Há na proposição de sentenças desse caso quatro tipos diferentes de correntes de pensamento, porém, que permeiam duas idéias centrais em relação às leis: a legitimidade e a previsão das leis. Essas duas idéias centrais fundamentam-se em princípios básicos do Direito e são, até hoje, tema de muita discussão no campo jurídico, principalmente a primeira idéia. Todos os cinco diferentes argumentos elaborados pelos deputados se ligam, de uma forma ou de outra, a essas duas idéias centrais. Esses argumentos são de legitimidade, ilegitimidade, uma mescla dos dois anteriores, resolução dos conflitos pelo povo e criação de novas leis que possam regulamentar o julgamento desses denunciantes.
O argumento da legitimidade das leis considera os réus inocentes. Segundo essa linha de raciocínio, as leis editadas pelos camisas-púrpuras, mesmo não sendo positivadas, eram legítimas. Essa corrente preconiza a absolvição dos réus, pois eles não descumpriram as “leis vigentes”.
O segundo argumento, ilegitimidade das leis, também defende a inocência dos denunciantes. Partindo de um ponto de vista diametralmente oposto ao argumento anterior, ele defende que as “leis vigentes”, editadas pelos camisas-púrpuras não eram legítimas, mas que a sociedade se encontrava num “estado de guerra”, e que avaliar comportamentos em situações como essa seria incompatível com a função do tribunal.
O terceiro argumento mescla as duas concepções anteriores, no sentido de que o deputado considera o regime ditatorial dos camisas-púrpuras nem legítimo, nem ilegítimo em sua totalidade, mas considera que houve aspectos no regime deles que foram legítimos e outros que não o foram: havia casamentos e outros atos normais, mas também havia assassinatos, cometidos por membros do partido dos camisas-púrpuras. O deputado defende uma atuação que seja diferente para cada tipo de caso.
O quarto argumento busca a resolução do dilema em que se encontram as autoridades pelo fato de terem ocorrido denúncias de pessoas que tinham “inveja” do outro, mas também houve aqueles que denunciaram por medo e há ainda outros motivos de denúncia. Para o deputado, a proposição de uma lei seria a solução, visto que estabeleceria novos parâmetros para que os juízespudessem decidir a sentença com maior embasamento jurídico específico.
O quinto argumento é elaborado em cima da tese de que a sociedade é capaz de resolver dilemas como esse naturalmente, ou seja, sem a intervenção do sistema jurídico. Essa corrente preconiza a livre atuação da sociedade para que se resolva esse problema, pois, do contrário, o sistema jurídico entraria em um labirinto sem saída na tentativa de separar o certo do errado no regime dos camisas-púrpuras.
Todas as idéias apresentadas possuem suas falhas. Eu, na qualidade de Ministro de Justiça, diria que a primeira está errada em considerar a legitimidade de um regime ditatorial. A segunda está errada em considerar que os atos dos denunciantes invejosos não podem ser julgados, por se tratarem de “atos de guerra”. Já a terceira concepção encontra um impasse: como diferenciar aqueles que denunciaram por inveja daqueles que o fizeram por medo ou outro motivo? Mas, no que concerne ao tratamento legal, talvez seja a melhor das idéias. O quarto argumento encontra um problema de ordem prática: como elaborar uma lei que seja imparcial e que possa tratar da questão dos denunciantes antes que o faça a população? E o quinto argumento exclui o direito de defesa dos denunciantes ao permitir a vingança da sociedade.