S E N T E N Ç A
I - DO RELATÓRIO
WANDERLEY CHRISPIM, já qualificado, ajuizou reclamação trabalhista em face de MELHORAMENTOS CMPC LTDA, também já qualificada, pugnando, em síntese, pelo reconhecimento do período sem registro com a condenação da ré nas obrigações e títulos descritos na peça de ingresso, tudo conforme argumentos já expostos no presente caderno processual. Juntou documentos e requereu os benefícios da justiça gratuita.
Devidamente notificadas, as partes compareceram à audiência, não logrando sucesso a primeira tentativa de acordo. Por frustrada a conciliação, foi recebida a defesa, dando-se seguimento à instrução do feito.
Em sua contestação, em suma, a ré suscitou preliminar e, no mérito, impugnou os pleitos autorais, expondo os argumentos que sustentam a sua tese. Por fim, requereu a improcedência da presente reclamação, juntando documentos aos autos.
Após produzida a prova documental e oral, com a concordância das partes, foi encerrada a instrução com oportunidade para os interessados apresentarem razões finais.
É o relatório. Por inconciliados, passo aos fundamentos.
II - DOS FUNDAMENTOS
1. Considerações iniciais sobre a Lei n.º 13.467/2017
A fim de evitar embates desnecessários no curso da lide, destaco desde logo que não cabe falar em invalidade "ampla e total" da Lei 13.467, cuja vigência se iniciou em 11.11.2017. Isso porque foi garantido ao Poder Legislativo a legitimidade para ditar as relações sociais locais em conformidade com o espírito do tempo.
De outra sorte, assinalo que o Poder Judiciário continua independente (art. 2º da CF), estando autorizado a analisar não apenas a forma, como também o conteúdo de todas as regras que lhe são submetidas à análise (art. 5º, XXXV, da CF). Consequentemente, ao juiz permanece aberta a possibilidade de afastar os preceitos que contrariem a Constituição, bem assim de suprir as lacunas eventualmente existentes, de molde a preservar a integridade do ordenamento jurídico, inclusive por meio da analogia e da equidade (art. 8º, "caput", da CLT), revelando-se inócuas as interpretações tendentes a limitar os poderes da Justiça do Trabalho.
Dito isso, assinalo que as inovações alusivas ao direito material não atingem os fatos geradores já consolidados na vigência da lei antiga, haja vista a disposição contida nos artigos 6º da LIND (DL n.º 4.657/42), 912 da CLT e 5º, XXXVI, da Carta Magna, que traduzem normas de ordem pública. Tais preceitos, entretanto, não garantem a permanência absoluta dos direitos após 11.11.2017, pois apenas as cláusulas contratuais benéficas são mantidas (art. 468 da CLT), devendo as partes, no mais, observar o império da lei, sem que o interesse particular prevaleça sobre o público. De seu turno, em homenagem à responsabilidade institucional (art. 927, V, do CPC), esclareço que as inovações processuais serão interpretadas em plena harmonia com a Instrução Normativa n.º 41 de 2018, editada pelo Tribunal Superior do Trabalho e que veda o efeito retroativo sobre as situações jurídicas já consolidadas processualmente, quando da entrada em vigor da nova lei (art. 14 do CPC).
No mais, consigno que as eventuais peculiaridades de cada regra, se existentes, serão apreciadas dentro do capítulo próprio ligado à matéria, conforme abaixo delineado.
2. Da impugnação aos valores dados na inicial
Os valores indicados na peça prefacial estão em consonância com as pretensões formuladas pela parte reclamante, atendendo ao comando do artigo 840, § 1º, da Consolidação das Leis do Trabalho.
Com efeito, não se vislumbra incoerência ou inconsistência aparente que autorize, a priori, qualquer retificação. De todo modo, atente a ré que a indicação dos valores vindicados não implica, por si só, a condenação em qualquer montante, cabendo à liquidação fixar o efetivo "quantum debeatur".
Ademais, o valor dado à causa reflete a expressão econômica dos pedidos formulados na inicial, cumprindo com a exigência do artigo 292 do CPC. O montante fixado propicia o duplo grau de jurisdição e não traz necessário prejuízo ao demandado, até porque não vincula o magistrado no momento de arbitrar a condenação.
Desta feita, rejeito a impugnação formulada.
3. Dos limites da demanda
Os arts. 141 e 492 do CPC estatuem o denominado princípio da adstrição ou congruência do julgamento ao libelo, impondo ao magistrado a observância das balizas impostas pela petição inicial. Por sua vez, os arts. 787 e 845 da CLT c/c arts. 329 e 336 do CPC deixam assente que os fatos e pretensões passíveis de discussão no processo são tão somente aqueles trazidos na vestibular e na contestação, mostrando-se proibida a inovação na lide no curso da demanda.
Desse modo, em homenagem às normas processuais acima descritas, deixarei propositadamente de analisar o mérito de qualquer requerimento realizado fora do momento oportuno, a fim de que não se alegue vício no julgado.
4. Do vínculo de emprego. Unicidade contratual. Nulidade da dispensa
A Carta Magna de 1988 recepcionou o estuário protetivo trabalhista contido no Texto Consolidado, erigindo a busca pelo pleno emprego ao patamar constitucional, a teor de seus arts. 1º, IV, 7º, caput, e 170, VIII. Por corolário, tenho que a relação empregatícia é presumida sempre que constatada a prestação de serviços de uma pessoa natural em favor de terceiro, tal como se deu na hipótese, tendo em vista o teor da peça defensiva (arts. 212, IV, do CC e 375 do CPC).
Neste panorama, evidente que cabia à reclamada o ônus de afastar os pressupostos legais dos arts. 2º e 3º da CLT, demonstrando a existência do alegado fato impeditivo ao direito vindicado pelo obreiro, tudo na forma do inciso II dos arts. 818 da CLT e 373 do CPC. No presente feito, todavia, falhou a ré em cumprir com seu encargo probatório no tocante à ausência de vínculo.
Isso porque o contexto dos autos é substancial quanto à presença de todos os elementos característicos da relação de emprego entre as partes, inclinando-se todo o conjunto das provas em prejuízo da demandada.
De início, diversamente do que consta na tese defensiva, destaco ser irrelevante o fato de o autor ser sócio de escritório de advocacia ou mesmo de outras empresas, pois a exclusividade não é requisito da relação empregatícia. Ademais, nada obsta que uma mesma pessoa tenha mais de um vínculo, sendo autônomo em alguns e subordinado noutros. E, no caso específico em análise, ficou cabalmente demonstrada a subordinação do autor em face da ré, que lhe remunerava de modo habitual pelos serviços personalíssimos que lhe foram prestados de modo praticamente ininterrupto.
Observo, por oportuno, que os requisitos do art. 3º da CLT revelaram-se claros tanto dos documentos juntados pelos litigantes, quanto dos depoimentos colhidos por este Juízo. Isso porque as notas fiscais de fls. 40 e ss apenas retratam a continuidade laboral após a rescisão formal (e fictícia) do contrato de trabalho, sendo que o obreiro continuou utilizando o e-mail corporativo da ré, tal como se nota das cópias colacionada às fls. 07 dos autos (ID. adab73a - Pág. 6)
Por sua vez, a ata de audiência (ID. 8ce1f10) atesta que não houve mudança alguma nas atividades, poderes e responsabilidade do autor antes e após a sua dispensa como empregado e recontratação como "consultor", consoante confissão da própria ré (fls. 386 - resposta 1), complementada pelas respostas 3 e 4 da testemunha Michele (fls. 387) e 4 e 5 da testemunha Viviane (fls. 388).
Em suma, restou assente do conjunto probatório que o liame contratual se estabeleceu no plano fático entre a ré e a pessoa física do reclamante, servindo a empresa deste tão somente mascarar a realidade, espoliando-se direitos do trabalhador, do INSS e da Receita Federal, em clara fraude à ordem jurídica cogente. Ora, uma "pessoa jurídica" jamais poderia ocupar um cargo de chefia e nem mesmo estaria subordinada a um empregado da ré, tal como ocorreu com o obreiro, que respondia às ordens do Sr. Silas e da Diretoria da CMPC, situação que foi devidamente esclarecida pela testemunha Sra. Michele (fls. 387- resposta 2)
No particular, tenho por certo que o autor jamais teve real poder de escolha na forma da contratação, pois o trabalhador, ainda que capacitado e bem remunerado, é hipossuficiente na relação concreta empregatícia, sendo dependente do salário como principal meio de subsistência. Neste cenário, inexiste espaço para se afastar o vínculo, sendo as assertivas patronais em sentido contrário meramente retóricas.
Noutras palavras, mostra-se inócua a tentativa da ré em afastar o vínculo pelo fato de o trabalhador ter assinado um contrato de consultoria por meio de PJ. A uma, diante do princípio da primazia da realidade, que desconsidera a "pejotização" e preserva o núcleo da relação jurídica havida entre os contratantes (art. 9º da CLT c/c 167 do CCB). A duas, diante do caráter indisponível da relação de emprego, preceito que continua vigente a despeito do espírito obscuro, precarizante e retrógrado que ronda o Congresso, onde atualmente se discutem absurdos como CTPS amarela e trabalho intermitente sem proteção previdenciária. É o que se extrai dos artigos 1º, III e IV, 7º, I, 170, III e VIII, todos da Constituição da República.
Ante o exposto, reputo nula a dispensa fictícia forjada em janeiro de 2016 e reconheço, em substituição, a unicidade da relação de emprego entre as partes, declarando que o vínculo trabalhista entre o autor e a ré teve como vigência todo o lapso descrito na inicial (18.05.2009 a 30.06.2018) na função de "chefe de departamento fiscal" (fls. 26).
5. Da irredutibilidade salarial. Repercussões cabíveis
A ordem jurídica vigente assegura o princípio da irredutibilidade salarial, vendando ao empregador diminuir o vencimento básico do trabalhador, salvo em casos excepcionais e por meio de negociação coletiva, nos exatos termos do arts. 7º, VI e XXVI, da CF e 468 da CLT.
Dessa forma, mostra-se antijurídica a conduta patronal, não servindo suas escusas para justificar a diminuição do importe básico pago ao obreiro após a recontratação como "consultor", dada a nulidade acima já mencionada. Consequentemente, acolho o pedido formulado, sendo devidas diferenças salariais a partir de março de 2016, exatamente como postulado (fls. 12/14).
Julgo procedente.
6. Das anotações na CTPS
Considerando o acima declarado, com respaldo no art. 29 e §§ da CLT, condeno a 1ª reclamada a proceder a retificação na CTPS obreira para que conste a unicidade contratual (18.05.2009 a 30.06.2018) e a evolução salarial descrita 13/14, sendo o último salário de R$ 26.159,90, mantendo-se a função de "chefe de departamento pessoal".
Para dar cumprimento à presente obrigação, caberá ao autor trazer a CTPS na Secretaria desta Vara em até 08 dias do trânsito em julgado. Uma vez juntado o documento, será a ré intimada para proceder às retificações no prazo máximo de 08 dias, sob pena de multa única de R$ 1.000,00 (arts. 39, §1º, da CLT c/c 311 e 537, § 4º do CPC).
Na omissão desta, a anotação será feita diretamente pela Secretaria desta Vara, mediante certidão que evite a menção do processo na carteira, sem prejuízo da multa já mencionada, que se reverterá em proveito da parte autora (arts. 39, § 2º, da CLT e 501 do CPC).
Julgo procedente, nestes termos.
7. Das verbas contratuais e obrigações rescisórias
Uma vez reconhecida a nulidade da dispensa, o vínculo empregatício e a unicidade contratual, era do empregador o ônus de desconstituir a alegada dispensa sem justa causa, tendo em conta que milita em favor do trabalhador o princípio da continuidade (Súmula 212 do TST).
Nos autos, entretanto, inexiste prova que elida a narrativa inicial, não havendo tampouco prova a respeito do pagamento das verbas postuladas. Assim sendo, com base nos arts. 818 da CLT e 373 do CPC, defiro à parte requerente as seguintes verbas:
a) Aviso prévio indenizado de 57 dias, ante a proporcionalidade prescrita pela Lei 12.506/2011 c/c Nota Técnica n.º 84/2012 do MTE, garantida a sua integração no contrato para todos os efeitos (art. 487, § 1º, da CLT);
b) 13º salário integral de 2017 e proporcional de 2016 (10/12, conforme limites da inicial) e 2018 (8/12, conforme impõe o art. 1º, § 2º, da Lei 4.090/62, já computada a projeção do aviso);
c) Férias vencidas com 1/3 e em dobro do período 2016/2017, ante a aplicação do art. 137 da CLT c/c Súmulas 328 e 450 do TST;
d) Férias vencidas simples e com 1/3 do período 2017/2018;
e) Férias proporcionais com 1/3 do período 2018 (08/12, ante a projeção do aviso e o disposto no parágrafo único do art. 146 da CLT);
f) FGTS (8%) sobre período não recolhido (março/2016 a junho/2018), inclusive sobre as verbas supra (Súmula 305 do TST), com exceção das férias, por indenizadas (OJ 195 da SDI-1);
g) Indenização resilitória de 40% do FGTS, na forma do art. 18, § 1º, da Lei 8.036/90, ficando autorizado o pagamento diretamente nestes autos, de molde a facilitar a percepção do direito pelo efetivo titular;
As verbas ora deferidas levarão em conta a remuneração da parte autora no período de apuração, observadas as diferenças já declaradas e respeitados os limites do libelo. Outrossim, de molde a evitar enriquecimento ilícito decorrente de duplo pagamento, autorizo a dedução dos valores adimplidos no TRCT (fls. 261) a título de aviso prévio (rubrica 69) e 13º salário (rubricas 63 e 70).
Julgo procedente, nestes termos.
8. Das multas celetistas
Reputo incabíveis as cominações dos arts. 467 e 477 da CLT, pois a matéria fática exposta na inicial mostrou-se controvertida ao longo de toda a instrução, sendo o vínculo empregatício declarado somente em Juízo. No particular, valho-me do art. 5º do DL 4.657/42 para lembrar que os preceitos de natureza punitiva não recomendam a interpretação ampliativa, entendimento que foi acolhido pelas Súmulas 30, 33, 73 e 74 deste TRT da 2ª Região.
Por sua vez, destaco que a cominação do art. 47-A da CLT é de natureza administrativa, não se revertendo em favor do empregado, mas sim da Administração Pública, a quem cabe aplicar a penalidade, "ex vi" do art. 48 do Texto Consolidado.
Rejeito, pois, as cominações vindicadas pela parte autora.
9. Da participação nos lucros e resultados
A participação nos lucros e/ou resultados depende expressa pactuação entre a agremiação obreira e o sindicato ou ente patronal, não bastando a mera previsão genérica em convenção coletiva, mormente quando de conteúdo meramente programático, "ex vi" do art. 2º, § 2º, da Lei 10.101/2000.
A parte demandante, na hipótese, falhou em demonstrar a existência de ACT ou norma coletiva específica impondo ao empregador o pagamento de benefício em valor certo e determinado, não servindo as testemunhas para suprir tal meio de prova. Logo, não há que como acolher a pretensão inicial, pois não cumprido o encargo probatório inscrito no inciso I dos arts. 818 da CLT e 373 do CPC.
Releva sublinhar que não cabe ao Poder Judiciário fixar um valor que entende cabível, sob pena de interferir em matéria reservada aos entes coletivos, desvirtuando a função jurisdicional para invadir a seara legislativa, em clara afronta aos artigos 2º e 7º, XI e XXVI, da Carta da República c/c art. 8º da CLT.
Destarte, rejeito o pedido.
10. Da justiça gratuita
Os benefícios da Lei 1.060/50 foram idealizados com o escopo de possibilitar o acesso à Justiça dos trabalhadores que auferem baixo padrão remuneratório e que, por isso mesmo, não podem dispor de qualquer gasto processual.
No caso, a despeito da declaração trazida com a vestibular, não há como considerar que o reclamante é pobre, na acepção pura da palavra, tampouco que não possui condições de arcar com eventuais custas processuais. Isso porque, além de ser aposentado, sócio de escritório de advocacia e empresário, na data da dispensa, auferia salário muito superior ao patamar fixado pelo art. 790, § 3º da CLT, sendo verdadeiro hipersuficiente, ao menos para efeitos processuais.
Logo, reputo incabível a concessão dos benefícios da justiça gratuita, que devem ser preservados àqueles que efetivamente passam por dificuldades financeiras que obstaculizam o acesso ao Judiciário.
11. Dos honorários advocatícios
Por força do art. 791-A da CLT, mostram-se cabíveis os honorários sucumbenciais, independentemente de pedido expresso da parte. Referido dispositivo é compatível com a Constituição da República, pois se harmoniza com o art. 133 da Carta Magna, impondo o exercício responsável do direito de ação (art. 5º, XXXV, da CF). Ademais, resta afastada a proteção da justiça gratuita quando obtidos créditos em Juízo, tal como se deu na hipótese.
Registro que, revendo o posicionamento anteriormente adotado, não mais aplico o enunciado de número 99 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, por constatar que referido verbete estava dando margem a pleitos nitidamente exorbitantes, formulados com o único propósito de maximizar os ganhos da parte reclamante em prejuízo do adverso, em conduta que não conspira com a lealdade e cooperação processual.
Ante o exposto, e considerando-se os critérios estabelecidos pelo § 2º do art. 791-A da CLT (natureza e importância da causa, trabalho, lugar do serviço, grau de zelo profissional, qualidade do trabalho, inclusive o realizado no curso da instrução probatória, e tempo exigido do advogado), defiro a verba honorária da seguinte forma:
a) Em prol do advogado da parte autora: no importe de 15% do valor líquido da condenação, isto é, sem dedução, devidamente atualizado, conforme se apurar em liquidação de sentença (OJ 348 da SDI-1);
b) Em prol do advogado da parte reclamada: no importe de 15% sobre o proveito econômico obtido nestes autos, devendo tal proveito ser aferido com base no valor total dos pedidos da inicial, subtraindo-se o valor da condenação, tudo devidamente atualizado;
A execução da verba em comento seguirá a regra dos §§ do art. 791-A da CLT, vedada a compensação, já que os causídicos não são credores e devedores recíprocos. Eventuais honorários contratuais são devidos pelos próprios interessados aos seus respectivos causídicos, sendo indevida a transferência do ônus da escolha particular ao adverso, ainda que a título indenizatório (Súmula 18 do TRT/SP). Insta lembrar que o § 1º do art. 35 do Código de Ética da OAB veda a cumulação de honorários sucumbenciais com contratuais, ressalvados os termos expressamente pactuados entre mandante e mandatário. Assim sendo, caberá ao patrono realizar as deduções pertinentes diretamente com seu cliente, de molde a evitar o "bis in idem".
12. Da litigância de má-fé
Em que pesem as assertivas assentadas no caderno processual, não vislumbro a existência de qualquer conduta processual efetivamente maliciosa, a menos a ponto de ensejar à cominação prevista pelos artigos 793-C da CLT e 81 do CPC.
Em verdade, entendo que as manifestações e peças processuais apresentadas apenas buscaram a defesa dos interesses de cada parte, tudo de acordo com o que vaticinam os princípios do amplo acesso ao Judiciário e do devido processo legal (art. 5º, XXXV e LIV, da Constituição da República).
Nesta quadra, ao menos por enquanto, não há multa a ser aplicada.
13. Da expedição de ofícios
Ante o reconhecimento do vínculo empregatício entre as partes, assim como da fraude fiscal perpetrada, determino, após o trânsito em julgado, que sejam oficiados à Receita Federal, CEF, SRT e INSS, para que tomem as medidas que entenderem cabíveis.
14. Do cumprimento de sentença. Critérios de liquidação
A liquidação envolve matéria de ordem pública e, portanto, pode ser feita de modo diverso daquele determinado em sentença, desde que atenda à legislação vigente no momento da apuração dos créditos (Súmula 344 do STJ). Sem embargo, a fim de evitar a alegação de nulidade por omissão, esclareço desde logo que a liquidação deverá ser realizada por meio de cálculos, respeitados os critérios da fundamentação e os termos da petição inicial, que servem como balizas da condenação (arts. 141 e 492 do CPC).
A correção monetária seguirá o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), de acordo com o que pacificado na Arguição de Inconstitucionalidade n.º 479-60.2011.5.04.0231, em que a Corte Suprema Trabalhista declarou a inconstitucionalidade por arrastamento da expressão "equivalentes à TRD", atingindo por consequência lógica a incidência da Lei n.º 13.467/17 para os débitos posteriores à 24.03.2015. Tal também é o entendimento do STF esposado no julgamento das ADIs 4.357, 4.372, 4.400 e na Reclamação n.º 22.012, esta última julgada em 05.12.2017 (após a reforma trabalhista), abrangendo especificamente a utilização da IPCA-E na Justiça do Trabalho.
Em suma, o entendimento deste magistrado, após a modulação dos efeitos, prevaleceu o entendimento de que a TRD não respeita o direito de propriedade, pois não recompõe a perda inflacionária havida ao longo do tempo, merecendo ser adotado o critério acima descrito, inclusive para que não haja afronta aos princípios da isonomia e da proporcionalidade. Para que não se alegue omissão, registro meu posicionamento, no sentido restaram afetadas as disposições contidas nos arts. 39 da Lei n.º 8.177/91 e 879, §7º, da CLT, OJ 300 da SDI-1 e TJP 23 do TRT/SP, que somente se direcionam aos débitos anteriores ao marco acima descrito (TST, AIRR-25823-78.2015.5.24.0091, 15/12/2017; TRT/SP, RO 1001046-70.2017.5.02.0053, 09/08/2018).
Assim sendo, e considerando-se que o presente feito versa exclusivamente sobre parcelas devidas após março/2015, somente cabe a aplicação do IPCA. Quando da apuração, deverá ser observado o marco temporal da exigibilidade de cada obrigação, seguindo a diretriz do artigo 459 da CLT e da Súmula 381 do TST, respeitada a Súmula 439 do TST para a indenização por danos morais.
Sobre o valor corrigido incidirão juros moratórios de modo simples, no importe de 1% ao mês, a partir do ajuizamento da ação, com esteio no art. 883 da CLT e na Súmula 200 do C. TST, não havendo que cogitar de SELIC, por ausência de amparo legal. O cálculo será realizado de acordo com a Tabela Única de Atualização e Conversão de Débitos Trabalhistas do CSJT vigente no momento da liquidação, observada a Súmula 07 do TRT/02, pois cabe ao devedor arcar com todos os encargos decorrentes da eventual demora processual, sendo seu o dever de primar pelo rápido cumprimento da sentença judicial.
São devidas contribuições previdenciárias (INSS) sobre todas as verbas de natureza salarial, assim consideradas apenas aquelas que se amoldem no disposto do art. 28, I, da Lei 8.212/91, não sendo este o caso do aviso prévio indenizado, das férias indenizadas e do terço de férias, por exemplo (STJ, Resp n.º 1.230.957). A apuração e o recolhimento das quotas empregador e empregado serão feitos pela parte ré, respeitadas as alíquotas e o limite mensal do salário-de-contribuição (art. 276, § 4º, do Decreto n º 3.048/99 c/c art. 198 da Lei 8.212/91), não se aplicando ao caso o artigo 33, § 5º, da Lei nº 8.212/91, dado que tal norma somente tem cabimento no curso do contrato, e não em Juízo. Consequentemente, deve cada litigante arcar com sua própria quota-parte, visto se tratarem de contribuintes obrigatórios, sem prejuízo da observância das prerrogativas legais aplicáveis ao caso na fase de liquidação.
O cálculo seguirá o regime de competência e o fato gerador previsto nos itens III e IV da Súmula 368 do TST, com atualização a partir do dia 20 do mês subsequente ao efetivo pagamento (art. 30, I, "b", da Lei n.° 8.212/91), devendo a demandada realizar o recolhimento da GPS, comprovando nos autos a consequente informação via GFIP/SEFIP, no prazo de até 30 dias da intimação da sentença de liquidação. O recolhimento em tela abrange inclusive as contribuições previdenciárias devidas em razão de seguro de acidente de trabalho (SAT), conforme arts. 11 e 22 da Lei nº 8.212/91 (Súmula 454 do TST), mas não alcança, por outro lado, as contribuições eventualmente devidas a terceiros, dados os limites de competência desta Especializada, consoante traçado pelos arts. 114, 195 e 240 da Constituição (Enunciado 74 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho).
São devidas, ainda, contribuições fiscais (IRPF) sobre os rendimentos passíveis de incidência do imposto de renda (artigo 43 do Decreto 3.000/1999), onde não se incluem a contribuição previdenciária, os honorários e os juros, por exemplo (OJ 400 da SDI-1 e Súmula 19 do TRT/SP). O cálculo observará a tabela progressiva e a atualização mês a mês, na forma do art. 12-A da Lei nº 7.713/88 e IN n.º 1.500/2014 da RFB, devendo a retenção ser feita nos termos do artigo 46 da Lei 8.541/92.
Impende consignar que é do empregador a responsabilidade pelo recolhimento das contribuições acima descritas, a quem caberá comprovar nos autos o pagamento. Tal fato, todavia, não enseja a responsabilidade exclusiva da parte demandada e tampouco autoriza o deferimento de indenização compensatória (arts. 186 e 404 do CCB), haja vista que a parte autora também se enquadra no conceito de contribuinte obrigatório (Súmula 368, II, "in fine" do TST). Descabe falar, ainda, em aplicação da Súmula 17 deste Regional, visto que já superada pela legislação federal.
Saliento que os abatimentos e/ou deduções eventualmente cabíveis já foram deferidos acima, inexistindo outras compensações a serem realizadas, ao menos no entender desse Juízo, porquanto não demonstradas as hipóteses legais dos arts. 368 do CCB e 767 da CLT c/c Súmula 18 do TST. Em arremate, destaco que a parte ré, caso se transforme em executada, pode ser validamente citada na pessoa de seu advogado, mas sem que incida a multa do art. 523 do CPC, ante a incompatibilidade do instituto com o processo laboral (Súmula 31 do TRT/SP e Tema Repetitivo 4 do TST).
De resto, é evidente que os demais prazos e critérios de liquidação/execução deverão ser debatidos no momento oportuno, que é a fase de cumprimento de sentença, não sendo esta a etapa adequada para se arvorar na matéria.
15. Dos demais requerimentos e esclarecimentos finais
Apenas para evitar a oposição de embargos protelatórios, consigno que o Juízo não se encontra obrigado a rebater os argumentos meramente contingenciais e tampouco as alegações subsidiárias, que, por sua própria natureza, são incapazes de atingir a decisão adotada nos capítulos acima descritos (art. 489, § 1º, IV, do CPC c/c art. 15 e incisos da IN 39/16 TST). Além disso, registro que a conclusão não precisa repetir os termos utilizados pelo magistrado, sendo válido o dispositivo meramente remissivo (TST-E-ED-RR-44900-98.2002.5.04.0701, SBDI-I, rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho, DJ 18/05/2017).
Por oportuno, atentem as partes que os embargos declaratórios não servem para discutir o conteúdo das provas e tampouco para obter a reforma do julgado, devendo tais pretensões serem dirigidas à instância revisora. De todo modo, é certo que, por imperativo legal, em caso de eventual omissão ou mesmo vício de nulidade, o próprio Tribunal é competente para complementar ou sanear o feito de modo imediato, sem necessidade de baixa dos autos ao primeiro grau (art. 1.013, §§ 1º e 3º, do CPC c/c Súmula 393 do C. TST), que inclusive já encerrou sua função jurisdicional na fase cognitiva, sem qualquer necessidade de pré-questionamentos.
São estas, portanto, as razões de decidir.
III - DA CONCLUSÃO
Diante do exposto e nos termos da razão de decidir supra, que integra este dispositivo para todos os efeitos, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por WANDERLEY CHRISPIM em face de MELHORAMENTOS CMPC LTDA, para o fim de declarar nula a "pejotização", reconhecendo a unicidade contratual narrada na peça de ingresso, condenando a ré nas obrigações, títulos e consectários legais descritos nos capítulos 4, 5, 6, 7 e 14 supra, exatamente como consta na fundamentação (arts. 832 da CLT e 487, I, do CPC).
O valor total efetivamente devido será apurado por simples cálculos, no prazo legal, atentando-se quanto aos juros, correção monetária, contribuições tributárias e demais parâmetros descritos no corpo do julgado, ficando deferidos os benefícios da justiça gratuita à parte autora e restando autorizado o pagamento do FGTS diretamente nestes autos.
Honorários advocatícios recíprocos, no importe de 15% e na forma do capítulo 11 supra.
Custas processuais pela ré, fixadas no importe de R$ 14.000,00, calculadas sobre o valor da condenação, ora arbitrada em R$ 700.000,00, e sujeitas a complementação ao final (art. 789, I, da CLT).
Após o trânsito em julgado, expeçam-se os ofícios à SRF, CEF, SRT e INSS, conforme determinado no capítulo 13 supra.
Sentença antecipada. Intimem-se as partes.
Mogi das Cruzes - SP, 13.02.2019.
MATHEUS DE LIMA SAMPAIO
Juiz do Trabalho Substituto