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Constitucionalidade do FUST face ao princípio da isonomia

Agenda 01/02/2002 às 01:00

A conclusão é pela inconstitucionalidade, em virtude de tratamento desigual a entes participantes do grupo econômico afetado pela intervenção.

1.Considerações preliminares - o dispositivo constitucional

A CIDE está regulamentada no art. 149 da Constituição Federal que dispõe, in verbis:

"Art. 149 – Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos art. 146, III e 150 I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195 § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo."

A análise do dispositivo reproduzido revela três elementos básicos da CIDE, quais sejam (a) a utilização desse instrumento como meio de intervenção e regulação da livre iniciativa; (b) a limitação do grupo atingido pela exação e (c) os princípios constitucionais a que está submetida. Em nossa análise, limitamo-nos ao exame do grupo atingido pela exação e da aplicação do princípio da isonomia tributária.


2.O pólo passivo nas hipóteses de instituição da CIDE

Os limites constitucionais, implícita ou explicitamente apresentados no texto ora reproduzido, vêm sendo interpretados por diversos autores, sendo assertiva geral, senão unânime, o fato de que a CIDE deve onerar apenas e tão somente aqueles que pertencem a determinado grupo econômico, sob pena de inconstitucionalidade. É o que se depreende dos comentários apresentados pelo ilustre Ricardo Mariz de Oliveira que assevera:

"No caso das contribuições de intervenção, mais se impõe a necessidade de relação ou vínculo com os respectivos fatos geradores, a partir de que a premissa constitucional para a instituição dessa espécie tributária é ela ser instrumento da atuação da intervenção da União numa determinada área" [1].

No mesmo sentido são as palavras do Prof. Marco Aurélio Greco, in verbis:

"Outro parâmetro para exame destas contribuições resulta da circunstância de a intervenção voltar-se a uma determinada área ou setor da economia. Ou seja, a contribuição supõe a existência de um grupo atrelado à finalidade que se quer alcançar. Tratando-se de figura voltada a um grupo, disto decorre que os contribuintes devem fazer parte do conjunto alcançado pela intervenção.Se os contribuintes, indicados na lei que instituir a contribuição, não fazem parte do grupo ao qual a finalidade diretamente se atrela, das duas uma: ou falta racionalidade à exigência, o que fere o princípio da razoabilidade e a garantia do devido processo legal material; ou o grupo é mais amplo do que aparenta ser, dele fazendo parte também os contribuintes indicados na lei. Na segunda hipótese, se o grupo é mais amplo do que pareceria à primeira vista, então é necessário proceder a um novo exame para verificar se há cabimento da intervenção nesse grupo mais amplo etc., lembrando-se que, a meu ver, existe um limite para a ampliação do grupo, pois pode-se chegar ao ponto de não mais ser uma ‘parte’ da coletividade, mas ela toda, o que faz desaparecer a intervenção enquanto tal."[2]

Em resumo, podemos inferir que a normatização precisa e objetiva dos sujeitos posicionados no pólo passivo da relação tributária é elemento indispensável à caracterização da CIDE, sob pena inconstitucionalidade da mesma.

Partindo dessa premissa, caberia avaliar o conceito de "grupo econômico". A análise do vocábulo em abstrato poderia levar à "elasticidade" vislumbrada nas palavras do Prof. Marco Aurélio Greco, qual seja, a possibilidade de entender que o grupo econômico afetado pela CIDE – caracterizado como contribuinte – poderia abranger qualquer conjunto de pessoas, físicas ou jurídicas, que tenham algum elemento em comum. Ressalve-se, porém, que o próprio autor alerta que o excesso na definição do pólo passivo da relação tributária - quer dizer, a inclusão de pessoas que não tem relação direta com a atividade objeto da intervenção - poderá resultar na afronta ao princípio da razoabilidade, quiçá na descaracterização da finalidade interventora da contribuição, e por conseguinte, em sua inconstitucionalidade. Diante da dificuldade de conceituar "grupo econômico" em abstrato, socorremo-nos da análise das CIDEs recentemente instituídas.

No setor de Telecomunicações, foram instituídas duas contribuições, quais sejam o FUST e o FUNTTEL. Em ambos os casos, definiu a legislação instituidora que são contribuintes as empresas prestadoras de serviços de telecomunicações. Nesse caso, é obvia a oneração de um grupo específico que exerce a mesma atividade econômica, tanto mais pelo fato de ser dita atividade pública explorada em regime privado por meio de concessão, permissão ou autorização. Parece-nos também sustentável a função interventora das contribuições citadas. No caso do FUST, a regulação mercadológica se dá pelo subsídio na prestação de serviços de telecomunicação que, sem tal apoio, são economicamente inviáveis. No caso do FUNTTEL, a atividade estatal se consubstancia no fomento de processos de inovação tecnológica, na capacitação de recursos humanos, na geração de empregos e promoção de acesso de pequenas e médias empresas a recursos de capital, de modo a ampliar a competitividade da indústria brasileira de telecomunicações.

A precisão na definição do grupo econômico onerado, a nosso ver, não se manteve na instituição da CIDE sobre os contratos de transferência de tecnologia. A Lei nº 10.168, de 29 de dezembro de 2001, dispõe que são contribuintes as pessoas jurídicas detentoras de licença de uso ou adquirente de conhecimentos tecnológicos, bem como aquela signatária de contratos que impliquem transferência de tecnologia, firmados com residentes ou domiciliados no exterior. Não há de se dizer que os contribuintes exercem atividades similares ou têm características comuns, restando como único elemento de ligação a posse ou propriedade de conhecimentos tecnológicos. Tampouco conseguimos identificar com precisão a função regulatória visto que a incidência não regula, nem equaliza, nem incentiva o grupo econômico onerado, representando, a nosso ver, mero instrumento de captação de recursos para subsídio da indústria nacional, em clara afronta aos princípios constitucionais da razoabilidade, da isonomia e da capacidade contributiva.


2.A aplicação do princípio da isonomia

Assentado o conceito de grupo econômico, caberia discutir a aplicação do princípio constitucional da isonomia, garantidos no art. 5º (conceito genérico) e, em especial, no art. 150, II da Constituição Federal vigente (princípio da isonomia tributária). Vale a reprodução do inciso citado do art. 150:

"Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – [...]

II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão da ocupação profissional ou função por eles exercida, independente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;"

Da inteligência do texto reproduzido, importante destacar a proibição do tratamento desigual a contribuintes que se encontrem em situação equivalente. Não se dispõe sobre proibição genérica, a todos os contribuintes, sob pena de inviabilização da CIDE, que pressupõe a oneração de determinado grupo ou setor econômico. Isonomia absoluta eliminaria igualmente a aplicação do princípio da capacidade contributiva como elemento diferenciador dos contribuintes. Portanto, só nos cabe a interpretação teleológica da Carta Magna, conjugando a isonomia com a capacidade contributiva.

Uma vez que, conforme já discorrido, um dos elementos identificadores e validadores da CIDE é a oneração de contribuintes que são semelhantes, i.e. aqueles que por conjugarem características e operações similares podem ser enquadrados em um mesmo grupo econômico, concluímos ser aplicável o princípio da isonomia tributária. Em outras palavras, embora a CIDE onere apenas uma parte das pessoas físicas ou jurídicas, e nesse momento é discriminatória, não pode tratar de maneira desigual aqueles que fazem parte do "grupo econômico" onerado, estando vedada inclusive a concessão de benefício de isenção ou similar a parte dos membros do grupo, sob pena de inconstitucionalidade.

Cremos que essa é a mesma conclusão apresentada em parecer de autoria do Dr. Luis Eduardo Schoueri, in verbis:

"Cogita-se, aqui, de uma atividade estatal a ser financiada por um grupo de pessoas. Conquanto inaplicável a igualdade tributária (já que se discrimina um grupo, que passa a ser tributado, enquanto outros não o serão), o princípio geral da igualdade exige um fator de discrimen, implicando, em síntese, a igualdade dentro do próprio grupo."[3].

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No mesmo sentido leciona Paulo Roberto Lyrio Pimenta ao entender que

"O princípio da isonomia necessariamente deverá ser aplicado às contribuições sob exame. Entretanto, como estas atingem determinado grupo econômico, o exame da observância da regra isonômica deve ser interno, ou seja, deve considerar os indivíduos do grupo, não podendo ser confrontados com outros setores, ou grupos." [4].

Refutamos entendimento no sentido de que um eventual tratamento desigual teria a função regulatória. O exercício da intervenção, do equilíbrio ou incentivo do setor dar-se-á pela aplicação dos recursos arrecadados e não pela discriminação na arrecadação. Além de afrontar a isonomia, a discriminação na arrecadação inviabilizaria a manipulação dos montantes dos subsídios a serem disponibilizados a cada ente, inviabilizando, por conseguinte, a calibragem do mercado. Tampouco concordamos com interpretação que sustenta que o benefício desonerador genérico visa atender a capacidade contributiva de cada membro do grupo. O atendimento da capacidade de contribuição se dá pela aplicação de alíquotas e base de cálculo progressivas ou pela concessão de isenções específicas pautadas em critérios objetivos e aplicáveis a todos os contribuintes que satisfaçam a ditos critérios. Aliás, cremos ser esse o ensinamento de Mizabel Derzi, in verbis:

"É altamente controvertido separar o que seja igual do desigual, pois sujeitos os conceitos a variações histórico-culturais. Não obstante, o preceito da igualdade, disposto na Constituição, já é dotado de substância e conteúdo jurídico: é vedado distinguir os homens segundo o sexo, a raça, etc... que sob tal aspecto são juridicamente iguais. E os iguais devem ser igualmente tratados, pois diz a norma que os homens, diferindo em sexo, ou credo religioso, são iguais. Esse é o enfoque do princípio da igualdade mais corrente: uma proibição de distinguir. As características de generalidade e abstração da norma estão a seu serviço.(...) Interessa, pois, muitas vezes, saber em que casos o princípio da igualdade prescreve uma atuação positiva do legislador, sendo-lhe vedado deixar de considerar as disparidades advindas dos fatos (a que se ligam necessariamente as pessoas) para conferir-lhes diferenciação de tratamento. É necessário saber quais as desigualdades existenciais que são também desigualdades jurídicas, na medida em que não se sujeitam a uma ignorância legislativa.(...) Alguns autores analisam-na exclusivamente sob o aspecto negativo. É aliás, o enfoque corrente. Celso Bandeira de Mello, não obstante o brilhantismo do tratamento que dispensou à matéria, também deu-lhe a seguinte abordagem: ‘é vedado ao legislador distinguir’. Mas a isonomia, com relação ao Direito Tributário, deve ser formulada também, necessariamente, de maneira positiva. (...) A questão torna-se tanto mais importante quanto se sabe que, na ordem dos fatos, a desigualdade econômica é dado inegável, com ela convive e dela se alimenta o sistema capitalista, suporte e estrutura do atual regime jurídico. ‘Pode’ ou deve o legislador considerar tais diferenças advindas dos fatos? Se a resposta for apenas ‘pode’, então o princípio da igualdade (no sentido material) não tem significado especial para o Direito Tributário. Em matéria fiscal, interessa menos saber o que o legislador está proibido de distinguir e mais o que ele deve incriminar. (...) (...) só há tratamento igual aos desiguais, como dizia o grande mestre e príncipe do Direito brasileiro, que é Rui Barbosa, em matéria tributária, ‘se cada qual tiver de contribuir com imposto, de acordo com sua capacidade contributiva.’ (Geraldo Ataliba, "Do Sistema Constitucional Tributário", in Curso sobre Teoria do Direito Tributário, São Paulo, Tribunal de Impostos e Taxas, 1975, p. 251). Por que deve o legislador considerar disparidades? Para nós, a juridicidade da capacidade contributiva resulta, como vimos, do lado positivo do princípio da igualdade: o dever imposto ao legislador de distinguir disparidades. Vimos, com Uckmar, que, universalmente, a isonomia é aceita como a igualdade de direitos e deveres dos cidadãos. Ora, o tributo é um dever. Um dever de que natureza? Um dever obrigacional, cuja característica é ser econômico, patrimonial. O levar dinheiro aos cofres públicos. O que se postula é puramente que esse dever seja idêntico para todos, importe em sacrifício igual a todos os cidadãos. Profundamente infratora do princípio em estudo seria a norma tributária que criasse um imposto fixo, incidente sobre os rendimentos auferidos no ano anterior, cuja prestação fosse quantitativamente idêntica para todos os contribuintes, independentemente do valor desses rendimentos. E tanto mais odiosa seria a norma quanto mais gravoso fosse o tributo, representativo de leve encargo para os ricos e de insuportável dever para os pobres, pois ela excluiria do peso fiscal apenas as pessoas que não obtivessem qualquer rendimento. (...) Temos, por conseguinte, dois marcos limitadores obrigatórios, que constrangem o legislador a considerar as disparidades advindas dos fatos. O primeiro deles delimita o ponto a partir do qual se inicia o poder tributário e que deve estar sempre acima da renda mínima, indispensável à subsistência. Delimita, pois, onde se inicia a capacidade contributiva. O segundo circunscreve a esfera da capacidade contributiva do sujeito passivo. Extrema o texto máximo o ponto além do qual, por excesso, o tributo torna-se confiscatório. O direito de propriedade encontra-se no limite da área da capacidade contributiva. A norma tributária que exceder os marcos referidos é inconstitucional, exatamente por ignorar desigualdades. Desigualdades que não são colocadas artificialmente nas normas, mas são disparidades econômicas advindas dos fatos que devem ser pesados pelo legislador ordinário. (...) Sendo assim, o lado positivo da igualdade (dever de distinguir desigualdade) impõe-se seja o tributo, quantificado segundo a capacidade contributiva de cada um, que é diversificada, e o lado negativo do princípio (dever de não discriminar) constrange o legislador a tributar, de forma idêntica, cidadãos de idêntica capacidade contributiva. Os aspectos negativo e positivo do princípio da igualdade miscigenam-se continuamente, constrangendo o legislador ordinário a criar os mesmos deveres tributários para aqueles que manifestarem idêntica capacidade contributiva. Configuram, pois, os requisitos de generalidade e proporcionalidade da norma tributária."[5] (grifos nossos).

Com base nos argumentos até agora apresentados, temos, em resumo, que:

- A constitucionalidade da CIDE está submetida, dentre outras, a duas premissas, quais sejam, a apresentação da finalidade (intervenção estatal) e a precisa definição do grupo econômico onerado, haja vista que atividades estatais difusas ou genéricas devem ser subsidiadas pelos impostos e não por CIDE;

- Definido o grupo econômico onerado, restaria aplicável o princípio da isonomia, não se admitindo, sob pena de inconstitucionalidade, o tratamento desigual de membros desse grupo econômico, tampouco se admitindo, obviamente, a desoneração seletiva de membros desse grupo.


3.A aplicação do princípio da isonomia na interpretação da legislação do FUST

Como anteriormente exposto, os dispositivos regulamentadores do FUST (Lei nº 9.998, de 17 de agosto de 2000), a nosso ver, definem com precisão o grupo econômico onerado (as empresas prestadoras de serviços de telecomunicações) e a atividade estatal interventora, não havendo de se suscitar inconstitucionalidade material das referidas CIDEs em relação a tais elementos fundamentais. A dúvida que surgiu no mercado refere-se a norma específica que, no entender de alguns, criaria hipótese de isenção, e sua validade jurídica face ao princípio da isonomia tributária.

Para possibilitar o entendimento do tema, partiremos da reprodução de artigos que definem os contribuintes. A Lei do FUST dispõe, in verbis:

"Art 6º Constituem receitas do Fundo:

I -[...];

IV - contribuição de um por cento sobre a receita operacional bruta, decorrente de prestação de serviços de telecomunicações nos regimes público e privado, excluindo-se o Imposto sôbre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transportes Interestadual e Intermunicipal e de Comunicações - ICMS, o Programa de Integração Social - PIS e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - Cofins;

[...]"

O Decreto Nº 3.624, de 5 de outubro de 2000, que regulamentou o FUST dispõs que:

"Art 7º Constituem receitas do Fust:

I -[...];

IV - contribuição de um por cento sobre a receita operacional bruta, decorrente de prestação de serviços de telecomunicações nos regimes público e privado, excluindo-se o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicações - ICMS, o Programa de Integração Social - PIS e a Contribuição para o Financiamento da Seguridadde Social - COFINS;

[...]

Art 8º A contribuição ao Fust de que trata o inciso IV do art. 7º deste Decreto é devida por todas as prestadoras de serviços de telecomunicações, à alíquota de um por cento sobre o valor da receita operacional bruta de cada mês civil, decorrente da prestação dos serviços de telecomunicações de que trata o art. 60 da Lei nº 9.472, de 1997, nos regimes público e privado, e deverá ser paga até o décimo dia do mês seguinte ao de apuração" (grifo nosso).

Observa-se que o texto legal reproduzido deixa claro que todas as prestadoras de serviços de telecomunicações são contribuintes da CIDE. Caberia questionar:

- Qual teria sido o intuito do legislador ao usar o termo "todas" se não explicitar o princípio da isonomia tributária?

- Por que não reproduzir, no decreto, o texto da lei, sem a necessidade da ressalva (que colocamos em negrito)?

Parece-nos razoável afirmar que a inclusão da frase "é devida por todas as prestadoras de serviços de telecomunicações" tem por objetivo explicitar a sujeição desta CIDE ao princípio da isonomia, embora tal cuidado legislativo fosse dispensável uma vez que a aplicação do princípio decorre de previsão constitucional.

Superada e confirmada a aplicação do princípio constitucional da isonomia, resta saber se a legislação vigente criou hipótese de isenção e se tal hipótese está em consonância com os mandamentos da Lei Maior.

O § único do art. 6º da Lei nº 9.998/2000 dispõe, in verbis:

Art 6º [...]

Parágrafo único. Não haverá a incidência do Fust sobre as transferências feitas de uma prestadora de serviços de telecomunicações para outra e sobre as quais já tenha havido o recolhimento por parte da prestadora que emitiu a conta ao usuário, na forma do disposto no art. 10 desta Lei."

O decreto regulamentador anteriormente citado traz os seguintes mandamentos:

Art 7º Constituem receitas do Fust:

§ 1º [...]

§ 2º Não haverá a incidência da contribuição de que trata este artigo sobre as transferências feitas de uma prestadora de serviços de telecomunicações para outra e sobre as quais já tenha havido o recolhimento por parte da prestadora que emitiu a conta ao usuário, nos termos da regulamentação emitida pela Agência Nacional de Telecomunicações."

Preliminarmente vale destacar que, a nosso ver, o legislador não foi feliz nos termos utilizados. Ainda que se considere que as normas ora reproduzidas criam benefício desonerador, deve-se concluir que tal benefício seria uma isenção e não uma não incidência. Se o benefício está sujeito à existência de recolhimento pretérito, inaplicável o instituto da não incidência.

Considerada essa ponderação, é de se reconhecer, que o texto legal em comento poderia levar o intérprete a concluir que o legislador pretendeu conceder o benefício da isenção, mas como compatibilizar tal conclusão com o princípio da isonomia? Vejamos como é o funcionamento do setor de telecomunicações.

Segundo a regulamentação em vigor, o mercado está dividido em nichos territoriais explorados em regime de duopólio (serviços de telefonia fixa comutada e telefonia celular) ou de livre concorrência (serviços de dados). Qualquer que seja o modelo, é característica da atividade a prestação de serviços por diversas empresas em regime de consórcio necessário (não no sentido jurídico do termo, mas no sentido econômico-operacional). O modelo de privatização adotado no Brasil fez com que os meios de produção (nesse caso, as redes de telecomunicações) fossem entregues a pessoas jurídicas distintas. Dessa forma, uma empresa não têm como oferecer serviços de telecomunicação a um consumidor sem contar com os recursos (redes) dos demais "players" do mercado. Uma empresa consegue coletar uma chamada na origem (onde dispõe de rede própria) mas terá que se utilizar da rede de terceiros para entregar o tráfego no destino se não dispuser de rede local. No caso da Intelig e da Embratel tal situação é típica, uma vez que nenhuma das duas dispõe do acesso local (acesso ao domicílio do consumidor – conhecido como "last mile"). Atendendo a essa característica, os órgãos reguladores do setor estabeleceram as regras de interconexão técnica das redes das operadoras e os parâmetros de remuneração pela utilização de rede de terceiro para prestação de serviços ao consumidor final.

Em termos gráficos teríamos:

Cliente Operado (A) Operadora B → Destinatário da ligação

(1) - cliente toma serviços da operadora (A) não se estabelecendo nesse momento qualquer relação jurídica com a

operadora (B)

(2) - operadora (A) repassa a ligação para a operadora (B) que é que têm os meios de rede no destino da ligação

(3) - operadora (B) completa a ligação

(4) - operadora (A) cobra do cliente o valor total da ligação

(5) - operadora (A) repassa parte do valor cobrado do consumidor final à operadora (B) a título de remuneração

pelo completamento da chamada

É importante destacar que, embora apenas uma operadora preste serviços ao consumidor final, as duas prestam serviços de telecomunicação.

Voltemos pois às normas reguladoras do FUST. O dispositivo que define os contribuintes determina que todas as prestadoras dos serviços de telecomunicações são oneradas. No exemplo acima, tanto (A) quanto (B) são contribuintes. Interpretando a regra do art. 7º do Decreto nº 3.624/2000 – "Não haverá a incidência da contribuição de que trata este artigo sobre as transferências feitas de uma prestadora de serviços de telecomunicações para outra e sobre as quais já tenha havido o recolhimento por parte da prestadora que emitiu a conta ao usuário" - poder-se-ia suscitar que (B) não seria onerado pela contribuição. Se todos são contribuintes, mas alguns estariam beneficiados pela isenção, então nem todos são efetivamente contribuintes. Essa conclusão afronta o princípio da isonomia? A nosso ver sim. Se tal tivesse sido o intuito do legislador, estaria criada uma casta de operadoras de telecomunicação não oneradas pela contribuição, uma parte do grupo econômico tratada com privilégios sem qualquer relação com sua capacidade contributiva. Se essa é a única interpretação cabível ao artigo, restaria o mesmo inaplicável por afronta a Constituição Federal. Finalmente, se tal regra fosse uma isenção, não caberia condicioná-la ao cumprimento de obrigação de outro contribuinte, sob pena de confusão de fatos geradores distintos e violação do autonomia dos contribuintes.

Conquanto nos pareça correto concluir pela inconstitucionalidade art. 6º da Lei nº 9.998/2000 e do § 2º do Decreto nº 3.624/2000, por dever de ofício, cabe-nos avaliar a possibilidade de interpretação sistêmica das regras em questão com sujeição ao princípio da isonomia e da capacidade contributiva.

Do ponto de vista prático, a operação exemplificada no gráfico desenrola-se em duas fases, dois negócios jurídicos distintos, quais sejam (a) relação consumidor – Empresa (A) e; (b) relação Empresa (A) – Empresa (B). Se, por exemplo, o valor cobrado ao consumidor final pela empresa (A) é R$ 100,00, admita-se que R$ 20,00 devem ser repassados à empresa (B) a título de remuneração pelo completamento da chamada. Se todas as empresas são contribuintes e atendendo à capacidade contributiva de cada uma, pode-se concluir que a empresa (A) deveria contribuir considerando como base de cálculo R$ 80,00 e a empresa (B) deveria contribuir considerando como base de cálculo R$ 20,00. Estariam indubitavelmente cumpridos os princípios da isonomia (ambas estariam contribuindo) e da capacidade contributiva (cada qual estaria contribuindo com base na remuneração que lhe cabe). Nessa hipótese, só restaria concluir que o art. 6º da Lei nº 9.998/2000 e o § 2º do Decreto nº 3.624/2000 criaram, em verdade, hipótese de retenção da CIDE na fonte. Assim, quando a empresa (A) recebe R$ 100,00 deverá, antes do repasse dos R$ 20,00 para a empresa (B) fazer a retenção da contribuição devida pela empresa que completou a ligação. Essa alternativa nos parece ainda mais plausível face à condição prevista nos dispositivos em tela "Não haverá a incidência da contribuição..... . sobre as quais já tenha havido o recolhimento por parte da prestadora que emitiu a conta ao usuário". Parece-nos óbvio que não há descaracterização do contribuinte. O contribuinte é aquele que presta os serviços de telecomunicação. No nosso exemplo, tanto a empresa (A) quanto (B) são contribuintes, porém, se (A) fizer a retenção e recolhimento da CIDE incidente sobre os valores a serem repassados a empresa (B), essa estaria desobrigada ao recolhimento. É de se reconhecer que a texto legal sob análise é de difícil interpretação e que a caracterização do instituto da retenção da CIDE na fonte é um exercício de criatividade que visa sujeitar o texto legal aos princípios constitucionais.


4.Conclusão

Com base em todo o exposto, cremos ser possível concluir que:

- O FUST, por ser uma CIDE, deve submeter-se ao princípio da isonomia tributária e o fez ao considerar que a contribuição é devida por todas as prestadoras de serviços de telecomunicações;

- Se o § único do art. 6º da Lei nº 9.998/2000 e art. 7º do Decreto nº 3.624/2000 criaram hipótese de isenção, então tais dispositivos tratam de maneira desigual membros do mesmo grupo econômico em afronta ao princípio da isonomia tributária. Por conseguinte, tais regras são inconstitucionais;

- Se os dispositivos citados não tratam da criação de benefício aplicável a um grupo de operadoras conciliando a tributação com o princípio da isonomia, então há de se concluir que criaram uma hipótese de retenção da contribuição na fonte.


Notas

1.Parecer apresentado na obra "Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico e Figura Afins – Coordenador Marco Aurelio Greco" – São Paulo – Ed. Dialética – 2001

2Parecer apresentado na obra "Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico e Figura Afins – Coordenador Marco Aurelio Greco" – ob cit.

3.Parecer apresentado na obra "Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico e Figura Afins – Coordenador Marco Aurelio Greco" – ob cit.

4.Parecer apresentado na obra citada no item 3 acima.

5.Do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana em co-autoria com Sacha Calmon – São Paulo – Ed. Saraiva – 1982

Sobre o autor
Tácito Ribeiro de Matos

advogado, gerente de planejamento tributário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATOS, Tácito Ribeiro. Constitucionalidade do FUST face ao princípio da isonomia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16460. Acesso em: 23 dez. 2024.

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