Uma das coisas mais importantes em qualquer estudo é a delimitação do objeto de estudo, daí, natural que neste segundo capítulo se faça a distinção entre três categorias equivocadamente tratadas como sinônimas: capacho, baba-ovo e puxa-saco.
Num sentido literal, capacho não passa de um tapete utilizado para limpar e aquecer os pés. Normalmente é feito de material grosseiro, resistente e de menor valor, não se prestando ao aformoseamento de ambientes, motivo em razão do qual permanecem do lado de fora ou, no máximo, na entrada dos ambientes, nunca no centro. Daí, numa analogia quase automática, percebe-se que, dentro do ambiente laboral, capacho é aquele profissional sem qualificação para as atividades que desempenha, desviado de função por ato de generosidade do chefe e que precisa praticar a bajulação por sobrevivência profissional, evitando assim ser devolvido para a respectiva atividade-fim.
Via de regra, por se confiarem no poder do chefe que os colocou onde jamais deveriam estar, são mais autoritários que o próprio chefe, sendo contumazes em dar ordens absurdas, sempre utilizando-se no nome do chefe em vão, uma vez que se pedirem algo em nome próprio serão totalmente ignorados, quando não ridicularizados em sua insignificância.
Estão mais presentes entre categorias com pouca ou nenhuma identidade profissional e irrisória capacidade organização e mobilização. Fossem as categorias mais maduras, sequer deveriam existir, uma vez que, cotidianamente, usurpação as funções dos outros, na mesma medida em que os nivela por baixo, já que se qualquer um, ainda que totalmente desqualificado, faz o trabalho dela, nada mais justo que receba qualquer valor como pagamento.
Também podem, por motivos óbvios, serem conhecidos como chupins, numa referência à espécie de aves da família Icteridae, famosa pela prática oportunista de colocar os respectivos ovos em ninho alheio para que a outra ave os choquem, ainda que às custas dos respectivos filhotes, que acabam morrendo de fome.
A segunda categoria, dos "baba-ovos" refere-se aos deslumbrados, ou seja, àquelas pessoas que ficam hipnotizadas com quaisquer figuras de autoridades e, uma vez diante de uma delas, ficam bestificadas e de boca aberta, ao ponto de a baba escorrer pelo canto da boca e pingar por sobre os respectivos testículos.
Ocorre que a necessidade de adequação aos novos tempos, em especial às demandas das lutas identidárias por de igualdade e representatividade, impõe a superação da nomeclatura para outra mais inclusiva. Afinal, se de um lado a expressão "baba-ovo" reveste-se de extremo machismo, negando reconhecimento da prática pelas mulheres, de outro, a adoção de expressões femininas similares, como "baba-pinguelo" ou "baba-xana", consistiriam em extrema e injustificável grosseria.
Contudo, uma vez que extrapola a solução deste problema extrapola a natureza estritamente descritiva do presente material, deixa-se de tentar aprofundar na escolha da titulação politicamente correta, deixando para que as pessoas com lugar de fala sobre a matéria decidam se preferem a continuidade do termo baba-ovo, se preferem um termo neutro como baba-ove, ou qualquer outro que lhes seja mais conveniente.
Por último chegamos à categoria dos puxa-sacos, esses sim objetos de toda a pretendida série de ensaios. Inicialmente, urge desmistificar o recorrente equivoco de se imaginar que o termo puxa saco corresponderia a uma atividade metaforicamente a algum tipo de quiroprática testicular, consequentemente, sujeita às mesmas ressalvas já feitas em relação ao baba-ovo.
Ocorre que o termo puxa saco, assim como os recentes lucros da fábrica de Viagra e as de leite condensado, bem como da pintura das nossas estradas corresponde a uma contribuição dos militares ao país.
Pra quem não sabe, no período colonial, quando um oficial militar era transferido, levava consigo os respectivos pertences guardados dentro de um saco de pano, conferindo-se a um subordinado a atribuição de carregá-lo. Ocorre que esse subordinado, encarregado de puxar o saco do chefe de um lado pro outro, já tinha de cara o benefício de ser dispensado das instruções e atividades físicas, além de, por firmas laços equiparados à amizade com o chefe, acabava sempre sendo o primeiro nome a ser lembrado na hora da concessão de qualquer benefício ou promoção de mérito.
Consequentemente, esse profissional acabou se tornando objeto de um misto de inveja e admiração por seus pares, sobretudo daqueles que acabavam tendo que fazer as atividades que originariamente caberiam ao puxa saco.
Percebe-se então que o ato de puxar saco demanda uma postura ativa. Daí não poder ser confundida com babar ovo que nada mais é do que ficar admirando alguém embasbacado, de boca aberta, ao ponto de a baba escorrer pelo canto da boca e pingar nos respectivos testículos. Ou seja, numa postura passiva.
De outra feita, não basta ao puxa saco adotar posturas ativas, ou seja, fazer algo. Cabe a ele ser proativo, tomando atitudes por iniciativa própria, logo, também não pode ser confundido com o capacho, uma vez que nenhuma das condutas ativas deste são tomadas por iniciativa própria, mas sim em obediência a uma ordem superior, reais ou imaginadas.
Por fim, equivocado também é fazer confusão entre um puxa saco e uma tiete. Tiete é usado como indicativo de fã, ou seja, de admirador apaixonado. Em apertada síntese, fã é uma pessoa que age movida por motivações empáticas, afetivas, enquanto que o puxa saco é um estrategista por excelência movido por interesses que tanto podem ter cunho financeiro, de status ou de preguiça, jamais a mera admiração.
Destarte, uma fez feitas as necessárias distinções, presumo que esteja bem claro que, ao longo de todos as etapas dessa série, tratar-se-á apenas da figura do puxa-saco e, na medida do possível, espera-se conseguir a elevação dele da figura de pária laboral para a de verdadeiro ícone. Bem como, na medida do possível, conferindo o instrumental básico para que aqueles que o desejem e tenham aptidão natural, possam empenhar-se em evoluir nessa tão concorrida e importante atividade.