Harmonização Orofacial e os limites éticos e legais

12/09/2022 às 14:47
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Participação maior de cirurgiões-dentistas na estética levou o CFO a regular atividade, reconhecendo HOF como especialidade e estabelecendo os limites éticos.

Nas últimas décadas, a obsessão social pela aparência perfeita causou uma grande expansão no mercado da beleza. E a demanda atraiu milhares de profissionais de inúmeras áreas da saúde, para um setor que já foi composto quase que exclusivamente por médicos, quando as cirurgias plásticas eram praticamente o único caminho.

Segundo a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética, o crescimento no numero de harmonizações foi mais de 20 vezes maior do que o de outras intervenções, sobretudo devido à possibilidade de se encaixar no padrão universal de beleza sem os inconvenientes de uma cirurgia invasiva, e ainda com possibilidades de reversão do procedimento. Isso sem falar no fenômeno das redes sociais, que intensificaram o culto à beleza e impulsionaram a publicidade do setor. 

No mercado da harmonização, além dos médicos e cirurgiões-dentistas, temos também biomédicos, enfermeiros e farmacêuticos marcando presença. Isso sem falar no esteticista, profissão regulamentada pela Lei 13.643/18, que compreende ainda o cosmetólogo e o técnico em estética. 

Embora a odontologia tenha como um dos focos a estética facial, a maior parte dos tratamentos odontológicos é, na verdade, de caráter terapêutico, e essencial à saúde das pessoas. Contudo, a crescente participação dos cirurgiões-dentistas nos tratamentos com finalidade estética levou o CFO (Conselho Federal de Odontologia) a regular a atividade, através da publicação da Resolução CFO 198/2019, que reconheceu a HOF (Harmonização Orofacial) como especialidade odontológica.  

Na resolução, a HOF foi definida como um conjunto de procedimentos por parte do cirurgião-dentista que visa o equilíbrio estético e funcional da face. Foram previstos o uso de toxina botulínica (Botox), preenchedores faciais e várias outras substâncias, com o objetivo de harmonizar os terços superior, médio e inferior da face, na região orofacial e nas "estruturas anexas, e afins". A resolução autorizou ainda a realização de procedimentos biofoto%u0302nicos, laserterapia, bichectomia e liplifting, além da lipoplastia facial através de técnicas químicas, físicas ou mecânicas na região orofacial.

Em 2020 foi editada a Resolução CFO 230/2020, com o objetivo de estabelecer limites à atuação dos cirurgiões-dentistas na estética facial. Isto porque o termo "estruturas anexas e afins" constante na resolução anterior ocasionou uma interpretação muito extensiva por parte dos profissionais, que passaram a realizar todo tipo de procedimentos e cirurgias estéticas.  

Assim, a nova resolução proibiu a realização de procedimentos como alectomia (nas asas nasais), blefaroplastia (nas pálpebras), rinoplastia (no nariz), otoplastia (nas orelhas) e lifting de sobrancelhas. Na oportunidade, foi proibida ainda a publicidade de procedimentos não odontológicos como design de sobrancelhas, maquiagem definitiva, remoção de tatuagens e tratamentos de calvície, dentre outros. 

Para atuar na área, os cirurgiões-dentistas precisam fazer um curso de especialização com carga horária mínima de 500 horas, com disciplinas que agreguem o estudo de anatomia, fisiologia, farmacologia, indutores de colágenos, laserterapia, preenchedores, procedimentos cirúrgicos e não cirúrgicos, dentre outras disciplinas. 

Da parte ética, portanto, foi estabelecido de forma clara o que é permitido e vedado ao cirurgião-dentista na Harmonização Orofacial, e como o profissional deve se habilitar para atuar na área. Diante das questões apresentadas pela sociedade e pelo mercado, o CFO foi competente em editar resoluções que identificam com clareza os limites éticos da especialidade. 

Sobre o prisma legal e jurídico, a Lei 5.081/1966 (que regula o exercício da odontologia) e as resoluções CFO 145, 146, 176, 198 e 230 descrevem com precisão tanto os limites éticos quanto os limites legais da Harmonização Orofacial. Em MG, diante de todos os questionamentos (sobretudo do CFM) o Ministério Público proferiu parecer em março de 2021 que confirmou a autonomia dos conselhos federais em regular a atuação de seus profissionais. O arcabouço legal e administrativo, mais acima citado, deixa inequívocas a legalidade e a eticidade da atuação do cirurgião-dentista especialista em Harmonização Orofacial, desde que dentro dos limites estabelecidos.

Ainda assim, o CFM (Conselho Federal de Medicina) segue questionando a atuação dos cirurgiões-dentistas nos procedimentos considerados invasivos, alegando diversos riscos aos pacientes. A batalha entre os conselhos federais parece ter um caráter mais mercadológico e protecionista do que científico, visto que as autarquias não convergem sequer para definir o conceito de "procedimento invasivo". Isso sem falar na grande contradição do CFM, que alega risco aos pacientes pela falta de conhecimento científico dos cirurgiões-dentistas para realização de procedimentos invasivos, mas até hoje sustenta a jurássica lógica de que qualquer médico pode atuar na área da medicina que desejar (como na cirurgia plástica, que demanda 6 anos de residência) mesmo sem a especialização e residência. 

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Por outro lado, a atuação irresponsável e antiética de inúmeros cirurgiões-dentistas (assim como de médicos, e outros profissionais), que têm atuado contrariamente às resoluções de seus respetivos conselhos, gera um ambiente de grande instabilidade para os profissionais comprometidos com a ética, já que a todo momento são divulgados pela mídia casos de atuação irregular, contrariando claramente o disposto nas resoluções dos conselhos.

Todos os dias somos impactados por casos absurdos, de "desarmonizações faciais" que deformam pacientes e causam danos à saúde. O que não macula, contudo, a atuação da grande maioria de profissionais éticos e especialistas em HOF, que atuam dentro dos limites estabelecidos. Cabe, portanto, ao próprio CFO (assim como aos respectivos conselhos, no caso dos outros profissionais) e à justiça a atuação em combate aos profissionais antiéticos. 

Quanto aos direitos dos pacientes, é importante salientar que, além dos já previstos para todas as demais especialidades odontológicas, a HOF traz ainda mais riscos, por se tratar de uma especialidade focada essencialmente na estética, estando sujeita a diversas variáveis acerca da avaliação de resultados, como a expectativa do paciente e o efetivo alcance do resultado proposto. Nesse ponto, o cuidado dos cirurgiões-dentistas deve ser ainda maior, pois diante das extensivas possibilidades de publicidade permitidas pelo CFO (que autoriza até mesmo o antes e depois), as chances de promessa indireta de resultado e outras formas de violação aos direitos do paciente são ainda maiores, agravando os riscos da atuação do profissional. 

Renato Assis é advogado, especialista em Direito Médico e Odontológico há 15 anos, e conselheiro jurídico e científico da ANADEM. É fundador e CEO do escritório que leva seu nome, sediado em Belo Horizonte/MG e atuante em todo o país.

[email protected]


Sobre o autor
Renato Assis

Advogado inscrito na OAB dos estados de BA, ES, MG, PR, SP e RJ; Professor de Direito e empresário; Graduado em Direito pela Universidade FUMEC-MG; Especialista em Direito Processual pela PUC-MG; Especialista em Direito Médico pela Universidade de Araraquara/SP; MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas/RJ; Especialista em Direito Ambiental e Minerário pela PUC/MG; Professor do curso de Direito Médico e Odontológico da UCA (Universidade Corporativa da ANADEM); Autor do livro “Direito Processual e o Constitucionalismo Democrático Brasileiro” – 2009; Autor do livro “Socorro Mútuo: Como a Proteção Veicular revolucionou o mercado de Proteção Patrimonial e de Seguros do Brasil” – 2019; Conselheiro Jurídico e Científico da ANADEM – Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética; Acadêmico Efetivo e Vitalício na área de Ciências Jurídicas da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Membro da AIDA – Associação Internacional de Direito do Seguro; Membro da WAML – World Association for Medical Law; Presidente da Unidade Brasil da ASOLADEME – Associación Latinoamericana de Derecho Médico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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