A quarta revolução industrial, que está promovendo a digitalização de diversos modelos de negócio, processos produtivos e relações de trabalho no mundo, traz também uma série de desafios para o Direito.
Ao transformar as relações sociais e de propriedade, a transformação digital estressa o marco jurídico existente e demanda o desenvolvimento de novas regras para um jogo cada vez mais online e digitalizado. E a primeira frente de transformação do Direito se dá no âmbito dos contratos, onde as mudanças tendem a acontecer antes da jurisprudência ou das legislações.
Vejamos, por exemplo, o caso do trabalho em home office. Ele foi incluído no ordenamento jurídico trabalhista sob a forma de teletrabalho, por meio da reforma trabalhista, na forma dos artigos 75-A a 75-E. Contudo, já era uma realidade em várias empresas, que inclusive contavam com aplicativos para controle de jornada de trabalho em casa.
Várias empresas usaram o recurso para contornar o impacto de eventos, como a recente greve de caminhoneiros, que impactam a mobilidade dos trabalhadores. A viabilidade do trabalho remoto foi assegurada por meio de contratos entre as empresas e seus colaboradores.
Outros temas tendem a ser pacificados primeiro por meio de contratos. É o caso da segurança da informação. Enquanto as leis não derem conta das novas realidades abertas com a transformação digital, como máquinas conectadas a algoritmos de machine learning por meio da internet, elas precisarão ser protegidas contratualmente pelos diversos envolvidos na operação — operador de telecomunicações, fornecedor do algoritmo, etc.
O Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), por exemplo, apenas estabelece que o provedor de serviços de internet é responsável pela segurança dos dados, em uma redação pensada para usos mais comuns, como e-mails. Ainda há espaço para regulação de temas como a captação de dados que não exigem necessariamente a quebra da privacidade, e que são a base do funcionamento de grande parte do big data.
Uma prática bastante disseminada na internet são os termos de uso, espécie de contrato que regula o uso das informações captadas na interação digital, desde cadastros até cookies e dados de IP. Os termos de uso têm sido a forma mais comum de regulação das relações digitais. Contudo, também é comum no Brasil que eles não recebam a devida atenção, seja do usuário, seja dos empreendedores.
Vários aplicativos não contam com termos de uso que autorizem o acesso a informações dos usuários. E os usuários muitas vezes ignoram quão profundas são as informações eles estão disponibilizando às empresas.
Um avanço no regulamento contratual das relações digitais serão os smart contracts. Já existentes em blockchains como a Ethereum, os smart contractssão contratos em formato de software. As cláusulas são comandos dispostos em linhas de código, e as penalidades geradas pelos descumprimento do contrato são acionadas automaticamente.
Nesse modelo, o advogado tenderá a se tornar uma espécie de programador, capaz de traduzir regras legais para a linguagem de programação. Uma vez que as relações reguladas pelo contrato são digitais, elas podem estar atreladas a softwares que fazem valer as regras na mesma lógica digital em que as relações sociais são construídas. Isto atrelado a algoritmos de inteligência artificial pode dar a origem a contratos muito mais eficientes que os atuais, reduzindo inclusive a judicialização das relações comerciais e de trabalho.
Trata-se de um futuro novo e diferente. Já está comum dizer que a inteligência artificial pode eliminar trabalhos comumente atribuídos a advogados. Mas o advogado preparado para a transformação digital estará em vantagem. Ao invés de ser substituído por algoritmos de inteligência artificial, será ele o desenvolvedor do novo Direito Digital, convertendo diplomas legais em linhas de código com aplicação em tempo real.