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A possibilidade de diferir o licenciamento para clipping de matéria jornalística para o momento da assinatura do contrato administrativo.

Agenda 06/01/2021 às 20:43

Traslucidez e transcendência de temas sobre requisitos para a habilitação e para a qualificação técnica em pregões

Introdução

As empresas participantes de licitações para prestação de serviço de monitoramento eletrônico jornalístico para monitoramento diário e em tempo real de notícias veiculadas em mídias impressas (jornais e revistas), eletrônica (emissoras de TV e rádio) e digital (portais eletrônicos e redes sociais) não raras vezes se deparam com editais exigindo como requisito de habilitação, ou mesmo de qualificação técnica, o licenciamento perante o jornal para clipping de matéria jornalística.

A empresa vencedora por vezes ainda não possui licenciamentos com todos os jornais, sendo certo que todos os jornais informam que todo o conteúdo por eles produzidos está sujeito à proteção de direitos autorais conforme prevê a Lei Federal n° 9.610/98, e para sua reprodução, compartilhamento, comercialização e qualquer atividade remunerada ou não que necessite do conteúdo de qualquer um dos citados jornais, é necessário realizar junto a cada um deles o licenciamento para que a partir de então o conteúdo possa ser distribuído.

Considerando que o licenciamento é necessário e se o edital mencionar a apresentação de todos dos licenciamentos quando a empresa apresenta sua documentação para sua habilitação, isso onera sobremaneira os licitantes e como influencia diretamente na composição de preço ofertado, os valores ofertados nas propostas pelas licitantes tenderão a aumentar.


Considerações

Aprioristicamente passamos a analisar os regramentos e as normas jurídicas sobre o tema.

Da leitura do Manual de Direitos Autorais do Excelso Tribunal de Contas da União sobre “Clipping” vislumbramos que

A palavra inglesa clipping, que pode ser traduzida como “recorte”, denomina o serviço de agrupar notícias publicadas na mídia impressa ou digital, tais como jornais, revistas, blogs e sites de notícias, sobre determinado assunto, a partir da necessidade de informação do usuário. No âmbito do direito autoral, muito se discute acerca da necessidade de obtenção de autorização do titular do conteúdo para a reprodução de matéria e notícia. Sendo o direito autoral um direito exclusivo, toda e qualquer utilização de uma obra protegida depende de autorização prévia e expressa do titular do direito, conforme dispõe o art. 29 da LDA.

Além dessa regra geral, aplicável a todas as categorias de obra, a legislação dedica um artigo para o caso específico da imprensa, abaixo transcrito:

Art. 36. O direito de utilização econômica dos escritos publicados pela imprensa, diária ou periódica, com exceção dos assinados ou que apresentem sinal de reserva, pertence ao editor, salvo convenção em contrário.

Parágrafo único. A autorização para utilização econômica de artigos assinados, para publicação em diários e periódicos, não produz efeito além do prazo da periodicidade acrescido de vinte dias, a contar de sua publicação, findo o qual recobra o autor o seu direito.

Deve-se observar que jornais, revistas e outros periódicos de imprensa são obras protegidas, habitualmente caracterizadas pela doutrina jurídica como obras coletivas, nos termos do art. 5º, inciso VIII, alínea “h”, da LDA:

VIII - obra: (...) h) coletiva - a criada por iniciativa, organização e responsabilidade de uma pessoa física ou jurídica, que a publica sob seu nome ou marca e que é constituída pela participação de diferentes autores, cujas contribuições se fundem numa criação autônoma;

Por outro lado, questiona-se se tal uso não está incluído dentre as limitações e exceções ao direito de autor, haja vista a previsão contida no art. 46, alínea “a”, da LDA.

Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais: I - a reprodução: a) na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, publicado em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram transcritos;

Não há jurisprudência consolidada quanto ao tema, entretanto merece destaque a decisão proferida pela Segunda Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, em processo movido pela empresa Folha da Manhã em face do Senado Federal (SF), publicada em fevereiro de 2019, que decidiu no sentido de que o clipping realizado pelo SF, com a utilização de matérias da Folha, implicava ofensa à LDA:

APELAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO AUTORAL. VIOLAÇÃO. ARTS. 5º, XXVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E 7º, 36 E 46, INCISO I, ALÍNEA “A”, DA LEI 9.610/1998. DANOS MATERIAIS COMPROVADOS. DANOS MORAIS NÃO COMPROVADOS. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL PARCIALMENTE PROVIDAS. Capítulo 1 ~ Necessidade de autorização prévia e expressa do autor ou titular I - Os direitos autorais da parte autora foram efetivamente vio- 67 lados pela ré, nos termos dos arts. 5º, inciso XXVII, da Constituição do Brasil, e 7º, 36 e 46, inciso I, alínea “a”, da LDA. II - Da análise dos autos, é incontroverso que o Senado Federal promoveu a compilação do conteúdo jornalístico produzido pela autora, em clipping impresso e digital, conforme admitido em sede de contestação e recursos de apelação. III - Depreende-se, ainda, que todo o conteúdo jornalístico veiculado pela parte autora nestes autos não se limitou a material de cunho meramente informativo, vez que a partir do momento em que se revela, na informação, o esforço intelectual de que a transmite, ou seja, a partir do momento em que a matéria é tratada, comentada e analisada, esta deixa de ser apenas informativa. IV - Assim, não prevalecem as teses sustentadas pela ré, tampouco a intitulada exceção de imprensa, no sentido de que toda matéria jornalística que veicula alguma informação seria passível de reprodução independentemente de autorização, caso em que tornar-se-ia regra a exceção estabelecida pelo art. 46, inciso I, alínea “a”, da Lei 9.610/1998. [...] IX - Apelação e remessa oficial parcialmente providas. (Processo 2013.61.00.010829-3 – TRF 03).

Sendo assim, tem-se que a tese de que a reprodução parcial ou total de jornal, incluindo conteúdos que lhe são peculiares, encontra abrigo nas limitações previstas nos arts. 46. a 48 da LDA não vem sendo acolhida pela jurisprudência, sob pena de tornar regra a exceção estabelecida pelo art. 46, inciso I, alínea “a”, da LDA.”

(GRIFAMOS) (Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/data/files/57/72/86/60/35FA6710FE28B867E18818A8/Manual%20Direitos%20Autorais%202020_Web.pdf.páginas 65-67/140. Acesso em 05/01/2021.

Assim, com a interpretação verficamos ser necessário o licenciamento em consonância com o artigo 5°, inciso XXVII da Constituição Federal, “in verbis

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;”

Somamos, ainda, a exegese dos artigos 29, 36, 46, inciso I, bem como 104, todos da Lei Federal nº 9.610/98, “in verbis”:

“Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:

I - a reprodução parcial ou integral;

II - a edição;

III - a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações;

IV - a tradução para qualquer idioma;

V - a inclusão em fonograma ou produção audiovisual;

VI - a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra;

VII - a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário;

VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante:

a) representação, recitação ou declamação;

b) execução musical;

c) emprego de alto-falante ou de sistemas análogos;

d) radiodifusão sonora ou televisiva;

e) captação de transmissão de radiodifusão em locais de freqüência coletiva;

f) sonorização ambiental;

g) a exibição audiovisual, cinematográfica ou por processo assemelhado;

h) emprego de satélites artificiais;

i) emprego de sistemas óticos, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo e meios de comunicação similares que venham a ser adotados;

j) exposição de obras de artes plásticas e figurativas;

IX - a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero;

X - quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas.

(...)

Art. 36. O direito de utilização econômica dos escritos publicados pela imprensa, diária ou periódica, com exceção dos assinados ou que apresentem sinal de reserva, pertence ao editor, salvo convenção em contrário.

Parágrafo único. A autorização para utilização econômica de artigos assinados, para publicação em diários e periódicos, não produz efeito além do prazo da periodicidade acrescido de vinte dias, a contar de sua publicação, findo o qual recobra o autor o seu direito.

(...)

Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:

I - a reprodução: a) na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, publicado em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram transcritos;

b) em diários ou periódicos, de discursos pronunciados em reuniões públicas de qualquer natureza;

c) de retratos, ou de outra forma de representação da imagem, feitos sob encomenda, quando realizada pelo proprietário do objeto encomendado, não havendo a oposição da pessoa neles representada ou de seus herdeiros;

d) de obras literárias, artísticas ou científicas, para uso exclusivo de deficientes visuais, sempre que a reprodução, sem fins comerciais, seja feita mediante o sistema Braille ou outro procedimento em qualquer suporte para esses destinatários;

(...)

Art. 104. Quem vender, expuser a venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, será solidariamente responsável com o contrafator, nos termos dos artigos precedentes, respondendo como contrafatores o importador e o distribuidor em caso de reprodução no exterior.”

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Vislumbramos que é possível a impugnação editalícia em caso de exigência excessivamente onerosa aos licitantes consistente na juntada de todos os licenciamentos como condição para sua habilitação, uma vez que, atendendo aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, é imprescindível tão somente a juntada da declaração de obter licenciamento até a assinatura do contrato administrativo, como requisito para habilitação.

Escoramos nosso entendimento nos ensinamentos da Douta Mestra Maria Sylvia Zanella de Pietro que afirma o “edital é lei entre as partes”. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, 30ª Edição, Editora Gen).

Importante ressaltar que as normas, vigentes sobre o tema, impõem à Administração que, ao contratar, deve-se promover licitação, tudo assegurado e respaldado na igualdade de competição entre os concorrentes, cujo edital, deve constar todos os elementos que disciplinarem o tema, nos termos do artigo 4º, inciso III da Lei Federal nº 10.520/02, “in verbis”:

Art. 4º A fase externa do pregão será iniciada com a convocação dos interessados e observará as seguintes regras:

(...)

III - do edital constarão todos os elementos definidos na forma do inciso I do art. 3º, as normas que disciplinarem o procedimento e a minuta do contrato, quando for o caso;”

O nosso Egrégio Tribunal de Contas Paulista tem concluído, “in verbis”:

“A elaboração de um edital é ato administrativo que deve se basear no princípio da razoabilidade, da economicidade e da competitividade, sendo certo que assim há maior competição no certame, com a consequente apresentação de propostas mais vantajosas e melhor adjudicação.

Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça, a Corte Cidadã, já consolidou entendimento no seguinte sentido:

“o procedimento licitatório há de ser o mais abrangente possível, dando azo à participação do maior número possível de concorrentes. A escolha final há de recair sempre na proposta mais vantajosa para a Administração Pública”.

(Disponível em: https://www4.tce.sp.gov.br/licitacao/sites/licitacao/files/pre-37201220resposta220questionamento_0.pdf. Acesso em 05/01/2021).

O licitante está adstrito ao edital, contudo é refutada a restrição de participação em certames com exigências excessivamente onerosas.

Assim, aplicável o princípio da vinculação ao instrumento convocatório e interposição de recurso em caso de previsão de cláusula editalícia da apresentação de todos os licenciamentos, por ser onerosamente excessiva, visando a retificação para exigência da declaração de obtenção de todos os licenciamentos no momento da assinatura do contrato administrativo, isto é, tão somente do vencedor do certame.

Sobre o tema, ensinam HIGA, Alberto S., CASTRO, Marcos P. e ZANOTELLO, Simone, que por meio deste princípio:

“tanto a Administração Pública, quanto os licitantes, estão adstritos às regras estabelecidas no instrumento convocatório da licitação.(...)”

“in” Manual de Direito Administrativo, HIGA, Alberto S. e outros, Ed. Rideel: 2018, págs. 155. e 156. (já em negrito)

Ainda sobre a vinculação ao edital, Marçal Justen Filho afirma que, “in verbis”:

“Quando o edital impuser comprovação de certo requisito não cogitado por ocasião do cadastramento, será indispensável a apresentação dos documentos correspondentes por ocasião da fase de habilitação”

(GRIFADOS) (Pregão. Comentários à Legislação do Pregão Comum e do Eletrônico, 4ª ed., p. 305).

Como exemplo de violação ao referido princípio, o referido autor cita a não apresentação de documento exigido em edital e/ou a apresentação de documento em desconformidade com o edital (como documento enviado por fac-símile sem apresentação dos originais posteriormente).

Argumentando, a impugnação reside na previsão em edital da apresentação de todos os licenciamentos como requisito à habilitação, não é contra a apresentação de documento imprescindível para a contratação.

Assim sendo, certame, em se tratando de Pregão por ser serviço denominado legalmente como comum, deve seguir para avaliação da autoridade competente, nos termos do inciso XXI do art. 4º do Lei Federal n° 10.520/02, “in verbis”:

“Art. 4º A fase externa do pregão será iniciada com a convocação dos interessados e observará as seguintes regras:

(...)

XXI - decididos os recursos, a autoridade competente fará a adjudicação do objeto da licitação ao licitante vencedor;”

Em desenredo, caso prevaleça a decisão do órgão ordenador da despesa em revogar o certame para proceder à retificação, ponderamos, também, que o tema tangencia a qualificação técnica dos licitantes.

No afã de contribuir para retificação redacional editalícia, para evitar despesas desnecessárias a todos os licitantes e para não afugentar participantes ao certame, sugerimos que a modificação da editalícia seja para constar cláusula para exigir a declaração do licitante que obterá a licenciamento necessário caso seja consagrado vencedor do certame, apresentando os respectivos licenciamentos necessários até o momento da assinatura do contrato administrativo, quando já ocorreu a homologação do Pregão, em conformidade com inciso XXII do art. 4º do Lei Federal n° 10.520/02, “in verbis”:

“Art. 4º A fase externa do pregão será iniciada com a convocação dos interessados e observará as seguintes regras:

(...)

XXII - homologada a licitação pela autoridade competente, o adjudicatário será convocado para assinar o contrato no prazo definido em edital; e (...)”


Conclusão

Consideramos possível diferir o licenciamento para clipping de matéria jornalística para o momento da assinatura do contrato administrativo.

Sobre a autora
Roberta Kandas de Meiroz Grilo

Especialização em Direito Público Procuradora do Município de Jundiaí.

Informações sobre o texto

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