Ao analisar, a questão o magistrado deu razão à candidata. Vejamos:
Trata-se de apelação impetrada contra a sentença que, em mandado de segurança impetrado por candidata aprovada em concurso público em face do Município de São Paulo, denegou a segurança, negando a pretensão da impetrante à nomeação e posse em cargo público de analista de assistência e desenvolvimento social, ainda que aprovada em concurso público dentro do número de vagas previstas no edital.
Recorre a impetrante requerendo a inversão do julgado. Afirma que os impactos da crise mundial de 2008/2009 na economia brasileira já estavam superados em 2014, não importando em evento extraordinário ou excepcional. Aduz que havia a devida reserva orçamentária para suportar as despesas que decorreriam da contratação dos candidatos aprovados para o preenchimento das vagas disponibilizadas.
Contrarrazões regularmente apresentadas. Não houve oposição ao julgamento virtual. É o relatório.
O pedido recursal deve ser provido.
Sobre a matéria, o E. STF assentou que seria possível, mediante a comprovação do cumprimento de requisitos excepcionais, estabelecidos no julgamento do RE 598.099/MS em sede de repercussão geral, a não nomeação dos candidatos aprovados dentro do número de vagas previstas para o certame.
Leia-se:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. CONCURSO PÚBLICO. PREVISÃO DE VAGAS EM EDITAL. DIREITO À NOMEAÇÃO DOS CANDIDATOS APROVADOS. I. DIREITO À NOMEAÇÃO. CANDIDATO APROVADO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL. Dentro
do prazo de validade do concurso, a Administração poderá escolher o momento no qual se realizará a nomeação, mas não poderá dispor sobre a própria nomeação, a qual, de acordo com o edital, passa a constituir um direito do concursando aprovado e, dessa forma, um dever imposto ao poder público. Uma vez publicado o edital do concurso com número específico de vagas, o ato da Administração que declara os candidatos aprovados no certame cria um dever de nomeação para a própria Administração e, portanto, um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro desse número de vagas. (...)
III. SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. CONTROLE PELO PODER JUDICIÁRIO. Quando se afirma que a Administração Pública tem a obrigação de nomear os aprovados dentro do número de vagas previsto no edital, deve-se levar em consideração a possibilidade de situações excepcionalíssimas que justifiquem soluções diferenciadas, devidamente motivadas de acordo com o interesse público. Não se pode ignorar que determinadas situações excepcionais podem exigir a recusa da Administração Pública de nomear novos servidores. Para justificar o excepcionalíssimo não cumprimento do dever de nomeação por parte da Administração Pública, é necessário que a situação justificadora seja dotada das seguintes características:
a) Superveniência: os eventuais fatos ensejadores de uma situação excepcional devem ser necessariamente posteriores à publicação do edital do certame público;
b) Imprevisibilidade: a situação deve ser determinada por circunstâncias extraordinárias, imprevisíveis à época da publicação do edital;
c) Gravidade: os acontecimentos extraordinários e imprevisíveis devem ser extremamente graves, implicando onerosidade excessiva, dificuldade ou mesmo impossibilidade de cumprimento efetivo das regras do edital;
d) Necessidade: a solução drástica e excepcional de não cumprimento do dever de nomeação deve ser extremamente necessária, de forma que a Administração somente pode adotar tal medida quando absolutamente não existirem outros meios menos gravosos para lidar com a situação excepcional e imprevisível. De toda forma, a recusa de nomear candidato aprovado dentro do número de vagas deve ser devidamente motivada e, dessa 4+9forma, passível de controle pelo Poder Judiciário. (...) V. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. (RE 598099, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 10/08/2011, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-189 DIVULG 30-09-2011 PUBLIC 03-10-2011 EMENT VOL-02599-03 PP-00314 RTJ VOL-00222-01 PP-00521 grifo nosso)
O acórdão acima transcrito é o último passo na evolução da jurisprudência do E. STF que caminhou progressivamente da tese da mera expectativa de direito em favor do candidato aprovado (RE-AgR 306.938) para a existência de direito subjetivo (RE 227.480).
Tem-se, pois, que o direito à nomeação constitui típico direito público subjetivo em face do Estado, fundado no princípio da acessibilidade aos cargos públicos, direito fundamental expressivo da cidadania, que, segundo obra doutrinária da Min. Cármen Lucia, deriva de outros princípios informadores da organização do Poder Público no Estado Democrático de Direito, quais sejam, o princípio democrático de participação política, o princípio republicano e o princípio da igualdade.
Percebe-se, ao longo do enriquecimento de tal jurisprudência, a ênfase contínua no dever que atinge a Administração Pública de agir com boa-fé, respeitando incondicionalmente as regras do edital produzido unilateralmente por ela. Tal dever deriva expressamente da necessária observância da segurança jurídica, pedra angular do Estado de Direito.
Pela obrigatoriedade de obediência a tal preceito, que o STF condicionou a recusa da nomeação dos candidatos à ocorrência de situações excepcionalíssimas, dotadas cumulativamente das características superveniência, imprevisibilidade, gravidade e necessidade.
E na conceituação dada pelo próprio relator:
Superveniência: os eventuais fatos ensejadores de uma situação excepcional devem ser necessariamente posteriores à publicação do edital do certame público.
Imprevisibilidade: a situação deve ser determinada por circunstâncias extraordinárias, imprevisíveis à época da publicação do edital. Situações corriqueiras ou mudanças normais das circunstâncias sociais, econômicas e políticas não podem servir de justificativa.
Gravidade: os acontecimentos extraordinários e imprevisíveis devem ser extremamente graves, implicando onerosidade excessiva, dificuldade ou mesmo impossibilidade de cumprimento efetivo das regras do edital.
Necessidade: a solução drástica e excepcional de não cumprimento do dever de nomeação deve ser extremamente necessária. Isso quer dizer que a Administração somente pode adotar tal medida quando absolutamente não existirem outros meios menos gravosos para lidar com a situação.
Feitas essas considerações, não é possível vislumbrar que os chamados prejuízos fiscais e queda de arrecadação eram imprevisíveis. Para 2019, a própria Prefeitura de São Paulo afirmou prever a queda de arrecadação de R$ 5.300.000.000,00 (cinco bilhões e trezentos milhões de reais) derivada unicamente de renúncias fiscais com o PPI, o que se repete de forma regular Também não sensibiliza a afirmação de que toda a receita corrente estaria comprometida com outras despesas. A escolha de alocação dos recursos segue uma esquadria prevista nas Leis Orçamentárias, aprovada pelo braço legislativo do ente federativo. E, saliente-se, a alegação genérica de crise econômica não é suficiente, quando não acompanhada de provas de severo comprometimento das finanças municipais em todos os aspectos. De tal ônus a apelada não se desincumbiu.
As vagas previstas em edital já pressupõem a existência da vacância e previsão em Lei Orçamentária que precede a própria abertura do certame.
Diante desse cenário, impositivo o reconhecimento do direito
subjetivo à nomeação.
Pelo exposto, por meu voto, dou provimento ao recurso de apelação, para determinar a convocação da impetrante no prazo de 30 dias contados da publicação desta decisão, observada a prévia convocação daqueles melhor classificados no certame.
Processo: 1018465-17.2019.8.26.0053 - TJ/SP