Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal Regional Federal da Região.
AÇÃO PENAL Nº
GABRIEL PEON DINIZ PIRES, brasileiro, solteiro, advogado, inscrito na OAB/RJ 204.070, com endereço profissional na ....., nº ..., Bairro, cidade, CEP: xxxx vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência impetrar a presente ordem de
HABEAS CORPUS COM PEDIDO LIMINAR
em favor de dados pessoais do paciente, com fundamento no art. 5º LXVIII, da Constituição Federal em combinação com o art. 647 e 648, I do Código de Processo Penal, apontando como autoridade coatora o MM. Juiz Federal Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, pelos seguintes motivos.
O paciente foi denunciado pelo Ministério Público Federal pelos crimes de Falsidade Ideológica e Uso de documento falso, artigos 299 e 304 do CP. O primeiro crime lhe foi imputado por ter preenchido o formulário de identificação de condutor infrator e tentado recorrer da multa. Já o segundo crime se deu por ter apresentado fotocópia da Carteira Nacional de Habilitação a PRF junto com o formulário.
Porém, após receber o formulário e a fotocópia pelo paciente, a PRF realizou consulta em seu banco de dados com o CPF e número da Carteira Nacional de Habitação e, não encontrou registro.
A presente ordem de habeas corpus, data venia, V.Exa, deve ser concedida, para que seja a ação penal iniciada contra o paciente, trancada, pois os fatos a ele imputados são totalmente atípicos, como será exposto.
2) DA ATIPICIDADE DA CONDUTA DE FALSIDADE IDEOLÓGICA. ART. 299 CP.
O paciente preencheu o formulário com o seu CPF verdadeiro e CNH supostamente sem registro, contudo não agiu com dolo específico de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. Isso porque, agiu de forma livre, consciente e voluntária para recorrer de multa de trânsito, não para se beneficiar.
A exigência da finalidade especial de lesar direito, criar obrigação ou alterar a veracidade sobre o fato juridicamente relevante é elemento subjetivo especial do tipo. Ausente esse fim específico, o fato é atípico.
Denota-se que a conduta do paciente carece de dolo específico, uma vez que não é dirigida com intuito de prejudicar, criar ou alterar a verdade sobre fato jurídico relevante. A intenção de recorrer de multa, portanto, não possui capacidade de lesar terceiro, muito menos ofender a fé pública.
É cediço que o direito penal também não poderá punir aquelas condutas que não sejam lesivas a bem de terceiros, pois não excedam ao âmbito do próprio autor, assim como ensina Nilo Batista. No caso concreto a lei pretende tutelar a fé pública, a qual só pode ser abalada em fatos que possuam alguma relevância, sem o que incorre em violação do bem jurídico, imprescindível para o juízo de tipicidade.
Aplicam-se aqui os princípios da insignificância e da ofensividade já que a alteração de dado irrelevante não tem o condão de ofender o bem jurídico e, por conseguinte, de tornar o fato típico, conforme interpreta Fernando Capez. Nesse sentido, orienta-se a jurisprudência:
STJ: “A alteração da verdade, que só ao acusado diz respeito e só a ele pode prejudicar ou prejudica, não prejudicando e não podendo prejudicar a mais ninguém, não pode caracterizar o delito em apreço” (JSTS, 36/610).
TJSP: “A falsificação inócua, sem qualquer repercussão na órbita dos direitos ou obrigações de quem quer que seja não constitui ilícito penal, embora contenha em si, ostensivamente, o requisito da alteração da verdade documental” RT, (597/302).
Por outro lado, é oportuno mencionar que o caso em apreço é hipótese em que o funcionário público tem a obrigação de verificar se o declarante está ou não faltando com a verdade, de forma que a falsa declaração do paciente não poderá configurar o crime em exame. Assim, o documento de identificação do condutor infrator é elaborado para ser submetido à análise ou verificação. Logo, mesmo se contendo dados falsos, não há que se falar no crime em questão, pois sua eficácia está subordinada a uma condição suspensiva, na aprovação ulterior do agente público ou delegado.
Portanto, mesmo que a CNH não possua registro, inexiste lesão ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal, qual seja a fé pública, haja vista o fato não constituir crime.
3) DA ATIPICIDADE DO CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO. ART. 304 CP.
A denúncia afirma também que o paciente entregou a fotocópia da sua Carteira Nacional de Habilitação junto ao formulário de identificação de infrator condutor para poder contestar a multa de trânsito. Porém, é entendimento majoritário do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça que uso de documento falso, sem autenticação, não é capaz de configurar o crime, pois não há potencial para lesar a fé pública:
“De acordo com a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, cópias xerográficas ou reprográficas sem a respectiva autenticação não configuram documento particular para fins penais.” (HC 325.746/RN, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta turma, julgado em 24/11/2015, DJe 01/12/2015.
Assim, também entende Fernando Capez que inexiste potencialidade ofensiva:
“[...]por não serem considerados documentos para efeitos penais, não constitui crime o uso de documentos impressos ou integralmente datilografados, sem qualquer assinatura, que tenham sido falsificados, bem como o uso de cópias não autenticadas de documento.”
Insta salientar que a denúncia é válida apenas quando presentes o lastro probatório mínimo de indícios suficientes de autoria e de materialidade da infração penal. Contudo, é evidente que o caso em exame é hipótese de atipicidade absoluta, o que afasta a justa causa da peça acusatória que deflagra a ação penal.
Vale mencionar o ensinamento do Jurista Sylvio Amaral no livro Falsidade documental, 3ª ed. RT: São Paulo, 1989, p. 69:
“... a alteração consumada, para fundamentar a figura delituosa, precisa ser verdade juridicamente relevante para o agente ou para a vítima, ou para ambos. A falsificação inócua, sem qualquer repercussão na órbita dos direitos ou das obrigações de quem quer que seja não constitui ilícito penal, embora contenha em si ostensivamente o requisito da alteração da verdade documental. O falso documental é crime contra a fé pública. Este sentimento de confiança coletiva só preocupa o Estado enquanto gira em torno de atos ou fatos capazes de gerar direitos e obrigações entre os cidadãos ou entre estes e o Estado [...]. O malefício que não cria, não modifica, não perturba, nem extingue direito algum, não afeta a fé pública, no conceito de lei, ainda que realmente viole a crença de toda uma coletividade em torno de determinado documento. [...]”
Conclui-se após esse ensinamento que tanto a falsidade ideológica em documento que foi averiguado a ausência de dados corretos pelo funcionário público da PRF e, da fotocópia da CNH fornecida não possuem potencialidade lesiva a fé pública. Afinal, não criaram, não modificaram, não perturbaram, nem extinguiram direito algum.
Nesse contexto, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no AgRg no HC 656.638/SP, decidiu que o trancamento da ação penal pela via do habeas corpus somente é viável em situações excepcionais, quando for possível a comprovação, de plano, da inépcia da denúncia, da atipicidade da conduta ou da superveniência de causa extintiva da punibilidade.
Logo, a ação penal contra o ora paciente deve ser trancada pela ausência de justa causa pela atipicidade das condutas ao revés dos preceitos processuais do art.41 e 396 do CPP.
4) AUTORIDADE COATORA
Deverá prestar informações, com a máxima urgência, à autoridade judiciária apontada como coatora, Excelentíssimo Juiz Federal da Vara Criminal Federal da Seção Judiciária do por ter recebido a denúncia por crimes atípicos.
5) DA CONCESSÃO DA LIMINAR
Requer-se seja concedida a ordem de habeas corpus, liminarmente, em favor do paciente (nome do paciente), para o efeito de, reconhecendo-se a ilegalidade praticada, determinar a imediata expedição do Salvo Conduto. O cabimento de medida liminar justifica-se por ter ficado evidenciado o fumus boni juris da atipicidade das condutas e o periculum in mora de ver deflagrada ação penal injusta que estigmatiza o paciente.
6) CONCLUSÃO
Diante do exposto, distribuído o feito a uma das Turmas Recursais, colhido às informações da autoridade coatora e ouvido o Ministério Público Federal, requer a concessão da ordem de habeas corpus, em favor do paciente, já qualificado aos autos, para que a ação penal seja trancada e arquivada, por absoluta falta de justa causa, pois os fatos são atípicos, com fulcro no art. 648, I, do Código de Processo Penal, em seu favor, por ser medida de urgente JUSTIÇA.
Termos em que,
Pede deferimento
São Gonçalo 13/10/2021
Gabriel Peon Diniz Pires
OAB/RJ 204.070