Em sede de recurso em sentido estrito, a Primeira Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou pela impossibilidade de ser reconhecida concomitantemente as qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio.
No caso, ´´ambas as qualificadoras subjetivas – motivo torpe e feminicídio – revelam situação atrelada às condições do sexo feminino, não podendo ser reconhecidas concomitantemente´´.
Trecho do voto:
Inviável o reconhecimento concomitante das qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio. Conforme sustentado alhures, o crime teria sido cometido em razão do ciúme do acusado em relação a sua companheira, denotando sentimento de posse. E justamente este sentimento é que revelaria que o crime foi cometido em subjugação à mulher, em razão da condição do sexo feminino. A coisificação de sua companheira, como se um bem material seu fosse, teria feito com que o acusado não se conformasse com que a vítima desrespeitasse suas regras. Deste modo, no caso concreto ambas as qualificadoras subjetivas – motivo torpe e feminicídio – revelam situação atrelada às condições do sexo feminino, não podendo ser reconhecidas concomitantemente, sob pena de indevido bis in idem.
Registro, no ponto, que embora a existência de precedentes no âmbito do Superior Tribunal de Justiça em sentido contrário (pela possibilidade do reconhecimento concomitante das qualificadoras em questão), ainda pende de julgamento o Resp nº 1.879.701/PR, o qual, sob o rito dos recursos repetitivos, o STJ decidirá a questão.
Deve prevalecer, sem embargo, a qualificadora prevista no inciso VI do parágrafo 2º do artigo 121 do Código Penal. Em razão do critério da especialidade, considerando que substancia a clara e recente política criminal, de base constitucional, no sentido de erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher. Deste modo, deve ser mantida a qualificadora do feminicídio e afastada a relativa ao motivo torpe, que, no caso, seria substancialmente o ciúme.
Ementa do julgado:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIMES CONTRA A VIDA. HOMICÍDIO QUALIFICADO. FRAUDE PROCESSUAL. PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. QUALIFICADORA DO FEMINICÍDIO MANTIDA. QUALIFICADORA DO MOTIVO TORPE AFASTADA. MANTIDO AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA DE RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. NÃO RECONHECIMENTO. PRONÚNCIA PELO DELITO CONEXO. 1. A existência do fato restou demonstrada e há suficientes indícios de autoria. Nesta primeira fase processual, indaga-se da viabilidade acusatória, a sinalizar que a decisão de pronúncia não é juízo de mérito, mas de admissibilidade. No caso em tela, as versões apresentadas pelo réu não se mostram comprovadas indubitavelmente diante de outros elementos contidos nos autos. Prova pericial e testemunhal que indicam que o réu, que mantinha, em tese, relação de posse em relação à vítima, teria matado a ofendida mediante disparo de arma de fogo, bem como descartado o corpo. Tese de suicídio que é rechaçada por outros elementos existentes no processo. 2. Qualificadora do feminicídio deve ser submetida aos jurados. Relato das testemunhas que denotam que o acusado mantinha sentimento de posse em relação à vítima. Indicativo de subjugação da mulher em razão da condição do sexo feminino que autoriza a submissão da qualificadora ao Conselho de Sentença. 3. Inviável o reconhecimento concomitante das qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio. No caso concreto ambas as qualificadoras subjetivas – motivo torpe e feminicídio – revelam situação atrelada às condições do sexo feminino, não podendo ser reconhecidas concomitantemente. Assim, mantida a qualificadora do feminicídio e afastada a relativa ao motivo torpe. 4. Remanesce afastada a qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima. Ausência de elementos que permitam remontar, com a clareza necessária, a dinâmica dos fatos. Indicativos de relacionamento abusivo e de luta corporal entre réu e vítima. Surpresa que não encontra amparo nos elementos contidos no cabedal probatório. 5. Delito conexo de fraude processual cuja materialidade está comprovada, presentes indícios mínimos da autoria delitiva. Impossibilidade de aplicação do princípio da consunção na fase da pronúncia, por ofensa ao princípio da soberania dos veredictos. Precedente do STJ. RECURSO MINISTERIAL DESPROVIDO. RECURSO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO, POR MAIORIA.(Recurso em Sentido Estrito, Nº 70084508753, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jayme Weingartner Neto, Julgado em: 11-11-2020)
Fonte: Site TJRS