurso Extraordinário número 459.749/PE, conforme é relatado no informativo nº 458 do STF - Responsabilidade Civil dos Prestadores de Serviço Público e Terceiros Não-Usuários[23]:
“O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário interposto contra acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco que, com base no princípio da responsabilidade objetiva (CF, art. 37, § 6º), condenara a recorrente, empresa privada concessionária de serviço público de transporte, ao pagamento de indenização por dano moral a terceiro não-usuário, atropelado por veículo da empresa. O Min. Joaquim Barbosa, relator, negou provimento ao recurso por entender que a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva também relativamente aos terceiros não-usuários do serviço. Asseverou que, em razão de a Constituição brasileira ter adotado um sistema de responsabilidade objetiva fundado na teoria do risco, mais favorável às vítimas do que às pessoas públicas ou privadas concessionárias de serviço público, toda a sociedade deveria arcar com os prejuízos decorrentes dos riscos inerentes à atividade administrativa, tendo em conta o princípio da isonomia de todos perante os encargos públicos. Ademais, reputou ser indevido indagar sobre a qualidade intrínseca da vítima, a fim de se verificar se, no caso concreto, configura-se, ou não, a hipótese de responsabilidade objetiva, haja vista que esta decorre da natureza da atividade administrativa, a qual não é modificada pela mera transferência da prestação dos serviços públicos a empresas particulares concessionárias do serviço. Após os votos dos Ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Carlos Britto que acompanhavam o voto do relator, pediu vista dos autos o Min. Eros Grau.”
(grifos nossos)
Do julgado acima cabe o seguinte raciocínio: o simples fato de haver delegação do serviço público aos particulares não transfere o âmbito da responsabilidade, se assim fosse, estar-se-ia premiando os agentes que sofressem danos por serviços executados diretamente pela administração em detrimento dos que padecem das serventias prestadas por particulares delegatários, pois, os primeiros seriam socorridos pela responsabilidade objetiva, ou seja, teriam seus danos reparados independentemente da comprovação da culpa do executor, enquanto que as outras teriam que comprovar o dano, em vista da responsabilidade subjetiva do prestador de serviço.
Ademais, deve se observar a opinião do Ministro Celso Antônio Bandeira de Mello citado por Fernando Saraiva[24] também parece ser neste sentido, afirmando que:
(...) Quando o Texto Constitucional, no § 6º do art. 37, diz que as pessoas ‘de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes nesta qualidade causarem a terceiros’, de fora parte a indispensável causação do dano, nada mais exige senão dois requisitos para que se firme dita responsabilidade: (1) que se trate de pessoa prestadora de serviço público; (b) que seus agentes (causadores do dano) estejam a atuar na qualidade de prestadores de serviços públicos. Ou seja: nada se exige quanto à qualificação do sujeito passivo do dano; isto é: não se exige que sejam usuários, nesta qualidade atingidos pelo dano. Com efeito, o que importa, a meu ver, é que a atuação danosa haja ocorrido enquanto a pessoa está atuando sob a titulação de prestadora de serviço público, o que exclui apenas os negócios para cujo desempenho não seja necessária a qualidade de prestadora de serviço público. Logo, se alguém, para poder circular com ônibus transportador de passageiros do serviço público de transporte coletivo necessita ser prestadora de serviço público e causa dano a quem quer que seja, tal dano foi causado na qualidade de prestadora dele. Donde, sua responsabilidade é a que está configurada no § 6º do art. 37.”
Vale destacar, ainda, o Recurso Extraordinário nº 591.874 julgado em 26 de agosto de 2009, onde expõe que há responsabilidade civil objetiva das empresas que prestam serviço público mesmo em relação a terceiros não-usuários dos serviços públicos, cabe apresentar o entendimento[25]:
“CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. ART. 37, § 6º, DACONSTITUIÇÃO. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. CONCESSIONÁRIO OU PERMISSIONÁRIO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA EM RELAÇÃO A TERCEIROS NÃO-USUÁRIOS DO SERVIÇO. RECURSO DESPROVIDO.
I - A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente a terceiros usuários e não-usuários do serviço, segundo decorre do art. 37, § 6º, da Constituição Federal.
II - A inequívoca presença do nexo de causalidade entre o ato administrativo e o dano causado ao terceiro não-usuário do serviço público, é condição suficiente para estabelecer a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito privado.
III - Recurso extraordinário desprovido.”
(grifos nossos)
Vale ressaltar que a questão foi submetida ao plenário, o Ministro Ricardo Lewandowski, relator do julgado, afirmou que a Constituição Federal não faz qualquer distinção sobre a qualificação do sujeito passivo do dano, ou seja, não exige que a pessoa atingindo pela lesão possua a condição de usuário do serviço, apontando, ainda, que o intérprete da lei não pode realizar distinções onde a própria norma não faz.
Em seu relatório, a autoridade informa que tanto os terceiros usuários com os não-usuários do serviço público podem estar sujeitos a danos em razão da ação administrativa do estado, seja diretamente, ou por delegação, indiretamente. Por tal motivo, a responsabilidade de reparação deve ser entendida sob o aspecto objetivo.
O ministro ainda afirmou que entender de forma diversa significa a própria negação do conceito de serviço público e de suas características, em especial, a universalidade, em regra, generalidade, estendendo-se indistintamente a todos os cidadãos, beneficiários diretos ou indiretos da ação estatal.
Logo, é irrelevante se o terceiro que sofreu o dano é usuário ou não do serviço público delegado, sendo suficiente que o dano produzido pelo agente – na qualidade de prestador de serviço público - seja capaz de provocar o dano. No mesmo julgado o Ministro Carlos Ayres Brito, afirma que o constituinte não se referiu, §6º do art.37, a terceiro de forma casual. O jurista afirma que tal referência é intencional para que seja ultrapassada a abrangência restrita apenas aos usuários, a CF/88 imprime a prestação de serviço público um cuidado ainda maior, para que não haja danos aos usuários e não-usuários, sendo uma boa medida legislativa correspondendo a uma espécie de profilaxia social em tema tão importante quanto a prestação de serviços públicos. Seriam, na opinião do Ministro, duas espécies de isonomia: de tratamento normativo entre o estado e o particular, ambos como prestadores de serviço público. A segunda isonomia seria entre os usuários do serviço e os terceiros em geral.
7 CONCLUSÃO
A carta magna elencou várias garantias aos particulares que proventura venham a sofrer prejuízo decorrente da prestação de serviço público, estabeleceu que as pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras desse serviço responderiam objetivamente pelos danos causados.
Levando em consideração que todas as pessoas que se submetem a situação de risco decorrente de atividades administrativas devem ser tuteladas, o texto constitucional estabeleceu o mesmo regime de responsabilidade extracontratual para as pessoas jurídicas de direito público e de direito privado.
Todavia, para se chegar a tal construção legal, houve uma evolução histórica, onde houve a ampliação do conceito e abrangência da responsabilidade estatal. De forma lenta foram sendo modificadas as teorias civilistas que direcionavam a culpabilidade estatal, saindo do campo da total irresponsabilidade, onde a Edilidade não respondia pelos atos praticados, passando pela caracterização da responsabilidade com culpa – responsabilidade subjetiva - pela busca incessante dos agentes que sofreram danos pelas condutas administrativas perante a justiça, não tentativa de obter as respectivas reparações.
Os entendimentos e julgados foram evoluindo para a adoção da responsabilidade objetiva, ou seja, d onde se defende a desvinculação do dever de ressarcir, sempre que um causa a noção de culpa. Para esta corrente, a indenização tange no conceito material do evento danoso, ou seja, a lei impõe, entretanto, em determinadas situações, a obrigação de reparar o dano independentemente de culpa. Para tal corrente, basta haver o dano e o nexo de causalidade para justificar a responsabilidade civil do agente, sendo é indiferente que o serviço público tenha funcionado bem ou mal, de forma regular ou irregular, precisamente por dispensar a observância dos elementos subjetivos – dolo e culpa.
Tal teoria rescindir da apreciação de elementos subjetivos (culpa e dolo) também chamada de teoria do risco, onde a traz a ideia de reparar independentemente da existência de falta do serviço ou defeito na prestação deste, muito menos na culpa do agente público, bastando a existência do dano e do nexo causal. Assim, com a correlação entre a conduta ou omissão danosa e comprovação ocorrência deste, tem-se a obrigação de reparar o dano. O art. 37 § 6º, adotou, modernamente, a responsabilidade objetiva do Estado.
Com a evolução do Estado, ampliação do conceito de Administração gerencial e o aumento da necessidade de prestação de serviços públicos, houve a necessidade de delegações de serviços para que a melhoria do bem-estar da população, ou seja, com o aumento das demandas públicas, seja em obras ou prestação de serviços, faz-se necessário, cada vez mais, a delegação destes a particulares interessados, sempre através de licitação
A prestação de serviços públicos é o fim precípuo do Estado e o serviço, por ser público e privativo é “res extra commercium”, ou seja, não é negociável razão pela qual não há transferência da titularidade do serviço para o particular e o exercício da atividade pública.
A concessão, principal meio de delegação, é o contrato através do qual o Estado delega a alguém o exercício de um serviço público e este aceita prestá-lo em nome do Poder Público sob condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Estado, mas por sua conta, risco, remunerando-se pela cobrança de tarifas diretamente dos usuários do serviço e tendo a garantia de um equilíbrio econômico-financeiro
Vale ressaltar, que nesses casos há transferência na forma de execução e não da titularidade, motivo pelo qual o estado não deixa de ser civilmente responsável, pois a inércia da autoridade administrativa, deixando de coibir e fiscalizar os atos concessivos, causa lesão ao patrimônio público, obrigando o Poder Concedente a restaurar o equilíbrio econômico-financeiro da concessão.
Ademais, poder público se responsabiliza pela escolha e falta de fiscalização e, neste último caso, assim procedendo constitui forma omissiva de abuso de poder, quer o ato seja doloso ou culposo, dando então lugar à reparação de todos os prejuízos causados ao particular pela omissão, demora ou retardamento na prática do ato que lhe incumbia.
O conceito de Administração Gerencial carrega em si uma ideia que o ente estatal tem a prerrogativa/dever de coibir os entes reguladores a não observância quanto suas atividades, para tanto, os entes reguladores/fiscalizadores devem nortearem suas ações levando em consideração alguns princípios que são: independência, transparência, executoriedade e eficiência, observando o princípio da independência para o bom desempenho das funções de fiscalização, a manutenção da independência frente ao órgão concedente, frente às concessionárias e porque não dizermos também frente aos usuários e frente a terceiros deve ser mantida sob o risco o de não se ver observado o interesse público.
Para uma maior amplitude das atividades fiscalizatórias foram criadas as Agências Reguladoras que é qualquer órgão da Administração Direta ou Indireta com função de regular a matéria específica que está afeta[26], geralmente constituída sob a forma de autarquia especial, cuja finalidade é regular e/ou fiscalizar a atividade de determinado setor da economia de um país, a exemplo dos setores de energia, telecomunicações, produção e comercialização petróleo, recursos hídricos, transportes, entre outros.
As agências reguladoras foram criadas para fiscalizar a prestação serviços públicos praticados pela iniciativa privada. Além de controlar a qualidade na prestação do serviço, estabelecem regras para o setor. A intenção do legislador é que as Agências Reguladoras sejam centros de técnica e profissionalismo em dada área do conhecimento humano, cujas decisões se pautem pela mais absoluta exatidão dos conceitos e teorias os quais permeiam e informam o setor econômico fiscalizado
Desta feita, observa-se uma importante característica dos serviços delegados, a atuação do ente estatal principalmente nas atividades regulatória e fiscalizatória, além de escolher, em regra, por licitação, não havendo sequer a possibilidade de dispensa ou inexigibilidade para as concessões e permissões.
Afora tais entidades, observa-se, ainda, a presença de outros centros de competências como a Procuradoria de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON), que é um órgão brasileiro de defesa do consumidor, que orienta os consumidores em suas reclamações, informa sobre seus direitos, e fiscaliza as relações de consumo.
Todavia, percebe-se que a atividade fiscalizadora do Estado nas concessões e permissões de serviços públicos, no Brasil, ainda está em seu início de desenvolvimento, a cada dia a presença do consumidor como elemento identificador de falhas na execução têm sido importante para uma melhora na prestação dos serviços.
Vale destacar que a existência de órgãos de controle não afasta a responsabilidade estatal e os tribunais vêm decidindo pela responsabilização e conseqüente reparação, tanto nos casos de típica omissão, como nos casos de falta de presteza do agente; ainda que não se saiba quem é o responsável pelo prejuízo causado ao particular, condenando assim a Administração pela reparação dos prejuízos, mesmo quando há fiscalização, mas sendo ela deficiente, caracteriza-se a omissão geradora da responsabilidade civil do Estado.
Os concessionários exercem suas atividades como pessoas jurídicas interpostas da Administração Pública, assumindo o ônus da responsabilidade, devendo ser aplicadada, na regra geral, a teoria do Risco Administrativo. Conforme tal entendimento, todo e qualquer ente que se propõe a desenvolver determinada atividade, arca, necessariamente, com a obrigação de responder pelos eventuais danos ocorridos, motivo pelo qual a Carta Magna reza que a responsabilização dar-se-á nos mesmos previstos pelo art. 37 §6°.
Agiu de forma exemplara o constituinte, em vista que ao agir como pessoa interposta da Administração, o particular goza de certas prerrogativas inerentes da entidade estatal, além de outras típicas dos particulares que atuará pelos moldes das empresas privadas, como, por exemplo, livre de procedimentos como concursos públicos, licitação, controle pelo Tribunal de Contas entre outros, devendo ser responsabilizado em igualdade de condições com a edilidade, guardadas as devidas proporções, ou seja, suportando os riscos que podem ocorrer durante a execução do contrato administrativo de concessão. Assim, a responsabilidade dos delegatários será fixada como se a própria administração estivesse executando o serviço.
Contudo, quando dos julgamentos dos casos de reparações dos danos causados pelas empresas delegadas, observou-se que havia dois tipos de agentes que poderiam vir a sofrer danos; os usuários dos serviços delegados e os não-usuários.
Durante algum tempo, decisões isoladas do STF indicou que a responsabilidade objetiva das concessionárias se restringiria aos casos onde a vítima fosse usuária do serviço delegado. Todavia, atualmente houve uma evolução nos julgados, tendo em vista que a imputar a comprovação da culpa ao particular que sofreu o dano é praticamente permitir que as concessionárias se furtem do ressarcimento dos danos causados aos usuários em decorrência da prestação de um serviço público, porque pela teoria da responsabilidade aquiliana, em muitos casos, seria impossível ao usuário demonstrar a culpa da concessionária.
Ademais, seria desprovido de razão que, por exemplo, um condutor de ônibus de uma concessionária atropelasse um transeunte e a empresa fosse responsabilidade subjetivamente, ao passo que se o mesmo motorista causasse o mesmo acidente em terceiro usuário do serviço, a concessionária responderia de forma objetiva.
O Recurso Extraordinário nº 591.874 julgado em 26 de agosto de 2009, expõe que há responsabilidade civil objetiva das empresas que prestam serviço público mesmo em relação a terceiros não-usuários dos serviços públicos, cabe apresentar o entendimento, o admissão da repercussão geral já era um prenúncio de que a Corte mudaria sua orientação quanto ao tema. É que, de foma equivocada, o STF no julgamento do RE 262651/SP, entendeu que a responsabilidade objetiva restringe-se aos usuários dos serviços públicos, de modo que o dano causado a terceiro não-usuário depende de prova de culpa da concessionária para caracterização da responsabilidade civil, ou seja, a responsabilidade seria subjetiva.
Desta feita, restou superada a orientação que anteriormente existia no Supremo, segundo a qual a responsabilidade objetiva das delegatárias de serviços públicos somente abrangeria as relações ocorridas entre elas e os usuários, não se aplicando aos não-usuários.
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