RESUMO:O estudo reflete sobre a possibilidade de responsabilização social dos gestores públicos frente à comprovada ineficiência na execução e concreção de políticas administrativas desses. Trata-se de temática de grande relevância social, na medida em que o país vem enfrentando sérias consequências da omissão dos administradores, especialmente dos Chefes do Poder Executivo nas esferas federal, estadual, municipal e distrital do país. Por isso, o objetivo é investigar a origem e o fundamento do Direito Administrativo, abordar os princípios consagrados no caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988 e que norteiam a atividade administrativa, verificar a importância da responsabilização dos agentes públicos por atos comprovados de má-gestão que ensejam improbidade e que causam danos irreparáveis à população e ao erário e, ao final, demonstrar que se faz necessária a previsão legal de responsabilização social dos agentes públicos. Sob os métodos hipotético-dedutivos e de revisão de literatura, constata-se que, em que pese a consagração da eficiência como princípio norteador da Administração Pública, o país carece de um diploma legal específico, voltado à responsabilização social dos gestores ineficientes.
PALAVRAS-CHAVE: Administração Pública. Improbidade. Gestão ineficiente. Responsabilização social.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Desenvolvimento: 1.1. Origem e conceitos do direito administrativo; 1.2. Princípios constitucionais e Administração Pública: uma análise do caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988; 1.3. Breves considerações sobre a improbidade administrativa; 1.4. Possibilidade de aplicação da responsabilidade social frente à ineficiência dos gestores públicos. Considerações finais. Referências.
Introdução
A Administração Pública, para atender seu dever precípuo, necessita da atuação direta dos agentes públicos para a efetivação da prestação de serviços em todas as esferas. E, para assegurar que a máquina pública não seja utilizada de forma desarrazoada, para atender a interesses particulares, é que a Constituição Federal de 1988 exige, por exemplo, a realização de concurso público para o ingresso dos servidores na Administração Pública,[1] além de estabelecer a responsabilização dos agentes públicos condenados por atos de improbidade administrativa,[2] nos termos do inciso II e § 4º, ambos do art. 37 da vigente Carta Política.
Ocorre que a gestão administrativa nem sempre é eficaz, não raras vezes em decorrência da postura adotada pelos gestores públicos. Nesse cenário, surgem questionamentos diversos, a exemplo do dever expresso e delimitado de desempenhar suas atribuições com eficiência, bem como a possibilidade de serem os agentes públicos responsabilizados quando comprovada a sua ineficiência.
Não é demais ressaltar que a eficiência na Administração Pública ganhou relevo a partir do advento da Emenda Constitucional nº 19/1998, que inseriu no caput do art. 37[3] da Constituição Federal de 1988 o princípio da eficiência, ao lado dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade. Logo, a introdução do princípio da eficiência no rol dos norteadores da Administração Pública trouxe consideráveis alterações no modelo de gestão, fazendo surgir a Administração Pública Gerencial em detrimento do modelo burocrático que até então norteava as atividades administrativas.
Vale dizer, ainda, que o controle do princípio da eficiência é feito, na maioria das vezes, pelos sistemas interno e externo de controle. Porém, há de se pensar também na responsabilização social dos gestores públicos ineficientes, principalmente quando seus atos e omissões geram danos irreparáveis à coletividade.
É nesse contexto que se situa o presente estudo, que tem por objetivo geral refletir sobre a possibilidade de responsabilização social dos gestores públicos ineficientes no Brasil. E, como objetivos específicos, busca-se compreender a origem e fundamento do Direito Administrativo a partir da compreensão da estrutura organizacional da Administração Pública, abordar os princípios consagrados no caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988 e que norteiam a atividade administrativa, verificar a importância da responsabilização dos agentes públicos por atos de improbidade e, ao final, demonstrar que se faz necessária a previsão legal da responsabilização social dos agentes públicos ineficientes.
Destarte, para alcançar os objetivos supra, adota-se, como método de abordagem, o hipotético-dedutivo e, como método de procedimento, o descritivo. No que diz respeito à técnica de pesquisa, classifica-se como de revisão de literatura, pois se buscam elementos para a compreensão do tema na doutrina, na legislação e em artigos, dentre outras fontes.
1. Desenvolvimento
A responsabilização dos gestores públicos é uma questão complexa, pois envolve a possibilidade de responsabilização penal, administrativa e civil. Ao presente estudo, porém, interessa compreender a responsabilização social ante a ineficiência dos gestores públicos. Contudo, antes de se adentrar em tal análise, é preciso contextualizar, ainda que brevemente, o Direito Administrativo, objeto do próximo tópico.
1.1. Origem e conceitos do direito administrativo
Inicialmente, importa esclarecer que a organização da Administração Pública, como preleciona Lucas Rocha Furtado (2010), tem importância pelo fato de que toda a atividade administrativa se desenvolve, direta ou indiretamente, por meio da atuação de órgãos ou entidades públicas. Isso se deve porque, para o autor, o Estado moderno, de feição social e cooperativa, é chamado a interferir em todas as áreas da sociedade.
A respeito da organização da Administração Pública na atualidade, considera o Estado a partir da sua comunicação com a sociedade. O Direito Administrativo, por conseguinte, surge para regulamentar as relações entre particulares e a Administração Pública, o que se concretiza por diversas formas, a exemplo de parcerias, convênios, concessões, contratos administrativos, dentre outras, com vistas a assegurar os interesses da coletividade (FURTADO, 2010).
Anote-se, ainda, que a Administração Pública é o conjunto de meios institucionais, financeiros, materiais e humanos preordenados à execução das decisões políticas, ou seja, é subordinada ao Poder político, sendo o meio para atingir fins definidos (SILVA, 2015).
Alexandre de Moraes (2016), por sua vez, afirma que a Administração Pública pode ser vista, subjetivamente, como o conjunto de órgãos e pessoas jurídicas que, por atribuição legal, exercem a função administrativa do Estado. Objetivamente, é a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve para executar os interesses coletivos.
Cumpre ressaltar que a expressão Administração Pública pode ser entendida em sentido orgânico ou em sentido funcional. E, por isso, Furtado (2010) defende que, do ponto de vista orgânico, a Administração compreende as diversas unidades administrativas (órgãos e entidades) incumbidas de cumprir os fins do Estado, incluídos aqueles afetos às funções legislativas ou judiciais.
Os órgãos incumbidos de exercer essas atividades, no exercício de suas atividades-fim, não se sujeitam ao Direito Administrativo. Todavia, estão sujeitas às regras que norteiam a Administração Pública e submetem-se ao Direito Administrativo em todos os demais aspectos de sua atuação. Desse modo, as Casas legislativas e Câmaras de vereadores, assim como os Tribunais (Supremo Tribunal Federal, Tribunais Regionais Federais, Tribunais de Justiça, dentre outros), integram as administrações diretas em suas respectivas esferas de governo e, nessa condição, submetem-se às regras do Direito Administrativo (FURTADO, 2010).
Odete Medauar (2018), por sua vez, chama a atenção para o fato de que a ciência da Administração Pública se ocupa de aspectos não normativos da atividade do setor estatal, tendo como atividades: modo de organização, técnicas de seleção e treinamento de pessoal; métodos de comunicação interna etc.
Acrescenta Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2019) que a Administração Pública pode ser compreendida em dois sentidos diversos: em sentido subjetivo, formal ou orgânico, ela designa os entes que exercem a atividade administrativa e compreende pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos incumbidos de exercer uma das funções em que se triparte a atividade estatal, a saber, a função administrativa; e, em sentido objetivo, como já mencionado alhures, material ou funcional, ela designa a natureza da atividade exercida pelos referidos entes.Nesse sentido, a Administração Pública é a própria função administrativa que incube, predominantemente, ao Poder Executivo.
Complementa a autora que a Administração Pública, em uma concepção estrita, se dá da seguinte forma: a) em sentido subjetivo: as pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos que exercem a função administrativa; b) em sentido objetivo: a atividade administrativa exercida por aqueles entes (DI PIETRO, 2019).Já Marçal Justen Filho (2016, p. 42) chama a atenção para o fato de que analisar a Administração Pública clama a compreensão da função administrativa e pontua:
A função administrativa é o conjunto de poderes jurídicos destinados a promover a satisfação de interesses essenciais, relacionados com a promoção de direitos fundamentais, cujo desempenho exige uma organização estável e permanente e que se faz sob regime jurídico infralegal e submetido ao controle jurisdicional.
Não é demais ressaltar que a Constituição 1988 destinou capítulo específico a tratar do exercício de toda a Administração Pública; e, no caput do art. 37, estabeleceu os princípios norteadores Administração Pública direta e indireta, de todos os entes federados, princípios que serão abordados oportunamente. Dessa forma, todos os administradores, servidores públicos, órgãos, entidades, enfim, todos que participam de forma direta ou indireta com a Administração Pública, devem agir conforme os princípios estabelecidos no texto constitucional. E, para assegurar a melhor gestão, organização e execução dos atos, o constituinte cuidou de estruturar a Administração Pública de forma a possibilitar a melhor gestão da coisa pública, distinguindo-a em Administração Direta e Indireta.
Furtado (2010) relata que o estudo da Administração Pública Direta nada mais é do que o estudo do órgão público, no qual pode ser apresentado como unidade administrativa, sem personalidade jurídica própria, em que são lotados os agentes responsáveis pelo exercício das diversas potestades públicas. É nesse cenário que o Direito Administrativo ganha relevo. É o Direito Administrativo que impõe as regras jurídicas de organização e funcionamento do complexo estatal; as técnicas de administração indicam os instrumentos e a conduta mais adequada ao pleno desempenho das atribuições da Administração. Assim, sendo estatal, autárquica, fundacional e paraestatal, para bem ordenar os órgãos, distribuir, fixar as competências e capacitar os agentes para a satisfatória prestação dos serviços ou de interesse coletivo, objetivo final e supremo do Estado em todos os setores do Governo e da Administração (MEIRELLES, 2016, p. 63).
Destarte, inexistem dúvidas quanto à importância do Direito Administrativo na atualidade, principalmente no que diz respeito à boa gestão pública. Para que os gestores atuem em conformidade com os interesses da coletividade e não desvirtuem suas ações é que o constituinte elencou um rol de princípios no caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988, princípios esses que, embora não excluam outros expressos ou implícitos, ou mesmo consagrados nas normas infraconstitucionais, são de grande relevância para a Administração Pública na atualidade. São os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, que passam a ser abordados no próximo item.
1.2. Princípios constitucionais e Administração Pública: uma análise do caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988
A Constituição Federal de 1988 apresenta, no caput do art. 37, cinco princípios norteadores da Administração Pública, quais sejam, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
O princípio da legalidade é uma diretriz fundamental para a própria Administração Pública, cuja validade das condutas administrativas depende de sua obediência fidedigna (CARVALHO FILHO, 2019). Esse entendimento é comungado por Justen Filho (2016, p. 29), para quem a atividade administrativa é um conjunto de ações dirigidas à satisfação de necessidades coletivas e à promoção dos direitos fundamentais que se desenvolve sob a égide da legalidade.
Na mesma senda, leciona Celso Antônio bandeira de Mello (2014, p. 978), para quem, no Estado de Direito a Administração só pode agir em obediência à lei, esforçada nela e tendo em mira o fiel cumprimento das finalidades assinadas na ordenação normativa, ou seja, toda e qualquer conduta que a Administração Pública pretenda exercer deve estar descrita em lei, mas não só descrito o tipo de conduta, mas na maioria delas a lei ainda traz a forma e o procedimento que ela deve ser feita. Isso acontece porque a legalidade abrange a concepção de democracia republicana (JUSTEN FILHO, 2016), ou seja, não só deve obedecer à lei específica ao assunto em que a conduta está vinculada, como também, em ordem direta, à Constituição.
Desse modo, vê-se que a inobservância da norma imputa em conduta ilícita, bem como apuração de responsabilidade e possível punição. Assim, o agente público, ao emanar um ato advindo da esfera pública, tem a responsabilidade de se calçar nas diretrizes da legalidade. Contudo, a legalidade não é o único princípio limitador da discricionariedade. Tem-se, ainda, a moralidade.
Quanto ao princípio da impessoalidade, a doutrina nacional apresenta várias interpretações. A impessoalidade, por si só, traduz a ideia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas [...] (BANDEIRA DE MELLO, 2014, p. 104).
No entender de Silva (2015, p. 667), os atos e provimentos administrativos são imputáveis não ao funcionário que os pratica, mas ao órgão ou entidade administrativa em nome do qual age o funcionário [...]. Logo, o administrado, ao possuir qualquer questionamento, deve se dirigir ao órgão do qual saiu o ato ou provimento e, não ao agente público, que investido de poder, emanou a ordem.
Já Hely Lopes Meirelles (2016, p. 81), ao tentar definir o princípio da impessoalidade, associou-o ao princípio do interesse público, afirmando que o administrador fica impedido de buscar outro objetivo ou de praticá-lo no interesse próprio ou de terceiros, ou seja, o administrador fica vinculado a perseguir a finalidade da função administrativa, o próprio interesse público.
O que realmente a Constituição Federal de 1988 objetivou com o princípio da impessoalidade foi afastar as condutas de ordem pessoal do administrador público da função administrativa, ou seja, [...] atuações geradas por antipatias, simpatias, objetivos de vingança, represálias, nepotismo, favorecimentos diversos, muito comuns em licitações, concursos públicos, exercício do poder de polícia [...] (MEDAUAR, 2018, p. 151). É, pois, no Estado Democrático de Direito, um limitador à discricionariedade administrativa.
O terceiro princípio previsto no caput do art. 37 da Constituição Federal é o da moralidade, que, em especial, interessa ao presente estudo. O princípio da moralidade está intimamente ligado ao princípio da legalidade, eis que a conduta imoral do administrador geralmente reflete na violação de algum dispositivo legal. Foi na intenção de inibir o administrador à prática de condutas que visassem somente ao seu interesse pessoal dentro da Administração Pública, que a Constituição Federal em seu art. 37, § 4º,[4] previu sanções aos que cometessem atos de improbidade administrativa, o que foi posteriormente regulado pela Lei nº 8.429/1992.
Meirelles (2018) assevera que o bom administrador, além de visar os interesses gerais, deve unir a sua conduta o legal, a honestidade e o conveniente, pois só assim será um bom administrador público, observador da moralidade administrativa. Porém, como observa Fernanda Marinela (2016), a moralidade administrativa não se confunde com a moral comum, ou seja, é de cunho jurídico e exatamente por isso merece reprovação do ordenamento jurídico, com a responsabilização do gestor público que age em desconformidade com a moralidade. E assim acrescenta:
O princípio da moralidade administrativa não se confunde com a moralidade comum. Enquanto a última preocupa-se com a distinção entre o bem e o mal, a primeira é composta não só por correção de atitudes, mas também por regras de boa administração, pela ideia de função administrativa, interesse do povo, de bem comum. Moralidade administrativa está ligada ao conceito de bom administrador. (MARINELA, 2016, p. 84).
Não destoam desse entendimento as lições de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2017, p. 236), os quais ressaltam tratar-se de um princípio jurídico expresso e que é, por conseguinte, condição de validade dos atos administrativos e de validade da atuação do próprio Estado, e não de aspecto atinente ao mérito administrativo. Logo, um ato contrário à moral administrativa não está sujeito a um exame de oportunidade e convivência, mas a uma análise de legitimidade, ou seja, um ato praticado em desacordo com a moral administrativa é nulo (ALEXANDRINO; PAULO, 2017, p. 236).
Sob essa ótica, vê-se que o princípio da moralidade está vinculado à conduta do administrador público, o que Silva (2015, p. 668) define como [...] conjunto de regras de conduta extraídas da disciplina geral da Administração, uma vez que [...] o cumprimento imoral da lei, no caso de ser executada com intuito de prejudicar ou favorecer deliberadamente alguém não serve à Administração Pública. Assim, denota-se que a moralidade administrativa só é respeitada quando o administrador público se abstém do interesse pessoal e visa somente ao interesse coletivo, o que está relacionado, por conseguinte, ao princípio da impessoalidade.
Por sua vez, o princípio da publicidade, no Estado Democrático de Direito, tem por finalidade tornar o governo do poder público em público (BOBBIO, 1986, p. 84). Isso acontece porque a democracia, por si, necessita da publicidade para que os administrados possam exercer o controle da conduta de seus governantes, não havendo mais espaço para o exercício do poder do Estado por meio de segredos, ou seja, sem conhecimento dos administrados (LAFER, 1988).
Dessa forma, a Constituição Federal de 1988 transformou a obscuridade dos atos da Administração Pública em atos públicos ao prever a publicidade como princípio que rege a função administrativa, como exemplifica Medauar (2018, p. 159):
[...] Um dos desdobramentos desse princípio encontra-se no inc. XXXIII do art. 5º, que reconhece a todos o direito de receber; dos órgãos públicos, informações do seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral. O preceito é bem claro: o acesso a informações provindas dos órgãos públicos incide não somente sobre matérias de interesse do próprio indivíduo, mas também sobre matérias de interesse coletivo e geral.
Portanto, a publicidade vigora para todos os setores e todos os âmbitos da atividade administrativa (MEDAUAR, 2018, p. 161) e tem por objetivo proporcionar aos indivíduos o direito ao acesso à informação sobre os atos públicos, bem como a expedição de documentos entre outras atividades da Administração Pública.
Tem-se, por último, o princípio da eficiência, que passou a compor o rol do art. 37 a partir da Reforma Administrativa implementada pela Emenda Constitucional nº 19/1998, pois não constava do texto original da Constituição. Sobre a eficiência na Administração Pública, leciona Medauar (2018, p. 161):
[...] liga-se à ideia de ação, para produzir resultado de modo rápido e preciso. Associado à Administração Pública, o princípio da eficiência determina que a Administração deve agir, de modo rápido e preciso, para produzir resultados que satisfaçam as necessidades da população.
À eficiência contrapõem-se a lentidão, o descaso, a negligência, e a omissão características habituais da Administração Pública brasileira, com raras exceções. O princípio da eficiência vem suscitando entendimento errôneo no sentido de que, em nome da eficiência, a legalidade será sacrificada. Os dois princípios constitucionais da Administração devem conciliar-se, buscando esta atuar com eficiência, dentro da legalidade (MEDAUAR, 2018). Dessa feita, o princípio da eficiência tem como núcleo principal a prestação de serviço público com perfeição, para que haja a redução do desperdício de verba pública, com base na produtividade e a economicidade (MARINELA, 2016, p. 41).
Em suma, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, caput, consagra princípios expressos que devem nortear a Administração Pública, dentre os quais se encontra o princípio da moralidade, ao lado da legalidade, impessoalidade, publicidade e eficiência. Ainda, com vistas a assegurar a responsabilização dos agentes públicos que agem em desconformidade com o princípio da moralidade é que o constituinte também determinou, no § 4º do art. 37 do texto constitucional, vigente a punição pelos atos de improbidade administrativas, nos termos da legislação própria.
Fica evidente, do até aqui exposto, que a moralidade é um dos princípios consagrados expressamente no texto constitucional, que deve nortear toda a atividade do gestor público. E, sendo praticados atos de improbidade, será responsabilizado, como se passa a abordar no próximo tópico.
1.3. Breves considerações sobre a improbidade administrativa
A Administração Pública passou por grandes mudanças ao longo das últimas décadas, mudando de um modelo burocrático para um modelo gerencial, de modo a tornar-se mais eficiente na gestão da coisa pública. Logo, ganham relevo os mecanismos de controle da Administração Pública, pois cabe ao gestor público envidar esforços para assegurar o bem-estar coletivo.
Nos dias atuais, a corrupção é pauta diária em jornais, revistas, telejornais e inclusive nas redes sociais. Não raras vezes há notícias informando que determinado político, servidor público ou empresário está envolvido na prática de atos considerados corruptos, sendo que os referidos meios de comunicação também vêm servindo para denunciar práticas de corrupção em diversos setores, assim como a ineficácia do Estado na prestação de serviços públicos essenciais.
Em meio a esse cenário, questiona-se cada vez mais a observância ao princípio da moralidade, que deve nortear a Administração Pública. Trata-se de princípio constitucional que, ao lado dos princípios da legalidade, impessoalidade, publicidade e eficiência, nos termos do caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988, deve ser observado pelo gestor público em todos os seus atos.
A moralidade, segundo Alexandrino e Paulo (2017), é compreendida como uma exigência de atuação ética dos gestores públicos, motivo pelo qual se distingue da moral comum, pois possui cunho jurídico, podendo inclusive levar à invalidação de atos praticados em sua inobservância. Trata-se, portanto, de princípio expresso no texto constitucional, que impõe ao Estado o dever de responsabilizar o administrador público amoral e imoral, sendo mencionado não apenas no art. 37 da Constituição de 1988, mas também em diplomas legais outros, como a Lei de Improbidade Administrativa, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei Anticorrupção (MARINELA, 2016), por exemplo.
Em meio a esse cenário é que foi editada, em 1992, a Lei nº 8.492, que dispõe originalmente, em sua ementa, sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na Administração Pública Direta ou Indireta ou fundacional, além de outras providências. Contudo, compreender o conceito de improbidade administrativa clama, necessariamente, que se entenda o significado do vocábulo probidade que, segundo Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves (2008, p. 104), é de origem latina e designa aquilo que brota bem, caracterizando, assim, [...] o indivíduo honrado, íntegro, reto, leal, que tem bons costumes e é honesto, casto e virtuoso.
Por sua vez, José dos Santos Carvalho Filho (2019, p. 65) relaciona o termo a um dever e ensina que o dever de probidade é o [...] primeiro e talvez o mais importante dos deveres do administrador público. Sua atuação deve, em qualquer hipótese, pautar-se pelos princípios da honestidade e moralidade, seja para com os administrados, seja para com a própria Administração Pública.
Já o termo improbidade é o antônimo do vocábulo probidade. Logo, representa a desonestidade na Administração Pública, a conduta que vai de encontro àquilo que se espera do gestor público, que deve agir sempre pautado em valores éticos, morais e, claro, de forma honesta.
Ao conceituar o instituto da improbidade administrativa, Di Pietro (2019, p. 889) chama a atenção para a dificuldade em se estabelecer uma clara distinção entre a moralidade administrativa e a probidade administrativa, já que, a rigor, tais expressões designam a mesma coisa, pois [...] se relacionam com a ideia de honestidade na Administração Pública. A autora ainda ressalta que, [...] quando se exige probidade ou moralidade administrativa, isso significa que não basta a legalidade formal, restrita, da atuação administrativa, com a observância da lei (DI PIETRO, 2019, p. 899), pois se faz necessário também a estrita observância aos princípios éticos.
Também Carvalho Filho (2019) enfatiza que a doutrina busca distinguir o sentido de probidade e moralidade, já que o constituinte expressamente fez menção às duas expressões no texto da Constituição de 1988. Logo, alguns autores defendem que [...] probidade é conceito mais amplo do que o de moralidade, porque aquela não abarcaria apenas elementos morais (CARVALHO FILHO, 2019, p. 1112), enquanto outros estudiosos [...] sustentam que, em última instância, as expressões se equivalem, tendo a Constituição [...] mencionado a moralidade como princípio (art. 37, caput) (CARVALHO FILHO, 2019, p. 1112), corrente à qual se adere o autor, que preconiza ser indiscutível a associação dos termos probidade e moralidade e desnecessária a tentativa conceitual de distingui-la.
Assim, em sentido amplo, a improbidade administrativa pode ser compreendida como ato que o agente público, ou seu representante, cometido contra o erário, e que conduza ao enriquecimento ilícito ou à violação aos princípios administrativos.
Não é demais ressaltar que a expressão improbidade administrativa foi mencionada pela primeira vez expressamente na Constituição da República de 1988, em seus arts. 15, inciso V, e 37, § 4º (PAZZAGLINI FILHO, 2018), sendo que aquele dispositivo proclama a vedação a cassação dos direitos políticos, ressalvadas as hipóteses de perda ou suspensão, dentre as quais se encontra a suspensão proveniente de condenação por ato de improbidade administrativa.
Ainda, para assegurar a probidade na Administração Pública e dar maior eficácia ao princípio da moralidade, consagrado expressamente no caput do art. 37 da Constituição, é que o § 4º do mesmo dispositivo preconiza que serão os atos de improbidade administrativos punidos, importando na [...] suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível (BRASIL, 1988).
De acordo com Di Pietro (2019, p. 906), os atos de improbidade administrativos definidos no diploma legal supracitado [...] são de amplitude muito maior do que as hipóteses de enriquecimento ilícito previstas nas Constituições anteriores, e disciplinadas nas Leis nºs 3.164/1957 e 3.502/1958. Logo, o enriquecimento ilícito é apenas uma das hipóteses de atos de improbidade administrativa, ao lado dos atos que causam prejuízo ao erário e dos atentatórios contra os princípios da Administração Pública.
Destarte, não há dúvidas de que os atos praticados em desconformidade com o ordenamento jurídico, mormente a moralidade administrativa, podem culminar na responsabilização do agente por atos de improbidade administrativa. Porém, há inúmeras situações que não se enquadram nos atos de improbidade, mas que decorrem da ação ou omissão dos gestores públicos.
Apenas para ilustrar, nos últimos anos, o Brasil vivenciou inúmeras tragédias ambientais. Têm-se as barragens de rejeito de minério que romperam em Minas Gerais, mais precisamente em Mariana e Brumadinho, bem como a tragédia recente na cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro. Nas três situações, a inércia e a omissão do Estado, ou atuação ineficiente, é claramente identificada. Portanto, se faz mister abordar a responsabilização social dos gestores públicos ineficientes, objeto do próximo tópico.
1.4. Possibilidade de aplicação da responsabilidade social frente à ineficiência dos gestores públicos
A primeira questão a se ressaltar nesse ponto é que a noção de responsabilidade social não é recente em se tratando de iniciativa privada. Porém, no que diz respeito à gestão da coisa pública, ainda é pouco discutida, inexistindo qualquer diploma legal que imponha aos gestores públicos sanções pela ineficiência no que diz respeito à responsabilidade social.
Anote-se que a construção da responsabilidade social vem se aperfeiçoando ao longo da história, iniciando-se, a partir da ideia de filantropia, para a efetiva criação de projetos empresariais visando às questões sociais. Sobre o tema, Alexandre Husni (2007, p. 23) ensina:
[...] os fundamentos da responsabilidade social são o motor propulsor da história da humanidade, que persegue avidamente a inclusão social, a igualdade e a garantia de direitos civis, a ética e a transparência nas relações. Acrescentam-se a essa lista preocupações pós-modernas, como o desenvolvimento sustentável e qualidade de vida.
O autor acrescenta que o fundamento da responsabilidade social é a culpa das empresas pelos problemas criados por suas atividades empresariais no campo social e ambiental, tendo em vista o seu objetivo-fim que se configura na lucratividade em detrimento dos interesses coletivos (HUSNI, 2007).
A busca por maiores lucros deflagrou comportamentos desprovidos da ética, que aos poucos começaram a ser repensados ante as preocupações sociais geradas pela segunda guerra mundial, bem como pelo conceito de que o sucesso empresarial deveria se reverter em benefício da sociedade, uma vez que essa seria responsável por tal sucesso. Esses motivos alavancaram a ideia de filantropia no mundo empresarial, a qual, em um primeiro momento, foi suficiente para satisfazer governos e consumidores (HUSNI, 2007). Contudo, o capitalismo e o avanço das ideias neoliberais geraram a exclusão social.
Husni (2007, p. 46) argumenta que é nesse contexto que os [...] ideólogos do neoliberalismo passam a defender a Responsabilidade Social Corporativa, para o público, como política compensatória aos danos causados, para a elite empresarial, como possibilidade de sobrevivências. Ademais, as empresas, em razão do alto grau de competitividade, começaram a tecer estratégias para se diferenciarem e atrair maior lucratividade, vez que percebem a importância da preocupação com o meio ambiente, com as questões sociais, com a ética e com a transparência nas relações junto aos consumidores.
Contudo, a responsabilidade social inserida na ideia da nova empresarialidade, vislumbra a criação de um novo paradigma, qual seja, a criação de projetos sociais empresariais sem o intuito de se obter apenas lucratividade, mas, sim, da busca de um desenvolvimento sustentável voltado a uma melhor qualidade de vida. [...] As empresas visionárias acreditam de fato em sua responsabilidade social, ou que podem contribuir com o bem-estar social de alguma forma (HUSNI, 2007, p. 56).
As empresas socialmente responsáveis efetivam seus projetos visando reduzir as desigualdades sociais e buscar o desenvolvimento sustentável, que são as finalidades da responsabilidade social, e não os implementam tão somente por mera imposição ou visando lucros futuros, confirmando, assim, o modelo do bom homem de negócios, imbuído de valores éticos e morais, o qual se insere na ideia da nova empresarialidade.
Significa dizer, portanto, que o empresário individual e as sociedades simples ou empresárias, por meio de uma nova conduta empresarial, podem mudar o cenário mundial que hodiernamente apresenta-se desigual para com segmentos da sociedade, preocupando-se com as questões sociais. Desse modo, o comportamento do bom homem de negócios poderá ensejar uma cadeia de ações voltadas para a responsabilidade social, permitindo, assim, a inclusão social, a melhoria da qualidade de vida e um desenvolvimento sustentável (HUSNI, 2007).
Na esfera pública, porém, a responsabilidade social tende a ser ignorada. Logo, se na iniciativa privada as empresas que agem de forma irresponsável tendem a não permanecer no mercado, pois não contribuem para a comunidade e não pautam sua gestão em práticas sustentáveis, na Administração Pública pouco se discute a responsabilização social.
Em que pese a constatação supra, não se pode ignorar que há, no direito pátrio, vários mecanismos de controle da gestão pública. A principal classificação do controle da Administração Pública é, segundo Carvalho Filho (2019), a divisão entre controle externo e interno. O controle externo determina algumas instituições das entidades da Administração Pública que observem as ações dos gestores públicos, enquanto o controle interno implica na fiscalização por órgãos internos da própria entidade.
Porém, há uma forma de controle que ainda é pouco discutida, mas que exerce importante papel na tomada de decisão dos gestores públicos. Trata-se do controle social, ou seja, aquele exercido pela sociedade civil, e que não encontra no direito pátrio previsão expressa, ao contrário do que ocorre, por exemplo, com o controle político exercido pelas duas Casas do Congresso Nacional.
O controle social, segundo a Corregedoria Geral da União, nada mais é que a participação da sociedade civil na gestão pública e se apresenta como importante mecanismo de prevenção da corrupção e fortalecimento da cidadania, entendimento do qual comunga Carvalho Filho (2019), para quem o controle social é modernamente uma forma de controle exógeno do Poder Público, e surge exatamente para possibilitar a maior participação da sociedade civil na gestão da coisa pública.
Em meio a esse cenário, a responsabilização do agente público ineficiente é medida que se impõe. Isso se deve porque o dever de eficiência do servidor público pode ser verificado, ainda, no parágrafo único, do art. 247 da Constituição,[5] também incluído pela citada Emenda, o qual prevê a perda do cargo público por ineficiência de desempenho, mas dá tratamento diferenciado ao servidor público estável que, em decorrência das atribuições de seu cargo efetivo, desenvolva atividades exclusivas de Estado, exigindo, nesses casos, que a lei estabeleça critérios e garantias especiais, bem como processo administrativo.
O § 3º, inciso III,[6] do art. 37 da Constituição, também inovação da Emenda supracitada, determina que a lei discipline as formas de participação do usuário na Administração Pública direta e indireta, visando possibilitar que a opinião pública colabore no controle de disciplina dos servidores públicos por meio da representação daqueles que desempenharem suas atribuições de forma negligente ou abusiva (MADEIRA, 2010). No entanto, destaca-se que, fora o caput do art. 37 da Constituição, que incluiu a observância do princípio da eficiência no seu rol de exigências, todos os outros dispositivos citados dependem de lei complementar para serem aplicados, o que se transformou em uma barreira à finalidade constitucional, conforme se verá mais adiante.
De fato, o dever de eficiência dos servidores públicos pode ser observado até no § 4º do art. 41[7] da Constituição, que passou a contemplar a obrigatoriedade da avaliação especial de desempenho, por comissão instituída para essa finalidade, como requisito para que o servidor público adquira a estabilidade.
Em relação à profissionalização do servidor público, a orientação é no sentido de analisar o preparo técnico para o desempenho do cargo, emprego ou função pública como atributo imperativo ao servidor público eficiente. Nesse sentido, o inciso II do art. 37[8] da Constituição vigente traz a exigência de que o concurso público seja realizado em conformidade com natureza e a complexidade do cargo ou emprego (MADEIRA, 2010).
Conforme leciona Meirelles (2016), a técnica é essencial para que a Administração Pública alcance a eficiência, posto que ela não aceita discricionaríssimo ou alternativas burocráticas nos setores em que a segurança, a funcionalidade e o rendimento dependem de normas e métodos científicos.
O princípio da eficiência também pode ser verificado na redação da Lei nº 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, a qual faz referência à eficiência no caput do seu art. 2º-A.9 Assim, a eficiência do servidor público deve ser continuamente verificada na conduta dos agentes públicos, por meio do modo pelo qual eles desempenham a atividade administrativa, porém sempre considerando os meios e instrumentos empregados nessa atividade. Assim, pode-se dizer que o princípio da eficiência visa orientar o agente público a realizar as atividades administrativas da melhor forma possível, objetivando alcançar a plena satisfação dos administrados da forma menos onerosa para sociedade (MADEIRA, 2010).
Isso acontece porque, na busca pelo melhor rendimento possível das finalidades estatuídas em lei, devem-se satisfazer determinados padrões de qualidade, os quais devem ser definidos dentro de parâmetros legais, podendo-se falar em um verdadeiro dever de eficiência do setor público, com vistas à produtividade. Portanto, quando um servidor público é improdutivo, o princípio da eficiência é afrontado.
As questões acima elencadas são apenas exemplos de que não se admite, na atual ordem constitucional, um gestor público ineficiente. Exatamente por isso é que a Administração Pública é responsável por fornecer a estrutura, a organização e a coordenação necessária para que o servidor público cumpra o seu dever de eficiência.
Pode-se analisar a eficiência da máquina administrativa sob dois enfoques: individual e global. O enfoque global analisa a integração de vários fatores e técnicas, como pessoal, organização, estrutura material, para se buscar a eficiência. Já o enfoque individual pode ser verificado por meio de técnicas a serem aplicadas individualmente para o alcance do melhor resultado no conjunto da atividade administrativa desenvolvida. E, ao exigir que o agente público seja eficiente, estende-se tal obrigação ao administrador.
prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.
- Art. 2º-A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Outrossim, sabe-se que a situação financeira dos Estados brasileiros não é algo que está acobertado, pois os meios de comunicação, diuturnamente, demonstram os problemas enfrentados pelo Poder Público no que diz respeito às finanças públicas, assim como noticiam as principais medidas adotadas pelos gestores públicos para o enfrentamento dos problemas decorrentes da estagnação econômica.
Ocorre que o declínio financeiro dos Estados reflete diretamente na vida dos cidadãos, pois, dentre as medidas comumente adotadas para o restabelecimento da economia, encontram-se, por exemplo, alterações na carga tributária, sem ignorar a ineficácia ou insuficiência estatal na prestação de serviços públicos. Por conseguinte, os problemas financeiros vivenciados pelos Estados-membros acabam por refletir negativamente na vida do brasileiro. E os problemas decorrentes da má gestão da coisa pública não são sentidos apenas no âmbito dos Estados, pois, na esfera federal, também são inúmeros. Nesse contexto é que se passou a discutir a aplicação de conceitos afetos à Teoria Geral da Administração à esfera pública, tal como ocorre com a governança corporativa e a responsabilidade civil.
A governança aplicada ao setor público é definida, em apertada síntese, pela capacidade de implementação de políticas voltadas à consecução e à otimização da gestão, à adoção de métodos de avaliação, controle, e responsabilização, à prevenção de riscos e à correção de desvios, visando promover a eficiência, a eficácia e a transparência institucionais e a participação e o bem-estar da sociedade (SANTOS, 2013). Governança pública, como modelo de Administração Pública, portanto, busca uma melhor gestão no relacionamento Estado e sociedade, destacando-se a transparência e a prestação de contas, dentre outras medidas.
Sobre o papel do Estado e a recepção das teorias de governança corporativa, percebe-se que a doutrina aponta como resultado da própria evolução do Estado e da consciência de que é necessário agir em conformidade com o Direito para, assim, assegurar o bem-estar da sociedade. Logo, justifica-se a aplicação de Teorias Administrativas, em especial a governança corporativa, no âmbito da Administração Pública, principalmente para alcançar os objetivos fundamentais consagrados pelo constituinte (SOUZA, 2017).
Contudo, o grande desafio é aproximar Estado e sociedade e conscientizar todos os envolvidos da importância de uma nova visão da Administração Pública, não mais pautada na proteção do patrimônio e em questões burocráticas, mas, sim, com foco em uma gestão efetiva, para atender ao bem-estar social, aos interesses da coletividade. Portanto, a evolução do Estado e a própria noção de governança no setor público impõem uma nova visão e refletem a evolução da Administração Pública, pautada especialmente no princípio da eficiência.
Não se pode ignorar que normas de governança pública permeiam o ordenamento jurídico brasileiro desde o advento da Constituição Federal de 1988, em virtude da consagração, no caput do art. 37, de princípios norteadores da Administração Pública, quais sejam, da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Porém, há normas outras que também dispõem, em apertada síntese, sobre práticas de governança, a exemplo da Lei nº 12.527/2011, que dispõe sobre acesso à informação; da Lei Complementar nº 101/2000, que trata sobre normas de finanças públicas e responsabilidade na gestão fiscal; do Decreto nº 9.203/2017, que trata sobre política de governança da administração pública restrita ao Poder Executivo Federal, e da já citada lei que regulamenta as empresas estatais.
O Decreto nº 9.203/2017 dispõe sobre a política de governança pública federal direta, autárquica e fundacional, define o conceito de governança, determina valor público, alta administração, gestão de riscos, princípios, diretrizes, mecanismos para seu exercício, atribui à alta administração a incumbência de implementar e manter mecanismos de governança, composição e funcionamento do Comitê Interministerial de Governança (GIG) (BRASIL, 2017).
Anote-se, ainda, que o legislador também tratou de princípios que norteiam a governança pública, a saber: capacidade de resposta, integridade, confiabilidade, melhoria regulatória, prestação de contas e responsabilidade e, por fim, mas não menos importante, o princípio da transparência, nos termos do art. 3º 10 (BRASIL, 2017).
Em se tratando de responsabilidade social, contudo, os estudos são mais escassos. Ou seja, apesar das considerações supra, a problemática da responsabilidade social dos gestores públicos é mitigada até mesmo no âmbito acadêmico e doutrinário. Os estudos que abordam a questão tendem a se voltar à esfera corporativa, mormente as empresas da iniciativa privada.
Apenas para ilustrar, uma pesquisa junto às notícias publicadas sobre tragédias como a de Brumadinho11 remetem à temática responsabilidade social restrita à Vale,
- Art. 3º São princípios da governança pública:
- Capacidade de resposta;
- Integridade;
- Confiabilidade;
- Melhoria regulatória;
- Prestação de contas e responsabilidade; e
- Transparência.
- Em 25 de janeiro de 2019, episódio envolvendo rompimento de barragem de rejeitos assolou o país, no local denominado Córrego do Feijão, zona rural do município de Brumadinho, a 65 km da capital mineira, Belo Horizonte, sendo talvez o mais grave desastre ambiental no país envolvendo rejeitos de mineração.
empresa responsável pela extração de minério. E, quando se fala da responsabilização estatal, destaca-se a responsabilidade civil, demonstrando que há, sim, uma preocupação quanto à atuação responsável do ponto de vista social, mas voltada à iniciativa privada, embora não se ignore que a omissão do Estado possa gerar danos, mas a questão é enfrentada do ponto de vista da responsabilização civil.
Portanto, há de se fomentar debates sobre a responsabilidade na gestão pública, compreendida como a adoção de práticas que consideram fatores sociais relevantes à comunidade, bem como a diminuição dos impactos ambientais e a diminuição da desigualdade social (GOMES; VALDISSER, 2018).
Ainda segundo Taynara Rodrigues Gomes e Cássio Raimundo Valdisser (2018), se a responsabilidade social é assumida como compromisso na esfera privada, por meio de uma gestão que considera fatores outros, senão o lucro da organização, em se tratando de Administração Pública ganha ainda mais relevo. Logo, a noção de responsabilidade social precisa nortear a atuação do gestor público, pois somente assim a eficiência será assegurada.
Não destoam desse entendimento as lições de Ana Maria de Abreu e Moura, Verónica Paula Lima Ribeiro e Sônia Maria da Silva Monteiro (2016), as quais preconizam que evidências empíricas demonstram que os gestores públicos não se preocupam com a adoção de boas práticas de gestão na esfera pública, culminando em uma administração ineficiente. Logo, concluem que se faz necessário pensar, também na esfera pública, nas questões ambientais, sociais e econômicas, pois toda e qualquer ação ou omissão do gestor público reflete na vida em sociedade.
Complementam Moura, Ribeiro e Monteiro (2016) que a ideia de reponsabilidade social reflete a própria razão de ser do Estado, que deve envidar esforços para assegurar aos cidadãos melhores condições de vida, implementando políticas públicas eficientes em todas as esferas.
Semelhantes são as lições de Fernanda Filgueiras Sauerbronn e João Felipe Rammelt Sauerbronn (2011), que clamam a aplicação do conceito de reponsabilidade social e responsabilidade social corporativa à esfera pública, como forma de se assegurar não apenas o maior envolvido dos gestores públicos, mas também a aproximação da sociedade da esfera pública e a responsabilização quando comprovada a adoção de práticas de gestão ineficientes.
A barragem em comento, classificada como de baixo risco, mas de alto potencial de danos, era controlada pela Vale S.A. De acordo com Galhardo (2019), a lama proveniente do rompimento da barragem de Brumadinho afetou gados, casas e veículos da cidade [...] e demarcou e devastou aproximadamente 125 hectares de florestas [...] o que se iguala a aproximadamente 125 campos de futebol. O solo atingido perde suas características, pois, ao secar, a lama forma uma camada dura que afeta a fertilidade da terra.
Apesar das ponderações dos autores supramencionados, o que se percebe é a inexistência de um diploma legal que trate da responsabilidade social, voltada à Administração Pública, no Brasil. Embora tramite no Congresso Nacional Projeto de Lei que se denomina de Lei de Responsabilidade Social,[9] seu foco é basicamente a redução das desigualdades sociais, com a instituição de políticas de incentivo à redistribuição de renda.
Destarte, percebe-se que muito ainda precisa ser feito, seja quanto à edição de um diploma legal que traga para a esfera pública conceitos importantes como de responsabilidade social, amplamente empregados na iniciativa privada e ainda mitigados na esfera pública, seja quanto à conscientização da sociedade e dos gestores públicos quanto à importância de se adotar uma postura responsável na gestão da coisa pública, que considere os reflexos sociais, econômicos e ambientais das ações e omissões.
Considerações finais
Buscou-se, ao longo do presente estudo, refletir sobre a responsabilidade social na gestão da coisa pública. Assim, e considerando o problema da ineficiência dos gestores públicos, destacaram-se questões como a consagração do princípio da eficiência no rol do caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988, bem como a ampla utilização de estratégias socialmente responsáveis na iniciativa privada.
Constatou-se que o princípio da eficiência é um princípio que tem a intenção de corrigir a instabilidade do Direito Administrativo, caracterizado por uma legislação esparsa. Assim, visa equilibrar a dualidade existente entre os privilégios da Administração Pública e as garantias individuais.
De forma sintetizada, pode-se dizer que a eficiência é caracterizada pela utilização mais produtiva de recursos econômicos, produzindo, assim, melhores resultados com menos quantidade possível de gastos. A intenção da eficiência é evitar os desperdícios e a má utilização de recursos destinados à satisfação das necessidades coletivas. É necessário obter o máximo de resultados com a menor quantidade possível de desembolsos.
No entanto, a eficiência administrativa, tratada no presente trabalho, não pode ser confundida com eficiência econômica. A atividade estatal traz valores de diversa ordem, e não apenas de cunho econômico. Existindo incompatibilidade entre a eficiência econômica e determinados valores fundamentais, deve-se buscar uma solução que preserve ao máximo os valores em conflito, mesmo que seja necessário reduzir a eficiência econômica.
Portanto, o dever de eficiência do agente público, dentre os quais se enquadram os gestores públicos, decorre do texto constitucional e é também consagrado em diplomas outros, a exemplo da Lei de Improbidade Administrativa, que visa à responsabilização daqueles que atuam em desconformidade com os princípios constitucionais, por exemplo.
Em que pesem tais considerações, e verificando as informações empiricamente, percebe-se que a ineficiência na gestão da coisa pública ainda é uma constante no país. São inúmeros os casos em que se percebem ações ou omissões dos gestores públicos como responsáveis por danos à coletividade. É a falta de estratégias voltadas ao bem-estar da sociedade/comunidade e ao desenvolvimento sustentável, aqui citados ilustrativamente, que demonstram ser a ineficiência do administrador público ainda mitigada no ordenamento jurídico brasileiro.
De fato, a noção de gestão socialmente responsável norteia a iniciativa privada. Porém, ainda é pouco discutida no que diz respeito à gestão da coisa pública.
Portanto, conclui-se que uma das formas de enfrentamento do problema dos gestores ineficientes no Brasil é a edição de um diploma legal que preveja a responsabilização social daqueles que, na gestão da coisa pública, deixa de atentar para a responsabilidade dos pontos de vista social, ambiental e econômico. E, ainda, há de se fomentar medidas de controle, principalmente que clamem uma maior participação da sociedade na esfera pública. São medidas que, decerto, contribuirão para uma gestão mais eficiente e refletirão, de forma benéfica, na vida em sociedade.
TITLE: The possible application of social responsibility front of the ineffectiveness of public managers in the face of the absence of public services
ABSTRACT: The study reflects on the possibility of social accountability of public managers in the face of proven inefficiency in the execution and implementation of their administrative policies. This is a topic of great social relevance, as the country has been facing serious consequences of the omission of administrators, especially the Chiefs of the Executive Power at the federal, state, municipal and district levels of the country. Therefore, the objective is to investigate the origin and foundation of Administrative Law; address the principles enshrined in the caput of art. 37 of the Federal Constitution of 1988 and which guide the administrative activity; to verify the importance of holding public agents accountable for proven acts of mismanagement that give rise to improbity and that cause irreparable damage to the population and the treasury; and, in the end, to demonstrate that it is necessary to have a legal provision of social accountability of public agents. Under the hypothetical-deductive and literature review methods, it appears that, despite the consecration of efficiency as a guiding principle of Public Administration, the country lacks a specific legal diploma, aimed at the social accountability of inefficient managers.
KEYWORDS: Public Administration. Improbity. Inefficient management. Social accountability.
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