ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA EXTRAJUDICIAL: MUDANÇA DE PARADIGMA PARA A SOLUÇÃO DE DEMANDAS SEM LITÍGIO

04/09/2022 às 20:20
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O legislador pátrio vem entendendo que determinados procedimentos não dependem da intervenção judicial e que os Serviços Notariais e Registrais atuam de forma célere, ágil e escorados no conhecimento técnico de tabeliães e registradores, com segurança

Eliane Blaskesi

Quando falamos em adjudicação, de pronto vem à mente a judicialização do feito. Esta palavra, que é difícil até de pronunciar, tem sentidos diversos, em grande parte ignorados ou desconhecidos das pessoas.

No sentido mais comum, adjudicação é uma das formas de expropriação de bens constante do Código de Processo Civil, sendo uma das formas prioritárias, por ser menos demorada que as demais.

O único herdeiro ou cessionário pode realizar o inventário e adjudicar o patrimônio do de cujus, nos termos do que determina a legislação civil.

Em caso de condomínio geral, um dos condôminos pode requerer a adjudicação do bem, pagando aos demais o valor correspondente. Esta é outra forma de adjudicação.

A adjudicação também pode se dar de forma compulsória, por descumprimento ou impossibilidade do promitente vendedor cumprir o que se obrigou, no contrato preliminar de promessa de compra e venda. O promitente comprador adquire, ao registrar o instrumento de promessa, o direito real que lhe dá o direito de adjudicar compulsoriamente o bem.

Esta forma de adjudicação, tendo em vista a mudança legislativa, agora é possível de forma extrajudicial, trazendo para a prática diária, a facilitação e a celeridade para a solução do registro da propriedade.

A seguir, através de pesquisa bibliográfica, documental e da prática cartorária, será detalhada a forma de realizar este procedimento, questionando a repercussão no meio jurídico e a preparação dos profissionais que enfrentarão esta modificação, de forma a dar efetividade à lei.

CONCEITO DE ADJUDICAÇÃO

Adjudicar é tomar para si, através dos meios legais ou convencionais um ou mais bens, seja por ter direito como exequente ou como credor ou herdeiro.

A palavra difícil de pronunciar também não é popular como procedimento entre as pessoas, sejam leigas, sejam profissionais que exercem atividades onde pode ser lançada mão e utilizada como forma de resolução de alguma situação envolvendo direitos.

AS FORMAS DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA DE IMÓVEL E O EMBASAMENTO LEGAL

ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA JUDICIAL

O bem imóvel adquirido através de promessa de compra e venda gera, para o promitente vendedor, uma vez cumpridas as obrigações do promitente comprador, uma obrigação de fazer, isto é, outorgar o contrato ou escritura definitiva de venda para que haja a transmissão da proprietária perante o registro de imóveis.

Se, todavia, conforme assevera Sanchez (2021, p. 347)

Após ser regularmente notificado para tanto, recusar-se,  justificadamente, a cumprir sua parte no negócio, o adquirente poderá socorrer-se da ação de adjudicação compulsória, a fim de que a propriedade do bem e seja transferida por força de ordem judicial.

Esse tipo de ação só pode ser intentada contra o proprietário do imóvel e embora o artigo nº 1.417 do Código Civil diga que deva haver o registro da promessa de compra e venda para gerar o direito do promitente comprador, que só assim adquire o direito real de aquisição do imóvel, a Súmula 239 do Superior Tribunal de Justiça afirma que o direito a adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.

O Código Civil estabelece, no artigo nº 1.418: O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.

Quem adquire um imóvel através de promessa de compra e venda, após cumprir as suas obrigações pode exigir do promitente vendedor a outorga do contrato ou escritura definitiva de venda.

Na recusa ou impossibilidade de receber o documento hábil para o registro definitivo da propriedade o adquirente pode impetrar ação de adjudicação compulsória, comprovando que quitou o valor do imóvel e que tem o direito de transferir o bem para o seu nome.

O promitente vendedor deve cumprir a obrigação de fazer, isto é, outorgar o documento definitivo de venda. Caso isto não ocorra, o juízo expedirá a Carta de Adjudicação e o promitente comprador, juntando a ela o comprovante do recolhimento do Imposto de Transmissão de Bens imóveis- ITBI, levará ao Registro de Imóveis de onde se localiza o bem, para registrar em seu nome.

Assim, se houver o registro, gera para o promitente comprador a oponibilidade erga omnes e aquele que não registrou terá somente o direito pessoal de requerer a adjudicação.

O direito de requerer a adjudicação compulsória judicialmente, além de estar previsto nos artigos 1.417 e 1.418 do Código Civil, também encontra amparo nos artigos 15 e 16 do Decreto-Lei nº 58 de 10 de dezembro de 1937:

Art. 15. Os compromissários têm o direito de, antecipando ou ultimando o pagamento integral do preço, e estando quites com os impostos e taxas, exigir a outorga da escritura de compra e venda;

Art. 16. Recusando-se os compromitentes a outorgar a escritura definitiva no caso do artigo 15, o compromissário poderá propor, para o cumprimento da obrigação, ação de adjudicação compulsória, que tomará o rito sumaríssimo.

O procedimento da ação se dará conforme o artigo 319 do Código de Processo Civil- petição inicial, com a citação do réu, audiência de conciliação, audiência de instrução e julgamento, caso não obtida a conciliação, finalizando com a sentença que, se julgada procedente a ação, dará o título hábil para o registro imobiliário.

ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA EXTRAJUDICIAL

O promitente comprador que não obtém a escritura definitiva do promitente vendedor pode comprovar perante o registrador de imóveis que tem direito ao registro do bem em seu nome, sem precisar entrar em juízo.

Assistido por advogado e apresentando o contrato de promessa e compra e venda, com a prova da quitação e o recolhimento do Imposto de Transmissão sobre Bens imóveis- ITBI, poderá registrar o imóvel em seu nome, sem precisar da assinatura do vendedor.

Adjudicação compulsória extrajudicial é tema novo, que ingressou no ordenamento jurídico brasileiro através da Lei 14.382 de junho de 2022 e trouxe a possibilidade do promitente comprador, uma vez que comprove que quitou todas as obrigações e que há impossibilidade ou negativa do promitente vendedor na outorga do documento definitivo, seja contrato, seja escritura, requerer ao registro de imóveis que seja reconhecida a sua propriedade plena e definitiva. O promitente comprador deverá constituir advogado para peticionar perante o registrador de imóveis, instruindo o requerimento com os documentos comprobatórios das obrigações já totalmente cumpridas pelo promitente comprador.

Requerendo este reconhecimento com a comprovação da documentação da aquisição do bem e da quitação de todas as obrigações do promitente comprador, sejam elas de aspecto fiscal ou de aspectos contratuais, o registrador de imóveis registrará o imóvel em seu nome.

A nova lei (14.382 de 2022) incluiu, na Lei dos Registros Públicos-LRP, o artigo 216-B, que autoriza aquele promitente comprador que não tenha obtido êxito em receber a escritura ou contrato definitivo de compra e venda, para registrar o imóvel em seu nome, possa, através de procedimento extrajudicial, perante o Registro de Imóveis, representado por advogado, requerer a adjudicação do bem.

A LRP, no seu novo artigo Art. 216-B, traz a seguinte redação:

Sem prejuízo da via jurisdicional, a adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão poderá ser efetivada extrajudicialmente no serviço de registro de imóveis da situação do imóvel, nos termos deste artigo.

Esclarece, ainda, que são legitimados a requerer a adjudicação o promitente comprador ou qualquer dos seus cessionários ou promitentes cessionários, ou seus sucessores, bem como o promitente vendedor, representados por advogado, e o pedido deverá ser instruído com os seguintes documentos:

I - instrumento de promessa de compra e venda ou de cessão ou de sucessão, quando for o caso;

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II - prova do inadimplemento, caracterizado pela não celebração do título de transmissão da propriedade plena no prazo de 15 (quinze) dias, contado da entrega de notificação extrajudicial pelo oficial do registro de imóveis da situação do imóvel, que poderá delegar a diligência ao oficial do registro de títulos e documentos;

III - (VETADO);

IV - certidões dos distribuidores forenses da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente que demonstrem a inexistência de litígio envolvendo o contrato de promessa de compra e venda do imóvel objeto da adjudicação;

V - comprovante de pagamento do respectivo Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI);

VI - procuração com poderes específicos.

§ 2º (VETADO).         

§ 3º À vista dos documentos a que se refere o § 1º deste artigo, o oficial do registro de imóveis da circunscrição onde se situa o imóvel procederá ao registro do domínio em nome do promitente comprador, servindo de título a respectiva promessa de compra e venda ou de cessão ou o instrumento que comprove a sucessão.

Note-se que deve haver a notificação formal ao promitente vendedor, que se dará através do próprio Registrador de Imóveis ou através do Registrador de Títulos e Documentos. Isto porque, com a fé pública destes registradores, mesmo que, encontrado o notificando e este se recusar a assinar, será lido e certificado que ele sabe do que se trata e não pode alegar desconhecimento, posteriormente.

A lei não especifica o que ocorre caso não seja encontrado o promitente vendedor. Por analogia com outros institutos de regularização de imóveis, pode ser feita a notificação por edital, em jornal de grande circulação e, caso não seja encontrado ou não se manifeste nos prazos dados, a adjudicação tem sua finalização, com o registro do título em nome do adquirente.

Isto porque, caso não seja encontrado pelo notificante, ficará comprometida a prova do inadimplemento, devendo ser dada outra possibilidade, através do edital, para que o promitente vendedor tome conhecimento de que está sendo chamado a cumprir a obrigação de fazer.

Após estas providências, em não se obtendo êxito em encontrá-lo, o registro é feito.

ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA INVERSA

Através de ação judicial ou procedimento extrajudicial é possível a ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA INVERSA, isto é, o vendedor que precisa que o imóvel prometido à venda saia do seu nome, para comprovar, por exemplo, na obtenção de um financiamento para casa própria, dentro dos programas habitacionais, que não tem imóvel registrado em seu nome, seja para a regularização de imóvel de que tenha posse, através de, por exemplo usucapião especial.

Neste caso pode requerer ao juízo competente ou ao registrador de imóveis, com assistência de um advogado, que o bem seja adjudicado ao promitente comprador.

O procedimento é semelhante ao que o promitente comprador realiza.

Contrata o advogado que vai juntar a documentação e peticionar ao juiz ou ao registrador de imóveis, notificar o promitente comprador para que encaminhe a escritura de aquisição perante o tabelionato de notas ou, em caso de imóveis com valor inferior a 30 salários mínimos de menor valor vigente no país, assinar o contrato particular de compra e venda.

Caso o promitente comprador não se apresente, deverá o promitente vendedor recolher o ITBI, pagar os emolumento de registro e o advogado e, juntando todos os comprovantes de pagamento de despesas que não são suas e, posteriormente, ajuizar ação de cobrança dos valores que deveriam ter sido arcados pelo promitente comprador. Neste caso, se comprovado, poderá ainda, requerer indenização por perdas e danos, caso tenha havido.

CONCLUSÃO:

Embora embrionária, esta nova forma de regularizar imóvel mostra-se eficaz, principalmente dada a simplicidade da lei, que remete ao registrador de imóveis, que já possui o repositório dos registros dos bens imóveis, a legitimidade para realizar o procedimento de adjudicação compulsória.

As provas requeridas também são de fácil demonstração, pois basta que demonstre o promitente comprador que comprou, pagou, cumpriu suas obrigações, juntar as certidões de que não pende litígio sobre o imóvel e apresentar o pagamento do imposto de transmissão- ITBI, que deverá ter o bem registrado em seu nome, depois de notificar o promitente vendedor para que cumpra a obrigação. Os critérios são objetivos, de forma que, cumprindo-os, de forma célere resolve-se a situação, adjudicando extrajudicialmente o imóvel ao promitente comprador.

REFERÊNCIAS:

Sanchez, Julio Cesar. Direito Imobiliário de A a Z: Teoria e Prática. 2 ed. Leme, São Paulo: Mizuno, 2021

Sobre a autora
Eliane Blaskesi

Maria Eliane Blaskesi Silveira. Nome bibliográfico para citações: BLASKESI, Eliane. Bacharela em Direito pela Universidade da Região da Campanha- URCAMP, Especialista em Direito Notarial e Registral, pela PUC/MG, Especialista em Direito Processual Civil pela UNISC, Especialista em Formação de Professores para a área jurídica superior pela LFG/Anhanguera, Mestra em Direito Ambiental pela Universidade de Caxias do Sul- UCS, Pós-graduanda em Metodologias Ativas de Aprendizagem pela Urcamp/Uniamérica;Tabeliã de Notas e professora universitária do Curso de Direito da URCAMP/Campus Alegrete/RS. Autora de vários artigos publicados e do Livro Evolução da Usucapião: da judicial à extrajudicial, que já está em sua 4ª edição. Autora do Livro Estatuto da Cidade e a Inclusão da área rural no Plano Diretor e do Livro Direito de Laje: o longo Caminho da Teoria à Prática. E-mail: [email protected]. Whats app 55 9 99918551. Instagran: Eliane Blaskesi. Canal You Tube: Professora Eliane Blaskesi. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7325639277704271

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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