Os contratos de promessa de compra e venda e a venda a terceiros

27/09/2022 às 16:56
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RESUMO

É certo que o direito civil exerce papel social, após a constitucionalização do direito privado, levando em conta não apenas a autonomia da vontade e a realização econômica que proporciona, passando a ter um papel social. Nesse contexto o instituto do Contrato de Promessa de Compra e Venda, figura muitas vez relacionadas a fraude ao pretenso comprador, deve possuir mecanismos legais de proteção ao comprador, que muitas vezes está em uma situação de hipossuficiência. Desse modo se buscará fazer a análise das possibilidades do promitente vendedor alienar imóvel a terceiro, e os mecanismos de proteção do promitente comprador, nesses casos.

Palavras chaves:

Contrato. Promessa de Compra e Venda. Venda a Terceiros

1 Introdução

Diante da constitucionalização do direito privado, o direito civil passa a ter além do fim econômico, o fim social. Por isso mesmo, passa-se a falar da função social do contrato. O direito à moradia é um dos direitos sociais garantidos no Art 6º da Constituição Federal (1988), e não poderia ser diferente em um Estado Democrático e Social de Direito, a moradia é essencial para a garantia da dignidade da pessoa humana fundamento afirmado no inciso III do Art 1º da Constituição Brasileira (1988). Deste modo, deve o direito privado, através do contrato, permitir de forma transparente a aquisição de imóveis, cumprindo sua função de acesso à moradia.

Nesse contexto, não apenas os contratos de aluguel e os contratos de compra e venda figuram com grande importância, mas também os contratos de promessa e compromisso de compra e venda. Esses contratos facilitam a aquisição e venda de bens tão vultosos como são os imóveis, permitindo uma negociação preliminar das condições da compra e venda. Assim, é necessário se analisar as possibilidades diante do inadimplemento por parte do vendedor nesses contratos, visto que isso dificulta o acesso à moradia por parte do comprador.

A promessa de compra e venda, foi instituto que sofreu algumas mudanças em 2002 com a vigência de, na época, um novo código civil. Outrora havia discussão sobre a necessidade do registro desse contrato, dúvida essa sanada pelo Código Civil de 2002, mesmo que ainda sejam frequentes os contratos ditos de gaveta. Embora o Código Civil (2002) considere uma única espécie de contrato, há diferenças fundamentais entre o contrato de promessa de compra e venda com cláusula rescisória e o que não a possui. Apesar de ambos visarem garantir pelo comprador a aquisição do imóvel e pelo vendedor sua alienação, é certo que há diferenças quanto a utilização desses contratos.

A promessa de compra e venda sem cláusula rescisória costuma ser utilizada antes da aquisição de imóveis, não sendo em geral oneroso mas podendo conter arras e/ou cláusula penal de multa pelo descumprimento. Quanto à promessa de compra e venda sem a cláusula rescisória, costuma ser utilizado na aquisição real do imóvel de forma onerosa não transferindo a sua propriedade, mas o direito real de adquiri-la. Essa forma de contrato é muitas vezes usada de maneira semelhante ao que é a venda com reserva de domínio para bens móveis, aplicada para bens imóveis, dando garantia ao vendedor de receber o pagamento antes de transferir a propriedade para o comprador. Assim, as garantias dadas a promessa são menores que as dadas pelo compromisso.

Se buscará analisar a fraude ao promitente comprador, procurando encontrar mecanismos legais de proteção ao comprador, que muitas vezes está em uma situação de hipossuficiência. Desse modo se buscará fazer a análise das possibilidades do promitente vendedor alienar imóvel a terceiro, e os mecanismos de proteção do promitente comprador. Nesse contexto é importante que se analise, então, o que é esse contrato e quais suas condições de validade, o que são só contratos de compra e venda, de promessa de compra e venda e quais as possibilidades que o comprador tem de garantir o acordado ou, ao menos, receber aquilo que lhe é devido.

2 Desenvolvimento

2.1 O Contrato e sua Validade

Entende-se que os contratos são institutos jurídicos que visam a criação, extinção e modificação de direitos conforme o encontro e acordo de vontades de duas ou mais partes capazes. Neste sentido Maria Helena Diniz (2010) disciplina:

o contrato constitui uma espécie de negócio jurídico, de natureza bilateral ou plurilateral, dependendo, para sua formação do encontro da vontade das partes para ser ato regulamentador de interesses privados.

O contrato é, assim, a garantia de cumprimento da vontade das partes nele manifestado, como sempre foi no ordenamento jurídico pátrio e no Direito comparado. Deste modo, o contrato se baseia na autonomia das relações privadas, dele decorre força obrigacional dos contratos, ou seja, o princípio da pacta sunt servanda, pelo qual o acordado passa a ser lei entre as parte. Com o constitucionalismo, reafirmado pelo Código Civil de 2002 (CC), passa também a ser princípio do contrato sua função social, afirmada explicitamente no Art. 421, da boa-fé objetiva no Art. 422 ambos do Código Civil (2002).

Conforme essa definição e o Código Civil(2002), o contrato possui como elementos essenciais:

  • a capacidade e legitimidade das partes;
  • o objeto lícito, possível e determinado ou determinável;
  • a livre vontade das partes;
  • boa-fé das partes;
  • a forma prescrita ou não proibida em Lei.

Assim, pode-se discutir a validade, levando a nulidade ou anulabilidade quando o contrato não obedece esses princípios ou elementos do contrato. A diferença entre nulidade e anulabilidade se relaciona ao bem jurídico que se visa proteger. Quando se protege norma de ordem pública, possuindo claro interesse social, a invalidade será de nulidade do contrato, enquanto que quando tutelando interesse meramente individual, protegendo apenas o interesse das partes, a invalidade será de anulação (GOMES, Orlando, p. 192.)

Assim, o Código Civil(2002) define como causa de nulidade: a) a incapacidade absoluta de pelo menos um dos contratantes; b) o objeto for ilícito, impossível ou indeterminado; c) o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; d) a forma imposta pela lei não for atendida; e) for preterida solenidade legal; f) houver fraude à lei; g) a lei taxativamente o declarar nulo ou proibir-lhe a celebração; g) há simulação.

Do mesmo modo o Código Civil(2002) define que são anuláveis os contratos quando a) há incapacidade relativa de um ou ambos os contratantes e b) houver erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude contra credores.

Embora o contrato vise garantir o cumprimento da vontade manifestada pelas partes, nem sempre as partes cumprem o que foi acordado. Ou seja, um contrato válido pode não ter efetividade pelo seu descumprimento, ao que dá-se o nome de inadimplemento. Pelo inadimplemento cabe à parte lesada pedir a resolução do contrato ou exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em ambos os casos, indenização por perdas e danos, segundo o Art. 475 do Código Civil (2002).

2.2 Contratos Preliminares

Os contratos preliminares, também denominados muitas vezes como pré-contrato, são classe de contrato em que as partes manifestam o vontade de criar em favor de uma ou mais delas o direito de exigir o cumprimento de um futuro contrato pela outra, em geral, já definindo sobre quais condições esse outro contrato será firmado. Essa figura remonta o Direito Romano, denominado pactum de contrahendo que compreendia o pactum de mutuando e pactum de commodando.

Na realidade, o contrato preliminar nada mais é que um contrato, devendo, conforme o Art. 462. do CC contém todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado, exceto quanto à forma, contendo todos os elementos necessários à sua constituição, que visa gerar a obrigação de fazer um ato, que é constituir negócio jurídico conforme acordado.

É importante frisar que o direito decorrente do contrato preliminar de exigir o ato de realização de um negócio jurídico, não pode ser confundido com o negócio jurídico que se pretende exigir. Como observa Orlando Gomes:

"Trata-se de figuras distintas do respectivo contrato definitivo, havendo, entretanto, quem conteste a independência dos dois. Sob a influência do Direito francês, segundo a qual a promessa de venda que é contrato preliminar no entendimento geral vale venda quando haja consentimento das duas partes sobre a coisa e o preço, muitos autores negam a autonomia do pré-contrato. Pensam outros que, se consiste em criar a obrigação de celebrar o contrato definitivo, é supérfluo, porque, se alguém prometeu obrigar-se em dia certo, obrigado estará nesse dia, como se nele houvesse contraído a obrigação. Exigir que novamente se obrigue é admitir, como diziam certos canonistas, um circuitus inutilis"

Conforme o Art. 463. do CC, no contrato preliminar válido, desde que nele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes poderá exigir a celebração do definitivo. Contudo, para ser oponível erga omnes o contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente.

Os Art. 464 e Art. 465 preceituam as soluções jurídicas para a inadimplência dos contratos preliminares. Assim, o interessado pode solicitar ao juiz, suprir a vontade da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar, menos se opuser a natureza da obrigação. Poderá ainda considerar o pré-contrato desfeito, e pedir perdas e danos.

2.3 Compra e Venda

Conforme o Art. 481 do CC, o contrato de compra e venda é aquele pelo qual duas partes se obrigam, uma a transferir o domínio de certa coisa, e a outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro. Sendo assim, um contrato bilateral, oneroso e em geral comutativo. Como todo contrato, o de compra e venda precisar atender aos requisitos essenciais supracitados na seção sobre os contratos, para a sua validade.

Por ser oneroso, é necessário ainda, para a validade, que a coisa a ser alienada e o preço, sejam determinados ou determináveis. Quanto à forma, no caso dos negócios jurídicos imobiliários, é exigida matrícula junto ao Registro de Imóveis. conforme o Art. 1.227 do CC, pelo qual os direitos reais sobre imóveis transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos. Assim, apenas após o registro se aperfeiçoa a compra e venda do imóvel e sua propriedade é transferida ao comprador.

2.4 Promessa de Compra e Venda

O contrato de promessa de compra e venda encontra-se instituído no Código Civil (2002) nos artigos 1.417 e 1.418, e seriam espécies de contratos preliminares, sendo contratos que antecedem a efetiva constituição do negócio jurídico de compra e venda. Por ele um se obriga a vender e o outro a comprar o bem. Sendo comumente utilizado antes da compra e venda de imóveis com o objetivo de conferir maior segurança quanto ao preço ajustado e à forma de pagamento.
Contudo, caso contenha uma cláusula que proíbe o arrependimento, ou seja, uma cláusula de irretratabilidade, o contrato torna-se definitivo, sendo, então denominado de preliminar impróprio. Como leciona Orlando Gomes: A promessa de compra e venda identificada por essas peculiaridades seria contrato preliminar impróprio, isto é, negócio jurídico diferente do contrato propriamente preliminar, que, verdadeiramente, não consistiria em promessa recíproca de contratar.
A promessa de compra e venda, ainda se diferencia dos demais contratos preliminares, pois quando não cumpre seu objetivo, pode a parte interessada exigir o cumprimento, e caso tenha seu direito negado, pode requerer judicialmente adjudicação do imóvel conforme o Art. 1.418 do CC. Porém, é importante frisar que a promessa não consiste na compra e venda, ou seja, não dá direito a propriedade do bem imóvel, visto que a transferência do mesmo só é possível com o registro do título translativo no Registro de Imóveis conforme o art. 1.245 do CC.
Apesar de não haver a transferência da propriedade, o direito do promitente comprador, quando não há possibilidade de arrependimento, é direito real conforme o Art. 1.417, que porém só é adquirido com o registro, conforme o Art. 1.227. Neste caso passa a ser exigível erga omnes.

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3 Discussões

O Art. 1.225 em seu inciso VII, preceitua que o direito do promitente comprador do imóvel é direito real. Observa-se que nesses dispositivos, não há qualquer menção a ser acordado ou não o arrependimento. Assim, boa parte da doutrina entende que passa a ser obrigatório o registro no caso de imóveis com valor acima de trinta salários mínimos, conforme o Art. 108 do CC. Assim sendo, conforme essa interpretação, os ditos contratos de gaveta referentes a promessa de compra e venda de imóvel, ainda bastante comuns, quando referentes a imóveis com valor superior a trinta salários mínimos possuem vício de validade quanto a forma.

Por essa interpretação, o Art. 1.417 não tem qualquer sentido de existir, visto, que este garante o Direito Real apenas as promessas de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, enquanto o Art. 1.225 o estende a todos os promitentes compradores de imóveis.

Consoante a esta interpretação, não há qualquer proibição quanto à constituição de contrato de promessa de compra e venda de imóvel em que se reconhece o arrependimento. Ou seja, se teria o direito do término unilateral do contrato por parte do promitente vendedor, extinguindo direito real do promitente comprador, mesmo este possuindo direito erga omnes de aquisição do imóvel, visto o registro em cartório. O mesmo ocorreria se o imóvel tivesse valor inferior a trinta salários mínimos.

Se neste caso, o promitente vendedor decidisse alienar o imóvel a terceiro, não haveria qualquer impedimento para ele, visto que estaria exercendo seu direito ao arrependimento, devendo arcar com as arras e/ou multas acordadas na cláusula de arrependimento, além de perdas e danos, mesmo que registrado em cartório. O não registro para imóveis com valor superior a trinta salários mínimos, por outro lado faria com que o contrato fosse nulo por não atender à forma prescrita em lei no caso o Art. 108 do CC, não tendo o promitente comprador qualquer garantia.

Outra interpretação é que considera restritivamente o Art. 1.225 em seu inciso VII, entendendo que ele apenas proclama direito real prescritos no Art. 1.417. Por essa outra corrente o entendimento será o mesmo quando há no contrato de promessa cláusula permitindo o arrependimento e o registro, pode o promitente vendedor exercer o direito permitido pela cláusula e alienar o imóvel a terceiro devendo arcar com as arras e/ou multas acordadas na cláusula de arrependimento, além de perdas e danos, independente do registro em cartório, visto que por essa interpretação o mesmo não é exigido para a validade do contrato.

Caso, não tenha sido acordada a impossibilidade de arrependimento, no de compra e venda é impossível a alienação a terceiro pelo promitente vendedor já em tese não é possível a desistência e podendo o promitente comprador exigir a adjudicação do imóvel antes de consolidada a venda a terceiro, cabendo ainda perdas e danos. Como há, independente das correntes interpretativas o registro em cartório, que o torna oponível erga omnes, o que pode caracterizar má-fé objetiva e assim a anulação do ato que provocou alienação a terceiro, podendo se caracterizar fraude por parte do promitente vendedor e, dependendo do caso do terceiro comprador. Caso não houvesse o registro, haveria nulidade quanto à forma prescrita em lei quanto a promessa de compra e venda, não havendo o que se exigir.

4 Considerações Finais

Percebe-se que resta prejudicada a interpretação quando se conjuga os Art. 1.225, Art. 1.417 e o Art. 108 todos do referido Código Civil Brasileiro (2002). É necessária a interpretação restritiva do Código Civil(2002) em todo o caso. Ou se tem o entendimento hermenêutico que os referidos institutos impedem o contrato de promessa de compra e venda com cláusula de arrependimento, embora não se possa extrair isso do texto legal. Ou ainda, entende que é necessário o registro no Registro de Imóveis, dando garantido direito real, que porém pode ser mitigado pelo arrependimento do promitente vendedor. Outra possibilidade é a interpretação restritiva apenas do Art. 1.225, entendendo-se que ele confere direito real apenas para o caso elencado no Art. 1.417.

De todo modo, independente da linha interpretativa adotada percebe-se que Código Civil (2002) apresenta uma tentativa de exigir o registro da promessa de compra e venda em cartório, recorrendo a uma tendência formalista quanto aos contratos de imóveis, o que diante da realidade brasileira pode levar a uma grande imbróglio de informalidade. De todo modo, há uma maior proteção ao promitente comprador, tornando bastante difícil, quando há registro, a ocorrência de fraudes contra ele.


REFERÊNCIA

BRASIL. Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/l10406.htm>, consultado em 21 de Junho de 2018, às 21h51min.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>, consultado em 21 de Junho de 2018, às 11h51min.

GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Rio de janeiro: Forense.

Diniz, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro - vl. 3 - Teoria das Obrigações Contratuais e Extra Contratuais. 26. ed., São Paulo: Saraiva 2010.

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