Vistos.
I - RELATÓRIO
A empresa requerente (SINDOMAQ), no mês de dezembro de 1997 celebrou contrato de plano de saúde coletivo para com a empresa do ramo denominada “Saúde para Todos”. O Sr. diretor de eventos, Miguel Retroescavadeira, concretizado da ideia de conscientizar seus mais de 20.000 mil sindicalistas, promoveu diversas campanhas para tratar de assuntos relativos aos direitos das pessoas deficientes, das mulheres, dos transgêneros, entre outros. Ciente da campanha retro, três sindicalizados, GIGI MAQUINA DE COSTURA, LULU MÁQUINA DE LAVAR e ZEZE BRITADEIRA, manifestaram interesse, e com o intuito de realizar a cirurgia de mudança de sexo, procuraram em lei, e tomaram conhecimento da existência da Resolução n. 1707 do Ministério da Saúde, que autoriza hospitais conveniados ao S.U.S. – Sistema Único de Saúde a procederem cirurgias para a referida mudança de forma gratuita. Por se enquadrarem nas condições estabelecidas pela aludida portaria, inscreveram-se, candidatando-se à cirurgia através do sistema único de saúde, todavia, descobriram que o rol de pacientes ultrapassava o ditame temporal de 05 anos. Insatisfeitos com a situação, procederam uma consulta formal junto ao Plano de Saúde “SAÚDE PARA TODOS”, questionando-o se determinada cirurgia se enquadrava no rol das cobertas pelo plano sindical. Sob o prisma de escusa, com fundamentação em cláusula expressa do contrato, da qual afastava a cobertura para cirurgia de mudança de sexo, o plano de saúde, por escrito, contestou a consulta formal feita pelo sindicato, negando-se a cobrir qualquer despesa para os casos dos três interessados. Os mesmos, agora cientificados da inviabilidade da referida cirurgia, que colocaria fim aos anos de angustia e sofrimento, arcaram com todas as despesas médicas e hospitalares. Por fim, os três sindicalizados procuraram o SINDOMAQ exigindo que o Plano de Saúde “SAÚDE PARA TODOS” os ressarcisse das despesas com a cirurgia. Invocando a cláusula de arbitragem constante do contrato de plano de saúde coletivo, o SINDOMAQ deu início ao procedimento em face do Plano de Saúde.
É o relatório.
II - FUNDAMENTO E DECIDO.
Os direitos, obrigações e faculdades estabelecidos entre as partes estão regulados pelo Contrato de Plano de Saúde Coletivo, firmado em 1997.
Com o advento da Lei nº 9.656/98, ofícios com o título de “TERMO DE OPÇÃO” foram encaminhados ao contratante SINDOMAQ, para que, após deliberação com seus beneficiários, se manifestasse sobre a adaptação do contrato à nova regulamentação (Lei nº 9.656/98), com maior abrangência de cobertura, contudo, tal proposta foi recusada pelos beneficiários, tornando infrutífera a negociação da migração para um contrato regulamentado.
Diante disso, em obediência ao princípio constitucional de irretroatividade da lei para proteção do ato jurídico perfeito, foram mantidas as mesmas coberturas contratadas, além do que não é lícito à requerida proceder a rescisão unilateral do contrato por este motivo, ou até mesmo proceder a migração contratual sem o consentimento da contratante.
De acordo com as necessidades de cada sindicalizado para com a sua sexualidade, vê-se nas esferas da Bioética e do Biodireito que uma nova construção de identidade reconheça a dignidade humana plena em sua essência, de livre orientação e exercício de sua sexualidade, dos direitos da personalidade, e do reconhecimento de sua autonomia e não de um saber especializado que possa suprir a incapacidade do indivíduo de reconhecer o que, de fato, melhor para si, para que este possa se ver sujeito pleno de direitos constitucionais e civis.
Em análise minuciosa ao contrato, verifico que a cirurgia não está sombreada pela cobertura, restando os sindicalizados no prejuízo já que por grande sofrimento e angustia realizaram a cirurgia de forma particular, onde gastaram R$ 100,000 de cada um em cada cirurgia.
Deste modo constata-se que pelo dano psicológico que sofreram, desencadearam problemas de saúde aos mesmos, deixando-os fora de um estado de normalidade de funcionamento do organismo humano, trazendo grande falta de uma boa disposição física e mental.
Ademais, a assistência ilimitada à saúde cabe ao Estado (art. 196 e 198 II da C. F.), a obrigação de conceder qualquer medicamento, sem qualquer restrição, pertence ao Estado, por intermédio do Sistema Único de Saúde – SUS e não à requerida, pessoa jurídica de direito privado que é. Os princípios que norteiam os artigos 196 e 198 II da CF se aplicam além do SUS, contemplando também nos planos privados, mais precisamente no art. 1º § 1º nas linhas a, c, e, f da Lei 9.656/98 definindo os critérios de avaliação do indivíduo e de acompanhamento multidisciplinar do paciente.
A exclusão, tal qual posta, e, mormente no sistema anterior à Lei n.º 9.656/98, é perfeitamente válida, não afrontando o objeto do contrato (que não promete assistência irrestrita à saúde) e nem tão pouco se podendo dizer abusiva à luz do Código de Defesa do consumidor, já que compatível com o padrão do plano a que aderiu os autores e com a baixíssima mensalidade por ela suportada. A afirmativa consta na nova Súmula do Superior Tribunal de Justiça. As referências da súmula são as Leis 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) e 9.656/1998, que dispõe sobre planos e seguros privados de assistência à saúde. A Súmula 469 foi aprovada pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça.
A súmula consolida o entendimento, há tempos pacificado no STJ, de que “a operadora de serviços de assistência à saúde que presta serviços remunerados à população tem sua atividade regida pelo Código de Defesa do Consumidor, pouco importando o nome ou a natureza jurídica que adota”. O CDC é aplicado aos planos de saúde mesmo em contratos firmados anteriormente à vigência do Código, mas que são renovados. Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso dos réis e não se conhece do recurso adesivo dos sindicalizados.
Por conseguinte, o “pacta sunt servanda”, princípio dos mais importantes da teoria geral dos contratos, ainda é regra no direito brasileiro devido à segurança jurídica, pois representa que os pactos devem ser respeitados presente em seus preceitos, já que a falta da característica de obrigatoriedade no cumprimento dos contratos perfeitamente firmados entre as partes, como é o caso do contrato ora discutido, resultaria numa verdadeira desordem no ordenamento jurídico brasileiro, pois sua observância ficaria à mercê da boa vontade das partes, o que é absolutamente inadmissível.
III - DISPOSITIVO
Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido do autor.
Kaio Nabarro Giroto, Árbitro Nomeado.
Presidente Prudente, 23 de agosto de 2017.