Relendo “O Caso dos Exploradores de Cavernas”, de Lon L. Fuller (1902-1978)

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Relendo O Caso dos Exploradores de Cavernas, de Lon L. Fuller (1902-1978)

Comentário. FULLER, Lon Luvois. O Caso dos Exploradores de Cavernas. Tradução de Plauto Faraco de Azevedo. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1976, 77 p.

Rogério Duarte Fernandes dos Passos

Lon Luvois Fuller (1902-1978), jurista e filósofo estadunidense, professor de Jurisprudência, docente na Harvard University, publicou The Case of the Speluncean Explorers em português O Caso dos Exploradores de Cavernas clássico do Direito, pela primeira vez, na Harvard Law Review, no ano de 1949.

Com a tradução do professor doutor Plauto Faraco de Azevedo, a obra tornou-se leitura frequente de Teoria Geral do Direito nas séries iniciais dos cursos de ciências jurídicas, especialmente por conta de trazer o conflito entre as filosofias do direito natural (oriundo de uma consequência da natureza ou atributo dado ao ser humano por ela) e direito positivo (vindo de uma criação social).

Com ares de dramaticidade, Fuller descreve o hipotético caso de exploradores de caverna que nela ficam presos após um deslizamento de terra, e, temerosos de sua situação dramática, desligam seu rádio comunicador e para subsistência alimentar, resolvem matar um dos membros da expedição, justamente o que propõe e posteriormente desiste de tal intento. Os membros dessa sociedade espeleológica somente saem vivos após outras dez vidas se perderem nos trabalhos de resgate, com enormes custos.

A discussão do caso revela o engenho criativo, ensaístico e jurídico do autor, de forma que quando a causa sub judice chega à Suprema Corte do Estado de então, os magistrados debatem-se em teses reveladoras de muitas possibilidades de argumentação, compreensão e interpretação da ciência jurídica.

Ora parecendo retórica e exposição de conjeturas vazias, ora revelando profundo exercício hermenêutico, o debate dos juízes torna-se assombrado por uma solicitação de clemência do Poder Executivo, trazendo, até mesmo, a discussão em torno da Teoria da Separação de Poderes enquanto mecanismo de apaziguamento social e mais adequada materialização de competências para que o Direito não se transforme também em mera contemplação da opinião pública ou ferramenta draconiana.

No bojo da emocionalidade do caso, um dos julgadores expõe o non liquet a possível hipótese de abstenção do julgamento por não dispor ou encontrar elementos no processo , revelando a ironia de potenciais condenações à morte no hipotético ordenamento vigente após vultosos recursos despendidos, e mesmo vidas investidas, na operação de resgate.

Diante disso, questão igualmente de relevo reside no caráter legitimador que o Direito busca para alicerçar-se na sociedade em sua tarefa primaz de pacificação social, superando ainda que na difícil construção argumentativa de um espaço colegiado , a assertiva popular de ser coisa diversa do valor da justiça (e da própria equidade) caminhando para simples casuísmo e fato de ocasião a justificar diferentes interesses e fraturas sociais irreconciliáveis por sentimentos de demasiado apego a posições dogmáticas e doutrinárias.

Quando o rádio comunicador foi supostamente desligado pelos exploradores, intentaram eles dolosa ou culposamente uma desvinculação do sistema jurídico? Poderiam eles supor, mesmo questionando às autoridades previamente sobre fato (enquanto o rádio esteve ligado), que isso ser-lhes-ia possível ou legítimo em algum momento? Quais excludentes de ilicitude, situações de estado de necessidade, bem como circunstâncias atenuantes e agravantes, poderiam alcançar o caso concreto? No caso em tela, com restrição ao odioso e ampliação ao favorável, caberia o entendimento enquanto axioma do brocardo odiosa restrigenda, favorabilia amplianda? A soberania, sobretudo, na concepção do poder de dizer o direito, e jurisdição, não alcançavam os exploradores em algum momento?

Outras questões suscitadas ao longo da leitura:

O caráter solene do Direito, em especial nas questões de forma, interfere no conteúdo e nas questões jurídicas de fundo da discussão de uma tese? Quais fontes, sobretudo, imaginando um ordenamento futuro (ou lege ferenda), poderiam ser elencadas ou buscadas na solução de causa tão complexa? Na busca de uma solução adequada, poderia haver limites criadores no Direito? Qual seria o poder de um ajuste contratual (lex inter partes) em uma situação de tamanha dramaticidade como a exposta aqui? Qual são os limites da autonomia privada, da autonomia da vontade e da indisponibilidade de direito (e de si próprio)? Para a proteção de um objeto juridicamente tutelável, poder-se-ia violar, ainda que parcialmente, outro? Dentro de uma caverna e sendo complexo o trabalho de resgate, poder-se-ia alegar a suspensão do pacto social tão caro às teorias da filosofia contratualista e, até mesmo, admitir o retorno desses pobres homens a um estado de natureza brutal, possuidor da autopreservação e do interesse egoístico na condição de fundamentos quase que únicos?

Em momento que a Teoria da Separação de Poderes, as questões de competência de foro, dosimentria da pena, impunidade, limites da inviolabilidade no debate jurídico e, por que não dizer, inclusive a liberdade de expressão são objeto de reflexões em todo o mundo, a leitura de O Caso dos Exploradores de Cavernas, de Lon Luvois Fuller, nesta inestimável tradução de Plauto Faraco de Azevedo para a Língua Portuguesa, continua relevante atemporal não apenas por sua condição de clássico, contudo, pelas cogitações e questionamentos que impõe ao leitor, estudante e operador do direito, fazendo da ciência jurídica um polo multi e interdisciplinar, representativo da vida em sociedade.

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