Resumo: A saidinha é um instituto do direito brasileiro que tem como um dos principais objetivos a ressocialização do apenado e o seu caráter educativo, haja vista que lhe possibilita a reintegração social após o cumprimento de requisitos de dupla natureza e de observância obrigatória para tanto. O presente artigo, portanto, trata sobre essa temática: a saída temporária. E para isso, utilizou-se como metodologia de pesquisa a bibliográfica, em especial de conteúdo disposto na internet, que seu deu por meio de um estudo de caso e através de uma abordagem quantitativa; tudo isso no intuito de alcançar um trabalho de natureza explicativa.
Palavras-chaves: Direito. Educativo. Ressocialização. Saída temporária.
Abstract: The "saidinha" is an institute of Brazilian law that has as one of its main objectives the resocialization of the convict and its educational character, given that it allows him to social reintegration after fulfilling dual nature requirements and mandatory compliance for that. This article, therefore, deals with this theme: the temporary exit. And for that, the bibliographic research methodology was used, especially content available on the internet, which was given through a case study and through a quantitative approach; all this in order to achieve a work of an explanatory nature.
Keywords: Right. Educational. Resocialization. Temporary exit.
Sumário: Introdução. Desenvolvimento. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
As saídas temporárias dos indivíduos encarcerados são garantias asseguradas na legislação brasileira, em especial na Lei de Execução Penal (LEP), e que têm o condão de buscar a ressocialização do apenado bem como a sua reeducação social para um bom convívio coletivo que, por sua vez, é um viés importantíssimo dos direitos humanos e que deve ser observado na sua integralidade.
Nesse sentido, esse instituto é de suma importância não só para preservar direitos dos presos - como a garantia à liberdade de locomoção; considerando-se que tal benesse é adquirida após cumprimento de algumas condições impostas pela lei, tratando-se, portanto, de um direito de aplicação indispensável daqueles que preencherem os requisitos propostos legalmente.
Trata-se, também, de um procedimento fundamental para preservar o contato e o ceio familiar e cooperar para a reintegração do sujeito ao ambiente comunitário, dentre outros, efeitos essenciais para que se observe o seu caráter educativo afim de se almejar uma melhor eficiência da medida.
DESENVOLVIMENTO:
As saidinhas, como são popularmente conhecidas, é um fenômeno do ordenamento jurídico brasileiro concedido aos apenados que cumprem pena em regime semi-aberto para que saiam, temporariamente e sob autorização, do estabelecimento prisional após o cumprimento de alguns requisitos legais, dispensando-se, inclusive, de sentinela. Veja o que diz a Lei de Execução Penal, Lei nº 7.210/1984:
Art. 122. Os condenados que cumprem pena em regime semi-aberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos:
I - visita à família;
II - freqüência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução;
III - participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.
Parágrafo único. A ausência de vigilância direta não impede a utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim determinar o juiz da execução. (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)
§ 1º A ausência de vigilância direta não impede a utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim determinar o juiz da execução. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 2º Não terá direito à saída temporária a que se refere o caput deste artigo o condenado que cumpre pena por praticar crime hediondo com resultado morte. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
No entanto, apesar de tal direito está sendo usual há tempos, há projeto de lei tramitando com o objetivo de extinguir a sua aplicação sob o argumento de sentimento de impunidade, o que, sem sombra de dúvidas, é uma exposição abstrata e que não guarda nenhuma segurança jurídica razoável para tanto, uma vez que sentimentos dessa estirpe não deve ser usado com fundamento idôneo para denegar direitos aos que os detêm, sob pena de beneficiar uma categoria em detrimento de outra.
O portal do G1, site de notícias da Globo, veiculou notícia no dia 03/08/2022, informando acerca do referido projeto de lei, de relatoria do Deputado Capitão Derrite (PL-SP) que, por sua vez, fundamentou tal medida para acabar com a saída temporária em argumentos de clamor público, sem respaldo legal ou científico. Isso, sem sombra de dúvida, caso aceito, causará uma insegurança jurídica enorme no sistema forense nacional pela sua fragilidade de arguição, refletindo sobremaneira nas decisões já proferidas e ocasionando abertura de precedentes inseguros para a justiça local.
Segundo o site de notícias, no parecer do referido Deputado, afirma-se que "causa a todos um sentimento de impunidade diante da percepção de que as pessoas condenadas não cumprem suas penas, e o pior, de que o crime compensa".
E complementa:
"A saída temporária não traz qualquer produto ou ganho efetivo à sociedade, além de que, na verdade, prejudica o combate ao crime, eis que grande parte dos condenados cometem novos crimes quando estão fora dos estabelecimentos penais desfrutando do benefício".
Dito isto, nota-se que a insurgência contra as saídas temporárias é arbitrária e desarrazoada, pois pauta-se somente em sensações alegadas sem, contudo, oferecer rudimento verossímil que possa notadamente demonstrar que a extinção de tal medida seria viável.
DA INSEGURANÇA JURÍDICA:
O projeto que tem o objetivo inaceitável de acabar com a saída temporária ou diminuí-la quando da sua frequência (o que não é menos grave), pode ser visto como um enorme retrocesso, monstruoso e cruel, ao ordenamento jurídico brasileiro, em especial por ser aquele instituto há muito tempo aplicado em âmbito nacional. A saída temporária pode ser vista como um instrumento indispensável e necessário para tentar reconstruir os laços sociais e afetivos que foram rompidos e aniquilados pelo aprisionamento que, não em poucas vezes, se dá de forma arbitrária e de forma totalmente desarrazoada.
Quando uma pessoa é posta em cárcere, todos os seus vínculos pessoais e profissionais são, de alguma forma, abalados. Sua própria identidade é destruída diante do afastamento social que a pessoa passa a vivenciar, o que ocasiona uma profunda desestruturação na sua organização comunitária.
Diante dessa imprescindível finalidade ressocializadora que a pena possui, o Estado (tido aqui de maneira ampla), através do Poder Legislativo, passou a adotar meios para atingi-la, como a possibilidade de trabalho da pessoa condenada de acordo com suas aptidões, a promoção ao estudo, a capacitação profissional, o direito a receber visitas, o sistema de progressão de regime prisional e, dentre outros, o benefício à saída temporária este, não menos importante para que se alcance o efetivo objetivo educacional que a pena deve ter: evitar a reiteração delitiva.
O instituto da saída temporária vem enfrentando certa resistência por parte da sociedade, muito em razão da mídia sensacionalista, o que cooperou para a elaboração do projeto de lei mencionado anteriormente que, embasado em argumentos não jurídicos, ganhou força no meio duma parcela pequena da população.
O artigo 122, da Lei de Execuções Penais estabelece as finalidades para a saída temporária, que são: para visitar família, frequentar curso supletivo profissionalizante e/ou de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução e para participar de atividades que concorram para o retorno ao convívio social.
Já o artigo 123, da mesma lei, prevê os requisitos para que o apenado tenha esse direito: além de estar no regime semiaberto, o reeducando precisa ter comportamento adequado; ter cumprido o mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente, bem como haver compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.
Com base no princípio de legalidade, o qual deve ser utilizado para embasar decisões tomadas no âmbito da justiça, o argumento mencionado alhures não contém qualquer força legislativa garantista que possa rudimentar, verdadeiramente, a exclusão de um direito que há muito já vem sendo efetivado no Brasil por muito tempo, o que levou a uma certa segurança jurídica e, caso isso fosse alterado por regras de cunho especulativo, o que vem sendo tido como regra, pode ocasionar uma enorme lacuna de periculosidade no arcabouço jurídico brasileiro.
O sentimento de insegurança e impunidade, ainda que haja, deve ser resolvido de outra forma que não a restrição de direitos daqueles que os detêm objetiva e subjetivamente. Como exemplo, a implementação de segurança pública mais eficiente, com investimento em aparatos capazes de sanar a criminalidade de forma mais pontual, além de treinamentos dos agentes estatais responsáveis pela incolumidade pública, bem como aplicação de recursos nos presídios brasileiros para que possam ser mais dignos e cooperarem, consequentemente, com a ressocialização do indivíduo; sem se esquecer da educação, base angular para que uma sociedade possa se vestir de conhecimentos técnicos tangíveis no intuito de saber como salvaguardar os seus direitos.
DOS REQUISITOS PARA A SAÍDA TEMPORÁRIA:
Dito isto, a legislação determina o cumprimento de algumas condições para que a saída temporária seja deferida, não bastando o simples pedido. No entanto, uma vez preenchidos, a sua concessão deve ser concedida quando somadas às demais exigências ofertadas pela lei.
O sentenciado, além de se encontrar no regime semi-aberto, deve preencher os requisitos previstos no art. 123 da LEP, quais sejam:
I comportamento adequado (requisito subjetivo);
II cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente (requisito objetivo);
III compatibilidade do benefício com os objetivos da pena (requisito objetivo).
Em relação aos requisitos objetivos, o cumprimento de, no mínimo, 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente, se faz necessário. Mas não é só. O sentenciado também deve reunir condições de natureza subjetiva, ostentando comportamento adequado, o que será certificado pelo diretor do estabelecimento prisional.
Nesse sentido, destaca-se que, com a presença de circunstâncias pessoais, como o bom comportamento, para que se obtenha a saída temporária, não é possível se falar em extinção desse benefício, haja vista estarem presentes exigências de cunho subjetivo que não podem ser, arbitrariamente, suprimidas pela sensação de uma parcela da população que, por sua vez, não tem sustentação legítima. Pois, alegar sentimento de impunidade levando em conta uma baixa parcela da população carcerária seria estender aos demais consequências maléficas e que não deram causa para tanto, causando, assim, um enfraquecimento das normas jurídicas e uma punição à olhos cegos àqueles tidos como pessoas de bom comportamento.
DO NO BIS IN IDEM:
O no bis in idem pode ser entendido como sendo uma regra que tem o condão de evitar a punição a uma pessoa por mais de uma vez pelo mesmo fato, o que seria um gravame sem precedentes à vida da vítima.
Nessa perspectiva, caso um indivíduo deixasse de usufruir de garantias que lhe são de direito com base em clamor público, sem respaldo legal ou jurisprudencial, uma vez preenchidas por aquele as condições impostas pela lei, a punição dúplice estaria caracterizada na sua forma mais latente.
O cumprimento de pena, por si só, já é a responsabilização in concreto pelos eventuais atos praticados pela pessoa que, proporcionalmente ao ilícito porventura realizado, cumprirá sua responsabilização nos ditames da lei, sempre observando a razoabilidade a proporcionalidade. E em contrapartida, a saída temporária é uma forma do apenado, por meio do comportamento adequado, revestir-se de garantias que lhe são inerentes.
Caso essa sua prerrogativa lhe fosse extirpada usando como fundamentos preceitos totalmente abstratos e sem qualquer fundamento legal, o bis in idem se veria operante, o que não deve ser tido como prática comum, tampouco fato isolado, pois trata-se aqui de direitos humanos.
Pois bem. Há entendimentos jurisprudenciais que coadunam com a concessão da saída temporária ao preso que cumpre efetivamente os requisitos postados pela legislação especial, tratando-se, portanto, de direito seu.
Entende-se o seguinte:
Fonte: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1307366968/habeas-corpus-hc-697549-rs-2021-0315991-4
Assim, como devidamente demonstrado, a benesse da saída temporária é um direito do apenado que cumpre as condições para a sua concessão, não havendo se falar em negativa uma vez que os seus requisitos estejam complemente acabados.
CONCLUSÃO:
Por oportuno, e depois do exposto acima, vale destacar que a extirpação do direito à saída temporária do preso após cumpridos as condições exigidas para tanto que contemplam não apenas requisitos de cunho objetivo, mas também subjetivos; seria violar, sobremaneira, a sua garantia à locomoção, uma liberdade assegurada na Carta Magna, em seu art. 5º, inciso XV, o qual prevê que
todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.
Assim, o poder de autodeterminação, bem como o de ressocialização e o intuito educativo de tal instituto estariam fortemente violados se, por ventura, o instituto alhures mencionado fosse suprimido por meio de um projeto de lei elaborado após um bramido social que vai de encontro aos preceitos alargados no ordenamento jurídico brasileiro. Deve-se manter, portanto, o respeito ao princípio da legalidade e garantir a aplicação, efetivamente, dos direitos que já vêm sendo aplicados há certo tempo.
Como relata o autor Prado em sua Obra:
Proclama a Lei de Execução penal que a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno a convivência em sociedade. [...] Também ao egresso será prestada assistência, que consistira na orientação e apoio para reintegrá-lo a vida em liberdade, alem da concessão, se necessário de alojamento e alimentação, em estabelecimento adequando, pelo prazo de dois meses (art. 25 LEP).
Sobre a ressocialização do preso o autor Bittencourt relata reinserção social:
A ressocialização do delinquente implica um processo comunicacional e interativo entre o indivíduo e sociedade. Não se pode ressocializar o delinquente sem colocar em dúvida, ao mesmo tempo, o conjunto social normativo ao qual se pretende integrá-lo. Caso contrário, estaríamos admitindo, equivocadamente, que a ordem social é perfeita, ao que, no mínimo, é discutível.
Por fim, é claro que a ressocialização é dever do Estado, bem como da sociedade que, esta, por sua vez, não deve se opor àquele instituto sob a alegação de sensação de insegurança e temor.
REFERÊNCIAS:
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2011, P.118.
CLAVERY, Elisa; BARBIÉRI, Luiz Felipe. Câmara aprova projeto que acaba com saída temporária de presos; entidades criticam. 3 ago. 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/08/03/camara-aprova-projeto-que-acaba-com-saida-temporaria-de-presos-entidades-criticam.ghtml. Acesso em: 7 ago. 2022.
L7210. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm. Acesso em: 9 ago. 2022.
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal brasileiro. 7 ª Ed. Parte Geral. Arts. 1º a 120. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005,P. 590.
Projeto de Lei nº. 1.029/2019, em trâmite no Senado Federal, de autoria do Senador Major Olímpio, sob relatoria do Senador Flávio Bolsonaro .https://legis.senado.leg.br/sdleggetter/documento?dm=7920241&ts=1559266303217&disposition=inline. Acesso em: 9 ago. 2022.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Jusbrasil. Nov. 2021. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1307366968/habeas-corpus-hc-697549-rs-2021-0315991-4. Acesso em: 7 ago. 2022.