O direito fundamental à família

Leia nesta página:

Trata-se de artigo cujo objetivo é refletir a família enquanto direito fundamental, valendo-se das ferramentas que a hermenêutica constitucional oferece para tanto.

Há quem defenda (FIUZA; POLI, 2015) que a família é um direito fundamental. Mas será que, de fato, esta premissa procede? É o que, a seguir, veremos.

De antemão, é necessário se fazer duas observações: a primeira é a de que esta problemática transcende o mero debate acadêmico, pois saber se determinado direito é fundamental implica em lhe atribuir valor de cláusula pétrea, isto é, que não pode ser suprimido ou ter sua proteção constitucional reduzida (art. 60, §4º, CF); a segunda é a de que inexistem divergências sobre a existência, ou não, de direitos fundamentais alheios ao catálogo constitucional, tendo em vista que a própria Carta Magna dispõe neste sentido (art. 5º, §2º).

Mendes e Branco (2015) apontam que para saber se determinado direito é fundamental, faz-se necessário refleti-lo à luz das características que a doutrina (ARAÚJO; NUNES JÚNIOR, 2017) entende por lhe conferir atributo de essencialidade:

 

  1. Historicidade: a ideia de família enquanto valor a ser juridicamente protegido é uma construção histórica, fruto de conquistas sociais e humanitárias;
  2. Universalidade: todos, desde o nascimento, são aptos a serem membros de família;
  3. Limitabilidade (ou relatividade): o exercício do direito à família, embora essencial à dignidade humana, comporta limitações, como é o caso dos impedimentos para se casar, previstos no art. 1.523, do CC;
  4. Irrenunciabilidade: pode sujeito optar por não fazer parte de determinada unidade doméstica, porém não lhe é possível abdicar do direito de ter família;
  5. Concorrência: pode ser exercido, simultaneamente, com outro(s), como, por exemplo, os direitos à família e à igualdade entre filhos (art. 227, §6º, CF) uma criança que reside com seus pais e irmãos, ao conviver com eles está exercendo, concorrentemente, ambos os direitos mencionados.

 

Considera-se, igualmente, como ferramenta hermenêutica apta a identificar se determinado direito é fundamental o princípio da dignidade da pessoa humana, pois é ele o fundamento de existir e de proteger os direitos fundamentais (BULOS, 2012); e, não paira dúvida acerca da essencialidade da família para a preservação da dignidade humana, tendo em vista que é no seio dela que os sujeitos desenvolvem suas subjetividades e pessoalidades:

 

A família é de importância ímpar para a formação e reprodução de valores, pois em seu âmbito é desenvolvida a personalidade de cada ser humano. Em especial no Direito de Família, conhecido como o mais humano de todos os ramos do Direito, o princípio da dignidade da pessoa humana, para além de ser base de todos os outros, assegura aos indivíduos o pleno desenvolvimento (YAGODNIK; MARQUES, 2014, p. 55).

 

Consigna-se que o não exercício não obsta existência do direito. Neste sentido, por exemplo, a criança que se encontra em instituição de acolhimento, aguardando adoção, pode até não pertencer, naquele momento, a determinada família, mas ainda é detentora do direito de, eventualmente, ser membro de alguma.

Enfim, conclui-se que, de fato, há o direito fundamental à família.

 

REFERÊNCIA

ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 21. ed. São Paulo: Verbetim, 2017.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

FIUZA, César; POLI, Luciana Costa. Famílias plurais: o direito fundamental à família. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, n. 67, p. 151-180, jul/dez. 2015. DOI 10.12818/P.0304-2340.2015v67p151. Disponível em: https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1730. Acesso em: 9 set. 2022.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

YAGODNIK, Esther Benayon; MARQUES, Giselle Picorelli Yacoub et. al. Princípios norteadores da reconfiguração das relações familiares na efetivação do acesso à justiça. In: CONPEDI/UNICURITIBA (Curitiba). Direito de Família: Coleção Conpedi/Unicuritiba. Curitiba: Clássica Editora, 2014. v. 7, cap. 2, p. 48-67. ISBN 978-85-99651-95-7.

Sobre o autor
João Gabriel Fraga de Oliveira Faria

Advogado (OAB/SP n. 394.378). Especialista em Direitos Fundamentais pela Universidade de Coimbra - Portugal. Especialista em Direito Constitucional Aplicado. Cursou especialização em Direito Público. É especialista em Direito Empresarial. Fez especialização em Direito e Processo Civil. É presidente da comissão de Direito de Família da 52º Subseção da OABSP. Foi membro da diretoria do núcleo regional (Lorena/SP) do IBDFAM. E-mail para contato: [email protected].

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos