RESUMO
Este artigo científico tem por objetivo analisar a reprodução humana assistida, pelo aspecto jurídico. Quais os métodos conhecidos e utilizados para se fazer cumprir um direito constitucional sobre o planejamento familiar.
Tem como objetivo principal o debate sobre a reprodução humana assistida heteróloga e seus efeitos jurídicos. Haja vista que o ordenamento jurídico brasileiro não possui lei específica e se baliza em resoluções e diretrizes médicas para soluções de conflitos e embates.
ABSTRACT
This article's objective is to analyse the assisted human reproduction, through the guise of the law. Which are the known and used methods to make due the constitutional rights of family planning.
It has as objective the debate about heterologous assisted human reproduction and it's juridical effects. Be noted that the Brazilian legal system has no laws specific to this topic and fits through medical resolutions and guidelines for due and just outcomes in eventual conflicts and brawls.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo relatar o conceito sobre inseminação artificial, dentre os quais aborda principalmente a inseminação artificial heteróloga e através dela o direito de reconhecimento de paternidade e o direito ao sigilo.
Através deste, pretende-se demonstrar a possibilidade jurídica decorrente da técnica de reprodução assistida heteróloga envolvendo o direito do doador de manter-se anônimo versus o direito da criança de conhecer sua origem genética.
A inseminação artificial no Brasil surgiu para suprir a necessidade de casais inférteis de constituir uma família, mas apesar do relevante avanço na sociedade com a biotecnologia e uma nova concepção de família, há uma grande lacuna na legislação brasileira e os conflitos na doutrina e jurisprudência são pertinentes.
Esta pesquisa trará o ordenamento jurídico brasileiro em confronto com outros países, as legislações nacional e internacional a luz de direitos tanto do doador como da pessoa que foi concebida via reprodução assistida.
Até que ponto os doadores de material genético devem ficar no anonimato?
Ainda, através das resoluções médica, propriamente a resolução 2.168 de 2017, busca-se demonstrar os diferentes conflitos éticos que um ordenamento não evoluído possa trazer e compará-lo a luz de legislações e ordenamentos de outros países.
O ordenamento jurídico brasileiro não acompanhou os avanços da Biotecnologia.
E por meio desta pesquisa busca-se analisar sob uma ótica doutrinária os direitos dos doadores anônimos e o os direitos da filiação, bem como as consequências sucessórias.
A REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA
Com a modernidade dos dias atuais e constantes evoluções na pesquisa e ciência, já é possível a realização da reprodução humana assistida, ou seja, pessoas que não teriam as condições físicas e biológicas de serem pais, hoje já podem ter filhos por esta técnica.
Segundo a Organização Mundial da Saúde,
A infertilidade é um problema vivido por 8% a 15% dos casais, só no Brasil estima-se que mais de 278 mil casais tenham dificuldade para gerar um filho em algum momento de sua idade fértil. A procura é tamanha que dados recentes da Sociedade Europeia de Reprodução humana e Embriologia estimam que o número de bebés nascidos por meio de técnicas de reprodução assistida já alcançou o patamar dos 5 milhões. (OMS- 2018)
O uso desta técnica, a reprodução assistida, encontra respaldo judicial no direito constitucional quando cita os princípios de dignidade da pessoa humana e planejamento familiar, elencado no artigo 226 § 7º da Constituição Federal Brasileira;
Para a autora Ana Claudia Correia (2010, p157) Assim como a contracepção, a concepção, seja natural ou artificial, encontra-se inserido no direito ao planejamento familiar, do qual todas as famílias podem se valer.
Vista como a base da sociedade pela Constituição Federal, a família é o instituto mais protegido pela sociedade, normas e regulamentações, sendo assim vem surgindo e sendo admitida em mais diferentes formas acompanhando o crescimento e evolução da sociedade, desta forma muitas pessoas vem buscando seu direito de formar ou aumentar família através de evoluções tecnológicas, como a reprodução assistida.
Todavia como todo o direito, ele é dotado de regras e deveres, no caso da Reprodução assistida os limites estão estabelecidos na bioética, e outros regulamentos, como por exemplo a resolução do conselho federal de medicina, 2168/17 do CFM, que regulamenta a utilização da técnica de reprodução assistida, impondo situações e regras para que a técnica seja utilizada apenas para a resolução de problemas na reprodução humana, facilitando o processo de planejamento familiar e procriação.
Esta técnica pode ser realizada de duas maneiras sendo elas as intracorpóreas como a inseminação artificial e extracorpórea como a fertilização in vitro, a gestação de substituição, a reprodução assistida homóloga e a reprodução assistida heteróloga.
REPRODUÇÃO HUMANA HOMÓLOGA E HETERÓLOGA
A reprodução assistida homóloga é aquela que para a fecundação do embrião utiliza-se material biológico dos pais, não existe doação de óvulos ou espermatozoide.
Hoje, pelo ordenamento jurídico brasileiro este procedimento pode ser realizado pelo SUS.
Já a reprodução assistida heteróloga, é um método de inseminação que utiliza a doação de material biológico por terceiros, podendo ser o material biológico masculino ou feminino ou ainda o embrião já fecundado.
A reprodução assistida heteróloga é considerada como uma espécie de adoção socioafetiva.
Importante ressaltar que esta doação do material biológico, de acordo com a resolução do Conselho Federal de Medicina 2168/17, deve ser sempre gratuita e seguir determinações de idade para o doador,
IV - DOAÇÃO DE GAMETAS OU EMBRIÕES
1 - A doação nunca terá caráter lucrativo ou comercial. 2 - Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa. 3 - A idade limite para a doação de gametas é de 35 anos para a mulher e 50 anos para o homem.
Ainda a resolução médica 2168/17 pelo artigo IV inciso 9
9. É permitida a doação voluntária de gametas, bem como a situação identificada como doação compartilhada de ócitos em RA, em que doadora e receptora, participando como portadoras de problemas de reprodução, compartilham tanto do material biológico quanto dos custos financeiros que envolvem o procedimento de RA.
Assim uma pessoa pode doar seu material genético para outra pessoa anônima e participar de metade dos custos para tal procedimento.
Ressalta-se que o procedimento de doação de material genético deve ser realizado de forma anônima, como preceitua o mesmo artigo IV incisos 2 e 4, da resolução médica 2168/17,
IV - DOAÇÃO DE GAMETAS OU EMBRIÕES
2. Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa.
4. Será mantido, obrigatoriamente, sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais, informações sobre os doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do(a) doador(a).
REPRODUÇÃO HUMANA E SEUS REFLEXOS NO DIREITO
A reprodução humana assistida como procedimento de procriação humana, encontra pouquíssima regulamentação jurídica no Brasil.
A análise de qualquer problemática, se dá através de normas do Conselho Federal de Medicina, parcos dispositivos no Direito Civil e Constitucional, ainda ensinamentos doutrinários, muitas vezes divergentes bem como através dos costumes, ética e bom senso, com o intuito de solucionar possíveis questionamentos.
Assim, hoje no âmbito jurídico se utiliza como norma maior o regulamento médico e suas resoluções.
O Conselho Federal de Medicina, através de suas resoluções determina que a utilização desta técnica, a reprodução assistida, deva ser realizada com apenas o objetivo de resolver problemas de infertilidade ou de dificuldade de engravidar.
Não podendo se tratar de um comércio, ou meio para alçar lucros.
Preservando sempre os princípios éticos. A resolução do CFM 2168 de 21/09/2017, elenca que,
Adota as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida - sempre em defesa do aperfeiçoamento das práticas e da observância aos princípios éticos e bioéticos que ajudam a trazer maior segurança e eficácia a tratamentos e procedimentos médicos -, tornando-se o dispositivo deontológico a ser seguido pelos médicos brasileiros e revogando a Resolução CFM nº 2.121, publicada no DOU. de 24 de setembro de 2015, Seção I, p. 117.
Ainda sem legislações específicas sobre a reprodução assistida deve o médico sempre observar o código de ética, nos seguintes termos,
É vedado ao médico:
Art.67 Desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre os métodos contraceptivos ou conceptivos, devendo o médico sempre esclarecer sobre a indicação, a segurança, a reversibilidade e o risco de cada método.
Art.68 Praticar fecundação artificial sem que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos sobre o procedimento.
Art. 122 _ Participar de qualquer tipo de experiência no ser humano com fins bélicos, políticos, raciais ou eugênicos.
Já quando falamos em direitos, tanto do doador de material genético quanto do concebido entra-se na esfera constitucional, e o que deve ser observado são os princípios da dignidade da pessoa humana e o artigo que reza sobre o planejamento familiar como já mencionado acima artigo 226 da Constituição Federal.
Nos ensina o artigo 226 da CF, que o planejamento familiar é livre ao casal devendo o Estado propiciar recursos educacionais e científicos para tal fim.
Ainda, o direito de reprodução assistida é reconhecido pelo Estado como direito à saúde sendo assim um direito fundamental do ser humano.
Desde 1946, o Preâmbulo da Constituição da Organização Mundial de Saúde já previa que,
A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade. Gozar do melhor estado de saúde que é possível atingir constitui um dos direitos fundamentais de todo o ser humano, sem distinção de raça, de religião, de credo político, de condição econômica ou social.
Inclusive hoje, o Estado promove o fornecimento à população do tratamento de reprodução assistida, sendo custeada e possibilitada pelo Sistema Único de Saúde.
Regulamentada pela portaria 2048/09 do Ministério da Saúde, garantindo os tratamentos necessários de reprodução á aqueles que realmente possuem dificuldade de concepção.
Regulamentado também está o disposto no artigo 226 da CF, principio para onde foi criado a Lei do planejamento familiar Lei 9.263/96, que se norteiam em um conjunto de ações de atendimento ao casal e a família, em atendimento principalmente à saúde,
Artigo 3º da Lei de planejamento familiar,
As instâncias gestoras do Sistema Único de Saúde, em todos os seus níveis, na prestação das ações previstas no caput, obrigam-se a garantir, em toda a sua rede de serviços, no que respeita a atenção à mulher, ao homem ou ao casal, programa de atenção integral à saúde, em todos os seus ciclos vitais, que inclua, como atividades básicas, entre outras:
I a assistência à concepção e contracepção;
II o atendimento pré-natal;
III a assistência ao parto, ao puerpério e ao neonato;
IV o controle das doenças sexualmente transmissíveis;
V o controle e a prevenção dos cânceres cérvico-uterino, de mama, de próstata e de pênis.
Verifica-se assim que a Lei de planejamento familiar visa a saúde reprodutiva garantindo que todos os métodos de concepção serão oferecidos.
Cita o autor Pinheiro Neto,
retumba plausível que o direito à saúde alberga o direito de acesso às técnicas de reprodução humana assistida, com o intuito de promover a plenitude da saúde sexual e da dignidade da pessoa humana, constituindo um dever do Estado a sua promoção ante a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais (2012, p. 53).
Entretanto todas estas normas e regulamentos deixam a desejar quando o assunto é sobre a reprodução assistida heteróloga e o direito de filiação e conhecimento do doador de material genético.
Há uma enorme controvérsia doutrinária, quando o assunto é a reprodução assistida heteróloga, haja vista a confusão jurídica que causa tal inseminação.
Neste sentido defende a autora Maria Helena Diniz, uma referência no direito de família,
Urge regulamentar a fecundação humana assistida, minunciosamente, restringindo-se na medida do possível porque gerar um filho não é uma questão de laboratório, mas obra do amor humano. O ideal seria que se evitasse rebaixar o ministério da concepção, divorciando-o de um ato de amor, convertendo-o em um experimento de laboratório, o que pode trazer futuramente graves consequências para o casal e para o filho. Dever-se-á, em nosso entender, coibir inseminação artificial heteróloga, a fertilização em vitro e a gestação por conta de terceiro, ante os possíveis riscos de origem física e psíquica para a descendência e a incerteza sobre a identidade. (2009, p.546)
Deixa claro a autora de que o ato de se constituir uma família é bem maior que questões apenas de laboratório, colocando em dúvida a reprodução assistida heteróloga.
Para evitar debates e contradições judiciárias, o legislativo tem trabalhado incansavelmente com projetos de lei, ajustes em lei de biossegurança e resoluções que normatizem efetivamente o método de reprodução assistida heteróloga e seus efeitos judiciais.
Infelizmente, como citado, ainda não há na legislação brasileira lei específica, sendo utilizada como norte as Resoluções médicas.
FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA
De acordo com o código civil artigo 1596, a filiação deve ser pautada na afetividade e não somente no aspecto biológico,
Das Relações de Parentesco
Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Ainda, o artigo 1593 também do Código Civil dispõe que o parentesco será civil ou natural,
Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.
O Parentesco civil, tradicionalmente, decorre da adoção. Contudo, atribui-se no termo outra origem, citado pelo artigo 1593 do Código Civil duas outras formas de parentesco civil: o parentesco decorrente de técnica de reprodução assistida heteróloga (material genético de terceiro) e a parentalidade sócio afetiva (Enunciados 103 e 256, CJF/Superior Tribunal de Justiça).
Enunciado 103, CJF/STJ: Art. 1.593: o Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade socioafetiva, fundada na posse do estado de filho.
Enunciado 256, CJF/STJ: Art. 1.593: A posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil.
Certo então se faz que filiação, é a relação de parentesco estabelecida entre duas pessoas, onde uma é filha.
Na pesquisa apresentada, a reprodução assistida heteróloga, respeitará o princípio do parentesco civil, sustentado por laços de afetividade.
Como, no casal que realizou a inseminação artificial, relação de parentesco civil para aquele que não foi o doador do material genético e natural para aquele que foi.
Elenca o dispositivo 1597 do Código Civil,
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
I - nascido cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;
II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
Prevendo assim a possibilidade de presunção da paternidade, ou utilizando-se da analogia a presunção também da maternidade quando à doação de óvulos por terceiras, seguindo critérios assim como na adoção,
Segundo Maria Helena Diniz a relação de parentesco pode ser definida como:
O vínculo existente entre pessoas que descendem umas das outras, mesmo tronco comum, mas também entre cônjuge ou companheiro e os parentes do outro e entre adotante e adotado (2018 p. 314)
Na reprodução assistida heteróloga a maternidade será estabelecida em favor da mãe que planejou a gestação, mesmo que não seja a doadora do material genético.
Sendo assim, os filhos, resultados de reprodução humana assistida, possuem os mesmos direitos e deveres que os filhos biológicos, preservando assim todos os direitos constitucionais de igualdade e dignidade.
A velha frase muito usada e totalmente condizente com a verdade se aplica também neste caso pai é aquele que cria .
Desta maneira, o pai ou mãe de natureza civil que concordaram com esta reprodução assistida serão os responsáveis pela paternidade e maternidade com todos os deveres civis e constitucionais que regem a família e a filiação.
O pai ou mãe desejou em comum acordo a fecundação, se comprometeu com a educação e todas as necessidades daquela criança.
Nasce aí, a paternidade e maternidade sócio afetivo.
A paternidade sócia afetiva ultrapassa os limites da Lei, e da biologia garantindo mesmo que seja por reprodução assistida o ambiente favorável para o crescimento da criança.
O vínculo afetivo se dá desde o momento da concordância com os métodos de reprodução.
Para a Autora Maria Berenice Dias,
As transformações mais recentes por que passou a família, deixando de ser unidade de caráter econômico, social e religioso para se afirmar fundamentalmente como grupo de afetividade e companheirismo, imprimiram considerável reforço ao esvaziamento biológico da paternidade (2009 p. 324)
Desta maneira, a filiação é um direito de conceito, onde a relação entre as pessoas estabelecerá direitos e obrigações.
E assim, dá a jurisprudência e a doutrina aos filhos de reprodução assistida com doação de material genético, a reprodução assistida heteróloga as características e definições de filiação sócio afetiva.
Dando a ausência biológica pouca importância quanto aos direitos da criança.
Na reprodução assistida heteróloga estaria a família em posse do estado do filho, devendo a ele toda a proteção e direito familiar, impossibilitando assim qualquer vínculo ou responsabilidade daquele que foi o doador de material genético.
O VÍNCULO JURÍDICO
Filiação é o vínculo jurídico existente entre pais e filhos, regido esse vínculo pela isonomia, pois todos os filhos são iguais,
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Art. 1596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
O art. 1.597, do Código Civil, traz as antigas presunções de paternidade ao lado de presunções que decorrem de técnicas de reprodução assistida.
O Código Civil presume a filiação legítima com base na probabilidade (incisos I e II do artigo 1597 do CC) e em dados científicos (inciso II, IV e V do artigo 1597 do CC)
Nos termos do art. 1.597, do Código Civil, como citado acima presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos
v- havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que previa autorização do marido.
Essa presunção é relativa ou iuris tantum, pois contempla exceções (artigo 1598 e 1599 do Código Civil). O exame de DNA é prova cabal de paternidade.
- Filhos havidos a qualquer tempo em se tratando de embriões excedentários decorrentes de concepção artificial homóloga. Esses embriões são aqueles que não foram utilizados na técnica de reprodução assistida e que estão congelados na clínica correspondente.
O art. 5º, da Lei de Biossegurança prevê que após três anos do congelamento é possível utilizar suas células embrionárias para fins científicos ou terapêuticos, desde que haja autorização dos genitores.
A prova da filiação é feita pela Certidão de Nascimento (art. 1.603, CC), devendo-se levar em conta a parentalidade socioafetiva como elenca o Enunciado 108, CJF/STJ,
Enunciado 108, CJF/STJ: Art. 1.603: no fato jurídico do nascimento, mencionado no art. 1.603, compreende-se, à luz do disposto no art. 1.593, a filiação consanguínea e também a socioafetiva
Sendo assim são considerados filhos pela legislação os havidos dentro ou fora de uma relação, aqueles que foram adotados, os filhos havidos por inseminação, seja ela, homóloga ou heteróloga ou, ainda os filhos admitidos com parentalidade socioafetiva.
O DIREITO AO SIGILO
Diante do relatado entende-se que o conceito de família hoje vai além do entendimento cultural.
Entretanto, a inseminação heteróloga, só é possível através da intervenção médica e, caso seja a única solução.
A falta de legislação brasileira ou normas específicas que regulamentem a reprodução assistida, torna o ato sujeito a problemáticas jurídicas e debates morais sobre o trato.
De acordo com o autor Coelho,
O instituto da inseminação heteróloga, embora tenha uma boa aceitação principalmente vista sobre o aspecto social no tocante a constituição de família, verifica-se ainda que há ainda uma negativa por parte do estado brasileiro, isso ocorre, segundo o presente autor porque o Brasil ainda não dispõe de uma legislação específica da filiação por substituição (2011, p.170).
Uma destas problemáticas, diz respeito ao sigilo do doador de gametas para a inseminação artificial, ou como alguns doutrinadores versam o o pai biológico.
Havendo divergências sobre a inviolabilidade do sigilo da identidade dos doadores de gametas, muitos autores posicionam-se a favor da manutenção do sigilo dos doadores.
Para alguns autores o sigilo dos doadores, garantiria a autonomia e o desenvolvimento das famílias de forma segura e sem questões psicológicas ou de direitos.
Mas, por outro lado muitos são aqueles que não concordam com o sigilo dos doadores.
Neste sentido a autora Goldhar cita,
O anonimato, no viés de direito a intimidade, por si só não se sustenta na ponderação com tantos outros direitos fundamentais, de modo que, normalmente este deverá ceder para dar lugar a outros direitos de maior relevo. (2010, p. 284)
À luz do direito, ambas posições encontram amparo na legislação constitucional, seja quanto ao direito de conhecimento de sua origem genética, quando a constituição brasileira elenca o direito à personalidade humana, ou ainda quanto ao sigilo de doadores, elencados através dos direitos à intimidade e dignidade da pessoa humana.
O autor Guilherme Calmon ensina,
o sigilo do doador é justificável, uma vez que a quebra do mesmo pode gerar grandes consequências não só para o doador do material fecundante, como também para o filho concebido pela referida técnica. (2003, p. 903).
E ainda cita,
O anonimato dos pais naturais na adoção e na pessoa do doador na reprodução assistida heteróloga se mostram também necessários para permitir a plena e total integração da criança na sua família jurídica. Assim, os princípios do sigilo do procedimento (judicial ou médico) e do anonimato do doador têm como finalidades essenciais a tutela e a promoção do melhor interesse da criança ou adolescente, impedindo qualquer tratamento odioso no sentido da discriminação e estigma relativamente à pessoa adotada ou fruto de procriação assistida heteróloga. (2003, p. 903)
Deste modo, o sigilo ao doador encontra fundamentação na Constituição Federal artigo 5º inciso X, que dispõe,
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Ainda neste sentido há uma resolução do Conselho Federal de Medicina que promove
Resolução 2013/13,
Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa. Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador. (CFM, 2013)
Sendo assim qualquer informação ou conhecimento sobre aquele que doou espontaneamente seu material genético, seria uma violação à intimidade a sua vida privada.
Por que vale lembrar que quando há a doação, o doador não tem qualquer interesse em manter qualquer tipo de relação com o concebido ou com a sua família.
o art. 1º, III, da Constituição Federal estabelece como fundamento a dignidade da pessoa humana,
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana.
Em palavras do doutrinador Alexandre de Moraes,
A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. (2002, p.96)
Desta maneira, mesmo que o anonimato não esteja elencado na Constituição Federal, pode-se extraí-lo do princípio da dignidade humana, e dos direitos fundamentais como citado acima.
Revelar estes doadores, poderia causar uma queda abrupta quanto a doação deste material, até mesmo a dissolução de tal prática, pois aquele que doa, não deseja qualquer vínculo.
DIREITO À IDENTIDADE GENÉTICA
Por outro lado, alguns doutrinadores defendem a investigação da origem de filhos constituídos por inseminação artificial heteróloga
Assim ressalta o autor Krell,
No tangente à especialidade da fecundação artificial heteróloga, o anonimato do doador pode ser quebrado, assim como o anonimato do pai biológico na adoção por ação de estado, que garanta ao filho o direito à personalidade e ao conhecimento da sua origem genética, para poder verificar doenças hereditárias e evitar impedimentos matrimoniais. (2011. p. 186)
Para estes autores a fundamentação de tal investigação se resume a evitar eventuais relações incestuosas, impedimentos matrimoniais e até cuidados com a saúde genética.
Neste sentido, elenca o autor Lobo,
O objeto da tutela do direito ao conhecimento da origem genética é assegurar o direito da personalidade, na espécie direito à vida, pois os dados da ciência atual apontam para necessidade de cada indivíduo saber a história de saúde de seus parentes biológicos próximos para prevenção da própria vida. (2004, p. 525)
Sendo assim, o direito a identidade genética ficaria garantido com a quebra do sigilo do doador genético.
Ainda a autora Scalquette elenca,
Se de um lado o direito ao sigilo é garantido ao doador, com base no direito à intimidade e à sua dignidade, de outro o filho gerado com material doado tem igual direito de não viver à sombra de um pensamento de dúvida sobre quem seria aquele que lhe permitiu o nascimento. É também o mesmo fundamento da garantia de respeito à sua dignidade que impulsiona a busca por essa informação (2012 p.10)
A identidade genética, é um bem jurídico sendo assim um direito fundamental que deve ser preservado.
Ou seja, o direito ao anonimato deve ser repensado, pois na medida em que este desconhecimento do doador, cause prejuízos enormes, até mesmo de saúde, a quebra deste sigilo deve acontecer.
Assim pode-se observar que não há um posicionamento fechado com a relação á identidade do doador e a busca deste direito pelo concebido.
A legislação brasileira não firmou leis ou normas próprias para o tanto.
A autora Monica Aguiar explana,
o anonimato das pessoas envolvidas deve ser mantido, mas devem ceder à pessoa que resultou da técnica concepcionista heteróloga, diante do reconhecimento pelo Direito brasileiro dos direitos fundamentais à identidade, à privacidade e à intimidade, podendo a pessoa ter acesso às informações sobre toda a sua história sob o prisma biológico para o resguardo de sua existência, com a proteção contra possíveis doenças hereditárias, sendo o único titular de interesse legítimo para descobrir suas origens. (2005, p.92)
Este tipo de entendimento, ou seja, poder ressaltar o direito de todas as partes envolvidas, é o que de melhor pode ser discutido para o enfrentamento de divergências.
Todavia a legislação brasileira, trata o sigilo do doador como algo absoluto e seguindo normas e regulamentos do profissional de medicina, existe uma prioridade em defender e proteger os serviços de inseminação artificial, garantindo o sigilo.
Diferentemente de outros países que já se utilizam de normas regulamentadas e julgados, que deixam o direito de sigilo em segundo plano quando a questão é a busca por sua identidade genética.
CONCLUSÃO
A evolução da sociedade e os constantes avanços tecnológicos, levaram o Direito a uma nova interpretação dos conceitos de família.
Neste sentido cabe ao Direito buscar normatizações e soluções.
O sigilo do doador de material genético precisa ser mantido, mas também existe como direito fundamental, o direito daquele que foi concebido em conhecer sua origem genética.
O direito na sociedade em que vivemos não possui neste momento uma resposta padrão e eficaz, cada caso deve ser analisado e buscado em sua melhor decisão.
Devem ser criadas leis e normas para regularizar o conhecimento das origens daqueles que foram concebidos por reprodução assistida? Este conhecimento deve ser sobre sua identidade ou apenas conhecimentos médicos que não sejam irrelevantes.
Neste trabalho foram levantados princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal Brasileira, resoluções do Conselho Federal de Medicina Brasileira, entendimentos doutrinários e ainda uma visão do STJ e STF.
Chegando à conclusão de que a legislação brasileira não prevê regras e normas, ou seja, ainda não prevê uma solução para tal embate.
Pela fundamentação de tal pesquisa acredita-se que o anonimato do doador deva ser mantido, salvo em situações de extrema necessidade ou ainda o doador o permita expressamente, devendo haver uma avaliação sobre cada caso.
Se faz necessário que o Estado estabeleça mecanismos garantindo a todas as partes seus direitos.
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