Os contratos de financiamento habitacional firmados com instituições financeiras são regulamentados em parte pela Lei 9.514/97 que autoriza o credor, em um ato administrativo, proceder com a execução forçada do contrato, em caso de inadimplência e posteriormente mandar o imóvel a leilão para pagamento da dívida. Ocorre que, apesar de se tratar de um procedimento administrativo, o credor deve observar a forma prescrita na lei para que todo o ato seja válido.
Nos termos da Lei 9.514/97, mais precisamente em seu artigo 26, “vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário”. Para constituição em mora do devedor, cabe ao credor fiduciário o ônus de intimar o devedor via Cartório de Registro de Imóveis a satisfazer o crédito, em quinze dias. Não satisfeita a dívida no prazo legal, consolida-se a propriedade em nome do credor fiduciário, ou seja, transfere-se para o credor fiduciário a propriedade do imóvel.
Uma vez consolidada a propriedade em nome do credor fiduciário, deverá este, no prazo de trinta dias, promover o público leilão para alienação do imóvel, conforme determina o art. 27 da Lei 9.514/97. Ainda com relação aos leilões, deverá o credor informar o devedor mediante correspondência dirigida aos endereços constantes do contrato, inclusive endereço eletrônico, as datas, horários e locais de realização dos dois leilões. Não sendo o imóvel arrematado por terceiro, passará ele então a integrar o patrimônio da instituição financeira, sendo recebido como forma de pagamento de todo o financiamento, contemplando as prestações em aberto e o saldo devedor.
Como se vê, apesar da simplicidade e ausência de fiscalização judicial acerca do procedimento de execução, ainda assim existem requisitos que deve ser cumpridos pela instituição financeira, cabendo destaque às intimações e notificações que devem obrigatoriamente ser encaminhadas ao devedor, tanto para pagar a dívida quanto acerca dos leilões.
Em ação julgada pelo juízo da 1ª Vara Cível e Criminal da Subseção Judiciária de Uberlândia, foi declarada a nulidade do procedimento de execução realizada pela Caixa Econômica Federal sob o argumento de não preenchimento dos requisitos legais para validade do procedimento, notadamente quanto a notificação do devedor via cartório de registro de imóveis para pagamento da dívida (purga da mora):
Em exame da documentação anexada aos autos, nota-se que o ato de constituição em mora do autor não foi realizado da forma devida.
Ou seja, o ponto de que depende a solução da controvérsia, e o que fora o ponto de dissenso em inicial, reside em analisar o ato de constituição em mora da parte autora, que afirma que não foram notificado devidamente para purgar a mora.
(…)
Sobreleva mencionar que, conquanto a Lei confira ao fiduciário/credor papel determinante na condução da expropriação, o procedimento deve ser examinado com a máxima cautela, observando estritamente os rigores ditados pelo devido processo legal, notadamente o contraditório e a ampla defesa. Qualquer desarranjo da liturgia empregada na metodologia é o suficiente a invalidar a desapropriação.
(…)
No caso, e mesmo intimada por mais de uma vez, a CAIXA não apresentou qualquer prova da tentativa de notificação pessoal do autor para purgar a mora.
Apenas apresentou aos autos certidão do cartório, informando que, por estar em lugar incerto e não sabido, foi notificado por edital (fl. 167 – ID nº 162566386).
Por outro lado, a prova testemunhal colhida em audiência de instrução (fl. 602 e mídia disponível no PJE), demonstrou que o autor não se encontra(va) em lugar incerto e não sabido, e que à época da tentativa de notificação para purgar a mora residia no imóvel financiado.
Ou seja, além de o autor ter afirmado que não foi notificado devidamente e apresentado provas de que reside no local objeto de tentativa de notificação, a CAIXA não apresentou prova da tentativa de notificação pessoal, como preceitua o artigo 26, § 3º da Lei nº 9514/97, mas sim a notificação por edital, que é justamente a exceção.
Percebe-se, portanto, que a notificação fora feita de forma incorreta, o que torna eivada de vícios o procedimento de consolidação da propriedade.
A notificação para purgar da mora, mais do que uma exigência procedimental é o momento pelo qual o devedor recebe a oportunidade de pagamento da dívida, inclusive, eventual recusa do credor em receber o pagamento neste prazo legal de 15 dias poderá caracterizar mora do mesmo.
Para o caso acima citado, a consequência jurídica fora a nulidade do procedimento de execução, e consequentemente o retorno do imóvel para propriedade do mutuário com reestabelecimento do contrato para fins de pagamento da dívida pelo mutuário.