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Aplicabilidade da Lei de Anistia: o caso Telepará

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Agenda 03/03/1997 às 00:00

5. DA CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO

Assim, passemos diretamente à análise preliminar da questão, isto é, qual a natureza jurídica da reclamada.

Nos termos do art. 21. da CF/88, vê-se que compete à União a exploração direta ou mediante concessão à empresa sob controle acionário estatal, dos serviços telefônicos.

Com efeito, para este fim, em 1972, através da Lei nº 5.792, criou-se a Telebrás que, por permissivo da mesma, as subsidiárias locais operam o serviço telefônico, que se constitui em um serviço público. Entretanto, cabe questionar se as mesmas aderem à natureza jurídica da primeira.

A noção de concessão de serviço público, bem revelada por Marcelo Caetano, professor da Faculdade de Direito de Lisboa, in Manual de Direito Administrativo, 10ª Edição, 4ª Reimpressão, Tomo II, Livraria Almedina, Coimbra, 1991, ensina que, quando a pessoa coletiva de direito público em cujas atribuições entre a criação e exploração com exclusividade de certo serviço público de caráter empresarial, não quer assumir o encargo da respectiva gestão, poderá, se a lei autorizar, encarregar outra pessoa, geralmente uma entidade privada, dessa gestão, por conta própria, mediante um ato jurídico pelo que lhe transfira temporariamente o exercício dos direitos e poderes necessários e imponha as obrigações e deveres correspondentes. Esse ato jurídico é a concessão do serviço público, não perdendo sua natureza simplesmente pelo fato de ser gerido por uma entidade privada.

Vale ressaltar a diferenciação entre administração indireta com órgão indireto. A 1ª ocorre quando se delega atos da jurisdição do delegante, pode-se, assim, se considerar a mesma como órgão indireto noutra a concedente atribui a terceiros suas atividades, tratando-se de gestão indireta.

O concedente continua com seus poderes e direitos de regulamentar, de fiscalizar, sem que isso atribua à concessionária a mesma natureza jurídica da primeira.

Assim, é óbvio que a Telebrás têm ingerência administrativa, regulamentadora e fiscalizadora sobre a Telepará, pois, no caso da concessionária não cumprir o estabelecido, pode e deve a concedente tomar medidas para garantir as operações que foram contratadas.

Vale citar o exemplo lusitano: o serviço telefônico era atribuído mediante concessão à empresa The Anglo-Portuguese Telephone Cº., Ld., para exploração de tais serviços em Lisboa e na cidade do Porto. Ocorre que, diante de uma série de fatores, que pela sua extensão suprime-se de mencioná-los, o termo de concessão e posse do serviço telefônico foi transmitido para o Estado português, através do Decreto-Lei nº 46.033, de 14.11.64, o que demonstra a desvinculação jurídica da empresa concessionária com o Estado.

No caso brasileiro, foi instalada a holding Telebrás, esta sim integrante da administração pública federal indireta que, mediante concessão, outorgou às subsidiárias locais a exploração de tais serviços.

Exemplificando, têm-se o seguinte: a União Federal delegou à Telebrás a responsabilidade pela gestão do serviço, sendo responsável pelo seu financiamento, assumindo os riscos do negócio. Por sua vez, a Telebrás, para que a prestação de tais serviços flua-se de forma mais coordenada e eficaz, outorgou às subsidiárias locais os mesmos, transferindo a essas o exercício dos direitos exclusivos de exploração do serviço, sendo que em regra a concessão acontece nos serviços de caráter econômico, ou, melhor dizendo, nos serviços de caráter empresarial.

A concessão implica com a respectiva liberdade de iniciativa para organizar e dirigir o serviço; nesse caso, as relações entre Telebrás e Telepará têm de ser reguladas por um ato jurídico básico, no qual fiquem definidos os poderes e deveres de uma e de outra. A entidade pública (Telebrás) fixou desde logo os princípios fundamentais a que organiza e o funcionamento do serviço obedece o seu estatuto, reservando-se o poder de intervir na regulamentação de certos aspectos e o de inspeção ou qualquer outro poder tutelar. Todo o resto cabe no âmbito dos poderes do particular (Telepará).

Tal ingerência é vital, pois deve-se manter o caráter do serviço público, que fora confiado ao particular, já que o mesmo é destinado ao público, possuindo sua razão de ser nas necessidades, nas comodidades e nos interesses da coletividade a que se destina, e não pode, por isso, ser desvirtuado por espírito de especulação financeira ou de competição econômica.

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A concessão tem sido usada nos seguintes casos:

1. para criar serviços públicos novos;

2. para libertar a administração da gestão ruinosa de serviços existentes;

3. para aproveitar os benefícios da iniciativa privada dentro da disciplina do interesse público.

Logo no art. 1°. do Estatuto Social da reclamada, as fls. 161. e 162, lê-se: A Telepará é uma Companhia fechada, de capital autorizado, controlada pela Telebrás, vinculada ao Ministério das Comunicações.

Assim, a empresa concessionária é uma pessoa jurídica com seus próprios órgãos e integra-se na administração como entidade autônoma, segundo um processo de descentralização. Não há portanto, como se aceitar a tese de que a mesma seja órgão da entidade concedente.

Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal concluiu pela não caracterização de empresas estaduais de exploração de tais serviços serem órgãos da administração indireta, in RTJ - 68/737-743.

Assim é que o STF, em sua 1ª. Turma, no RE nº. 93.175-9, in RDA, FGV, vol. 143, p. 118/119, em que tinha como recorrente: Banco de Crédito Imobiliário S.A. e recorridos: Luiz Fernando de Barros Lima e sua mulher, tendo como relator o Sr. Ministro Soares Munoz, assim concluiu:

"A sociedade sob controle acionário do Estado não se confunde com a sociedade de economia mista, cuja criação depende de lei".

Destacamos o seguinte do v. acordão:

"O acordão recorrido divergiu da jurisprudência das duas Turmas do Supremo Tribunal Federal (RREE nº. 79.840, 91.035, 92.338 e 92.340), inclusive de acordãos prolatados em causas que figurara a ora recorrente, nas quais foi decidido:

"Ementa: Sociedade de economia mista. Com ela não se confunde a sociedade sob o controle acionário do Poder Público. É a situação especial que o Estado assegura, através da lei criadora da pessoa jurídica, que a caracteriza como sociedade de economia mista" (fls. 79). De resto, vale lembrar o voto do eminente ministro Cunha Peixoto, no RE nº. 91.305:

"Trata-se de conceituar a sociedade de economia mista, e pedi vista para conferir se, para as de âmbito estadual, era também necessária lei expressa para a sua formação. Se poderia haver dúvida na vigência do Decreto-Lei nº. 200, de 1967, modificado pelo de nº. 900, de 1969, desapareceu ela em face da atual lei sobre sociedade anônima, que em seu art. 236, é expressa: a constituição da companhia de economia mista depende de prévia autorização legislativa.

Desta maneira, a recorrente não é uma sociedade de economia mista e, assim, competente para o processamento da causa é o juiz da vara cível" (fls. 87).

Ante o exposto, conheço do recurso e lhe dou provimento.

Portanto, diversa é na natureza jurídica dos entes societários, criados por sociedades de economia mista, ou cujo controle acionário seja por estas assumido, sem prévia e específica autorização do Poder Legislativo. À falta desse requisito, reputado como essencial e insuprimível, portanto, as subsidiárias e controladas de sociedade de economia mista tem a natureza de sociedades de direito comum, não fazendo parte, como no presente caso vinculadas à União, da administração federal indireta.

Essa diretriz, no âmbito administrativo, foi reforçada em 2.9.81, através do parecer nº. P-010, elaborado pelo consultor geral da República, Dr. Paulo Cezar Cataldo, com aprovação do Presidente da República, in DOU, de 10.9.81, p. 17-066-72, o mesmo foi exarado com a finalidade de examinar a natureza jurídica das empresas controladas pela Telecomunicações Brasileiras S.A (Telebrás); a lei que autorizou a criação dessa sociedade de economia mista prevê que a mesma "poderá constituir subsidiárias e participar do capital de outras empresas, cujas finalidades sejam relacionadas com o setor de comunicações" (Lei nº. 5.791, de 11.7.72, art. 3º., § 2º.), sendo que o mesmo foi publicado com comentários do Dr. Mauro Rodrigues Penteado, na Revista de Direito Mercantil, jul/set. de 1981, nº. 43, sob o título Caracterização jurídica das sociedades de economia mista. Pelo mesmo, o ilustre consultor, concluiu, que: "A Telebrás passou a controlar, pela participação majoritária do capital da União, as empresas discriminadas, que não se transformaram, entretanto, só pela mudança do controle acionário, em sociedade de economia mista federal, pela inexistência de autorização legal expressamente atributiva dessa qualidade" (grifo nosso).

Por estes argumentos, lança-se uma pá de areia sobre tese diversa, já que evidenciado que a criação originária ou derivada das subsidiárias, sem prévia e expressa previsão legal, equivale a tornar letra morta o disposto no art. 235, § 2º. da Lei nº. 6.404.

Em nível regional, a eminente juíza togada do Egrégio Tribunal, Drª. Lygia Simão Luiz Oliveira, através do v. Acordão nº. 9.692/94 - 1ª. T., Proc. TRT RO 9.543/93, que teve como recorrente José Sena da Silva e recorrida Telepará, propôs a seguinte ementa:

"Não se pode aplicar a empregado celetista de empresa concessionária de serviços públicos, dispositivo da Lei Complementar nº. 64/90, que resguarda a conceção de salário em período de afastamento para concorrer a cargos eletivos, de vez que a referida entidade não está relacionada na enumeração constante da norma que assim dispõe".

Do voto de nossa mestra, destacamos:

Diz o Decreto-Lei 2.355/86, que estabeleceu limites de retribuição da Administração Pública Federal da União, do Distrito Federal e dos Territórios, considerou servidores, entre outros, "os dirigentes, conselheiros e empregados de empresas públicas, sociedades de economia mista, subsidiárias, controladas, coligadas ou quaisquer empresas de cujo capital o Poder Público tenha o controle direto ou indireto, inclusive em virtude de incorporação ao patrimônio público".

Menciona que sendo a reclamada, dada a situação sui generis que tem, controlada por uma sociedade de economia mista cuja maioria de capital é da União Federal, a ela devem ser aplicadas as normas previstas na legislação eleitoral, salientando o fato de que a própria recorrida é fiscalizada pelo Tribunal de Contas da União, sendo seus diretores designados pelo chefe do Executivo Federal. Embora seja tida como uma S.A (sociedade anônima), na verdade, é ela uma empresa do governo federal, ainda argumenta.

Sendo a recorrida empresa cuja natureza jurídica não é de sociedade de economia mista, mas regida pela legislação das sociedades anônimas (Lei 6.404/76), não lhe pode aplicar preceitos dirigidos para outro tipo de entidade, como pugna o recorrente. (grifamos)

Há de mencionar que os clássicos juristas citados Trajano de Miranda Valverde, Oscar Saraiva, Arnoldo Wald, Caio Tácito, Waldemar Ferreira e Seabra Fagundes, este último particularmente, é incisivo a respeito, in RDA, V.32, p.473, 1953: "A Constituição e a vida de uma sociedade de economia mista se vinculam à lei especial que autoriza a formação e à lei geral sobre sociedades por ações".

A eles se alinhou o saudoso Pontes de Miranda: "Mesmo se o Estado se faz titular de mais da metade, ou de mais de dois terços, ou da quase totalidade das ações de sociedade por ações, ou tem quota superior à de qualquer dos acionistas, a sociedade não se torna de economia mista". (Questões Forenses, RJ, Borsoi, 1956, p.353).

Em trecho que prima pelo didatismo e clareza com que deslinda a questão, Hely Lopes Meirelles, assevera: "É empresa privada, em sentido estrito, simples sociedade anônima, em que pese a participação majoritária no seu capital da Telebrás, da qual é subsidiária ou sociedade controlada, nos termos do § 2º. do art. 243. da Lei nº. 6.404/76, de vez que a mera detenção de ações com direito a voto, por uma sociedade de economia mista, não confere `a outra companhia a mesma natureza jurídica do acionista majoritário, pois lhe faltaria o principal requisito, qual seja o da criação por lei, nos termos do inciso III do art. 5º. do Decreto-Lei nº. 200/67 e ainda porque a própria Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº. 6.404/76) retirou as sociedades assim constituídas do rol de economia mista, ao exclui-las das disposições contidas em seus arts. 235. a 242, específicos pra estas últimas". (Apud Stuber, Douglas Walter. Natureza jurídica da subsidiária de sociedade de economia mista. Revista de Direito Administrativo, v. 150, p. 18-34, 1982).

Assim, assenta-se em nossa doutrina que a simples entrada de pessoas jurídicas de direito público em sociedade, já constituída, mediante a aquisição de ações ou de quotas de capital, não altera a sua natureza jurídica, pois é necessário para a sua caracterização, a criação estatal, pois a mesma nasce da vontade do Estado, não da iniciativa particular.

Nesse sentido, retrata a posição de Alberto Americano, in Parecer de 17.9.62 - jurídica, ano VIII, vol. XXVII, nº. 79, outubro-dezembro de 1982, p. 384: "Para que a sociedade anônima se transforme em sociedade de economia mista, necessário seria que o Estado, depois de adquirir a maioria das ações a transformasse por lei em sociedade de economia mista, atribuindo-lhe a realização de certos fins ou serviços administrativos".

Portanto, conclui-se que os reclamantes não gozaram das prerrogativas destinadas aos servidores públicos, não havendo, assim, aplicabilidade da lei de anistia ao presente caso, pois a reclamada não integra a administração pública indireta federal, ainda mais que não configura qualquer lesão por parte da mesma, referente a preceito constitucional ou legal, pois, de acordo com Carnelutti, não são os fatos mas as afirmações que deles fazem as partes que se devem provar.

"Scripta, sicut monumenta, manent; verba, sicut ventus, volant. (Os escritos, como os monumentos, permanecem; as palavras, como os ventos, voam). Pela sua segurança, os documentos constituem importante elemento de prova".

Sobre o autor
Carlos Zahlouth Júnior

juiz do Trabalho em Belém (TRT da 8ª Região), vice-presidente da Amatra VIII, professor de Direito na UFPA e na UNAMA, pós-graduado em Processo Civil pela Universidade de Coimbra (Portugal)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZAHLOUTH JÚNIOR, Carlos. Aplicabilidade da Lei de Anistia: o caso Telepará. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. -2312, 3 mar. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/1963. Acesso em: 23 dez. 2024.

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