A INVISIBILIDADE DA VIOLÊNCIA PATRIMONIAL E A INEFICÁCIA DA PUNIÇÃO

28/09/2022 às 17:16
Leia nesta página:

A INVISIBILIDADE DA VIOLÊNCIA PATRIMONIAL E A INEFICÁCIA DA PUNIÇÃO

RESUMO

O presente trabalho tem por intuito relatar o instituto de violência patrimonial, demonstrado na legislação brasileira. O objetivo que se deseja alcançar é, o de que forma o crime de violência doméstica é acometido, principalmente contra o patrimônio das mulheres que optam pela separação nas relações conjugais, detalhando a violência, e os meios utilizados para tal conduta, pretende-se alertar a invisibilidade de punição, de que tais condutas são acometidas e o que se deve fazer para evitá-las, defender e proteger o patrimônio.

ABSTRACT

This papers purpose is to report the institute of patrimonial violence shown in the brazilian legislation. The objective in mind is, how the domestic violence crime is stricken, mainly against the patrimony of women that opt for the separation in marital relations, detailing the violence and means used for such conduct, it is intended to alert the invisibility of penalty, that such conducts are stricken to and what to do to avoid it, defend and protect the heritage.

INTRODUÇÃO

Com o objetivo de aprofundamento do conceito e definição do instituto denominado como violência patrimonial, cometida principalmente em face da mulher por sujeitos de seu convívio familiar, na constância e término das relações amorosas. Este trabalho tem à finalidade de demonstrar, as principais características do que se trata a violência patrimonial, e de que maneira silenciosa ela é acometida, quais os meios e medidas devem ser tomados para impedir tal violência.

Importante considerar que as mulheres ainda nos dias de hoje são consideradas como um grupo frágil e desprovidas de direitos, sofredoras de preconceitos e culturas enraizadas. A violência patrimonial é primordialmente caracterizada por excesso de poder econômico de apenas um dos lados do relacionamento amoroso.

E como é possível verificar, a maioria das mulheres, mesmo após tantas lutas, permanecem do lado mais fraco economicamente da relação conjugal, sendo assim violentada no seu direito de usufruir de bens materiais conquistados. O lado mais forte da relação, ainda designado pelo chefe da família, dispõe ao seu bel prazer como será distribuída a renda e o usufruto daquilo que foi conquistado na relação conjugal.

A VIOLÊNCIA PATRIMONIAL

Encontrada em sua definição e conceito, violência patrimonial é toda e qualquer conduta que configure a retenção ou subtração de valores econômicos, destruição de bens e documentos pessoais, mais ainda o cerceamento de direitos e recursos financeiros.

Vista principalmente em atos de separação de relacionamentos amorosos, a situação de violência patrimonial será caracterizada primeiramente por destruição de objetos pessoais como celulares e computadores, ocultação de certidões e passaportes com o intuito de punir e coagir a parte que decidiu romper o vínculo daquela convivência.

Atitudes de perturbação financeira seguem aqueles que cometem o ato de violência patrimonial, muitos se utilizam de sua condição financeira superior para atormentar a vida do outro, não é raro de se ver casos em que imóveis e investimentos estão registrados apenas em nome de uma das partes da relação, ou ainda fraudes e manipulações imobiliárias e comerciais para que os bens constituídos na constância do relacionamento estejam em nomes de terceiros.

Importante ressaltar, uma conduta normal e corriqueira nos atos de violência doméstica, é a falta de cuidado em que o trabalho doméstico de cuidados dos filhos e do lar não são reconhecidos ou não possuem um valor atribuível, esquecendo-se por completo que se a parte se dedicou exclusivamente ao lar, também contribuiu indiretamente e efetivamente para a construção do patrimônio em comum.

Outro ato de violência frequentemente encontrado é quando uma das partes no momento do divórcio, da separação, pressiona emocionalmente a outra para que a divisão de bens seja feita rapidamente, muitas vezes por apenas um advogado, normalmente contratado por aquele que tem a superioridade financeira, ocasionando perdas de direitos e golpe financeiro para a outra parte.

Prevalecer-se da confiança da parte de emitir procurações irrestritas, utilizar- se de cartões de crédito e não cumprir o pagamento, negar alimentos, abandonar empregos formais, esquivar-se de oficiais de justiça, atrasar pagamentos de pensões, são algumas das situações de violência patrimonial acometidas.

Quebrar o ciclo do comum, daquilo que é corriqueiro, é primordial para o enfrentamento deste tipo de violência.

Para a fundadora da rede nacional de advogadas familistas feministas Mariana Regis:

Conhecer cada detalhe da história de vida do ex-casal, como se construiu o relacionamento afetivo e como se gerou a relação de dependência econômica da mulher é fundamental para definir como enfrentaremos temas como divisão de bens e alimentos em uma ação de Divórcio/Dissolução de união estável. É essencial que reconheçamos a complexidade da situação, para romper o ciclo de violência patrimonial e evitar que o processo traga abalos financeiros irreversíveis no futuro dessas mulheres que muitas vezes abrem mão de direitos por não terem condições emocionais mínimas para sustentar a demanda. É urgente a necessidade do compromisso das advogadas feministas no combate a cultura de violência patrimonial contra a mulher, garantindo uma boa interpretação da Lei Maria da Penha também no campo do Direito das Famílias. Só assim poderemos efetivar este amplo sistema de proteção da sua vida. (2017, texto digital)

A violência patrimonial é sem dúvida uma forma de abuso que pode ocorrer em qualquer relação, desde namoros rápidos até relações duradouras e estáveis.

Certo se faz, que as ações daquele agressor que comete o ato de violência compreendem uma série de manipulações psicológicas com o objetivo de confundir a vítima, e assim poder-lhe esgotar financeiramente com o propósito de continuar seu poder.

A violência patrimonial consiste, portanto, na negação daquele que é agressor em entregar à vítima aquilo que é de seu direito, de suas conquistas, de sua propriedade.

Como citado acima a violência patrimonial pode apresentar diversas formas e maneiras, o esgotamento financeiro pode vir em inúmeras ações, o objetivo do agressor de manter o poder sobre a vítima através da superioridade financeira, será realizado em incontáveis situações, o impedimento aos direitos e ao que pertence à vítima tornar-se à finalidade do agressor.

Mesmo que a nome violência seja encontrado principalmente como abusos físicos, define-se que para a caracterização da violência patrimonial não é necessário a violência física.

De acordo com o autor Lima, mesmo que o crime praticado contra o patrimônio da mulher seja realizado sem agressão direta ao seu corpo ou à sua moral, como o furto, o fato estará enquadrado no artigo supracitado (LIMA, 2015, p. 919).

Para a autora Virgínia Feix a violência patrimonial pode se originar até mesmo de uma estrutura patriarcal:

É preciso aqui destacar que o empoderamento econômico das mulheres é um fenômeno recente, e que a retirada dos obstáculos legais, burocráticos e culturais para a livre disposição de seus bens, inclusive rendimentos, ainda está sendo conquistada. Disso decorre que, em muitas situações, os homens permanecem na condição de chefia da família, administrando os bens e monopolizando o poder econômico da comunidade familiar, o que pode ser considerado moeda de troca ou vantagem na imposição de sua vontade e manutenção de relação desigual de poder. (2011, p. 208)

Abaixo detalharemos algumas das situações características daquele que comete a violência patrimonial, o crime financeiro.

CARACTERÍSTICAS DA VIOLÊNCIA PATRIMONIAL

O ATAQUE À AUTONOMIA DA VÍTIMA

Já verificamos anteriormente que o tipo de violência patrimonial ocorre quando o agressor se emprega da vida financeira ou dos bens da vítima para dominá-la ou constranger.

Através de atitudes de controle abusivo de gastos e de dinheiro, ordens de impedimento de trabalhar, contrair dívidas em nome da vítima, ocultar e fraudar bens durante a partilha, esconder documentos, quebrar objetos, destruir bens, deixar de pagar a pensão, o agressor pratica a violência patrimonial.

Qualquer lesão ou ato que impeça a independência financeira da vítima é um ato de violência patrimonial.

Estas atitudes são bem mais comuns do que se acredita, segundo dados de 2019, pelo trabalho do Dossiê da Mulher, somente no Rio de Janeiro, 51,4% das denúncias de violência patrimonial envolveram crimes de dano, seguido de violação de domicílio (41,7%) e supressão de documentos (6,8%)

A vítima na maioria das vezes não possui renda própria, são dependentes dos seus agressores, outras tem a renda controlada por seus parceiros, ou auferem renda irrisória para sua subsistência, sendo assim, muitas não denunciam o abuso praticado por seus agressores, se tornam presas a um relacionamento abusivo. Muitas vezes, a vítima sequer tem conhecimento que está vivendo uma situação de violência e que a denúncia pode ser realizada.

O agressor, se utiliza de sua superioridade financeira para constranger, prender, humilhar, exercer o poder, seja psicológico ou financeiro, atitude esta inclusive muito utilizada durante a separação dos cônjuges pois, muitos agressores sentem que a vítima não tem direito ao patrimônio, pois como ela não trabalhava, o patrimônio foi constituído somente por ele.

E, como muitas vezes visto, o agressor no momento da separação se recusa a dividir bens e valores que foram conquistados durante o relacionamento conjugal, ocultando documentos, fraudando venda de bens, se negando ao pagamento de pensão.

A falta de conhecimento de que estas práticas de controle financeiro e dano patrimonial se encaixam nos crimes de violência patrimonial acabam impedindo denúncias pelas vítimas. Por ser uma violência praticada no silêncio e muitas vezes com envolvimentos até mesmo culturais, o próprio operador do direito não denuncia ou não dá o devido valor, que este tipo de violência criminal merece. Ou ainda, a parte dependente financeiramente não possui meios de dar andamento ao processo litigioso, seja psicologicamente, ou monetariamente.

O autor Mário Delgado explica:

Nos conflitos conjugais, a violência patrimonial mais conhecida é aquela praticada mediante destruição de bens materiais e objetos pessoais ou a sua retenção indevida, nos casos de separação de

fato, com o objetivo de coagir a mulher a retomar ou a manter-se na convivência conjugal. Entretanto, a violência patrimonial pode ter formas mais sutis e, justamente por isso, não são analisadas pelo operador do Direito sob o aspecto criminal. (2018, texto digital)

A DEFINIÇÃO PELA LEI MARIA DA PENHA

Segundo a Lei Maria da Penha, a violência doméstica pode se caracterizar em forma de agressão física, ameaça, violência psicológica e, foco deste trabalho violência em relação ao patrimônio do casal ou ex-casal, a violência patrimonial.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Descreve a Lei, como Violência Patrimonial, qualquer comportamento que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer as necessidades de quem dele depende ou possui.

Tratada na Lei 11340/ 2006 em seu artigo 7º, inciso IV:

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

  • - A violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
    • - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
    • - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
    • - A violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
    • - A violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

A violência patrimonial é encontrada em quase todas as situações de divórcios e separações litigiosas, porém ainda muito desconhecida pelas vítimas

De acordo com o juiz de direito José Olindo Gil Barbosa, titular do Juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher, em entrevista ao Portal do IBDFAM:

A Lei Maria da Penha estabelece diversos tipos de violências, e uma delas é a Violência Patrimonial. A chamada violência patrimonial descrita na Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) recebe o mesmo tratamento que os crimes contra o patrimônio previstos no Código Penal, tal qual o furto e o roubo, tendo em vista a sua gravidade e a reprovação de sua prática pela sociedade. (2018, texto digital)

Entende-se assim, que importante se faz observar os atos de violência patrimonial não somente pelos ditames da Lei Maria da Penha, mas também associados e recebendo o mesmo tratamento de crimes que são, os crimes contra o patrimônio.

OS CRIMES COMETIDOS NA VIOLÊNCIA PATRIMONIAL

Outra conduta extremamente significativa de citarmos no âmbito da violência patrimonial acometida contra a parte da relação conjugal, é, daquele que viola o direito a negação diante da possibilidade econômica de auxílio financeiro.

Para a Autora Maria Helena Dias:

Cabe mencionar outra peculiaridade importante da violência patrimonial, no que se refere à obrigação alimentar quando o agente deixa de atender à obrigação, com plenas condições econômicas, além de violência doméstica, pratica o crime de abandono material, não sendo necessário que este encargo esteja fixado judicialmente. (2007, p. 78).

Para o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, especialista em Direito de Família, e autor do livro Dicionário.

Define o ato de violência patrimonial todos os atos comissivos ou omissivos do agressor que afetam a saúde emocional e a sobrevivência dos membros da família (2005 p. 7)

Ocorre constantemente e, principalmente no fim dos relacionamentos, que a parte mais forte economicamente daquela relação abuse do poder econômico em detrimento do outro.

Nos ensina o Doutor Rodrigo da Cunha Pereira:

A violência patrimonial acontece quando a parte econômica mais forte na relação conjugal, e na maioria das vezes após o seu fim, abusa de seu poder e domínio da administração dos bens de propriedade comum, não repassando ao outro os frutos dos bens conjugais, gerando uma situação de opressão, dominando e abusando deste poder sobre o outro (2005 p.45)

Por se tratar de um tipo de violência sutil e silenciosa, a violência patrimonial muitas das vezes, passa despercebida, tanto pela vítima, como pelos operadores do direito.

A demanda da violência patrimonial tem características criminais e deve ser atendida e defendida como crime que é. Ocorre que, com ainda resquícios nos dias atuais, não há um respaldo adequado para este tipo de violência.

De acordo com o Autor Delgado, antes da Lei Maria da Penha não havia legislação específica garantindo e assegurando o direito, hoje ainda se enfrenta a falta de tratamento protetivo.

De acordo ainda com o autor Delgado:

A violência patrimonial que mais se conhece nos casos de conflitos conjugais é a praticada mediante destruição de bens materiais e objetos pessoais ou a sua retenção indevida, nos casos de separação de fato, no afã de coagir a mulher a retomar ou a manter-se na convivência conjugal (2016, p. 1049)

E o que se observa ainda é que quando uma mulher sofre uma violência desta, é tratado como briga conjugal.

Neste sentido é possível verificar outras várias maneiras de ser acometida tal violência, como o cônjuge que subtrair ou ocultar bens e valores, fazendo uso exclusivo dos mesmos, ou promovendo a retenção dos alimentos à mulher, ou ainda repassando o patrimônio para o nome de terceiros, e mais tantas outras formas de ocultar e dilapidar patrimônio.

O autor cita ainda condutas de cônjuges e companheiros que,

às escondidas subtraem valores da mulher, para comprar drogas ou bebidas; ou cônjuges e companheiros que cometem a subtração

contra a mulher da parte que lhe cabia dos bens comuns, alienando o automóvel ou os móveis da casa ou até mesmo o animal de estimação. (2016, p.1054)

Possível acompanhar também que muitas vezes os atos de violência patrimonial, são praticados no intuito de vingança cita o autor Delgado, muitas das vezes, o autor subtraiu não pelo valor do bem, mas com o intuito de causar dissabor e dor, ou seja, sofrimento para a vítima. (Delgado,2006, p 1055)

Mas certo se faz que mesmo nestes casos a violência deve ser vista e tratada, faz referência o autor, certo é que, nas situações de furto, o entendimento jurisprudencial é no sentido de reconhecer a violência patrimonial com o afastamento do princípio da bagatela. (Delgado, 2006, p. 1054-1055).

Ele ainda lamenta o fato de que, apesar de comuns, as situações que envolvem violência patrimonial contra a mulher no âmbito das relações socioafetivas são pouco levadas à esfera jurisdicional (Delgado, 2006, p. 1054-1055).

CRIME DE ABANDONO MATERIAL

Atitude importantíssima a se considerar como crime de violência patrimonial é o crime de abandono material previsto no Código Penal, artigo 244:

Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País. (Redação dada pela Lei nº 5.478, de 1968)

Parágrafo único - Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada. (Incluído pela Lei nº 5.478, de 1968)

O crime de abandono material se fundamenta na recusa injustificada da parte de prover o necessário financeiramente para a subsistência da vítima. Seja se recusando a um auxílio para a vítima que nunca trabalhou, ou aquela que está momentaneamente sem trabalho, ou ainda retendo os valores já arbitrados judicialmente à título de pensão, estará, à parte, cometendo tal crime.

Aquele que por vontade deliberada e injustificada descumprir a obrigação direta de auxílio material, percebe-se e cita-se extremamente importante, decorrente de parentesco ou determinação judicial, estará violando e praticando o crime de abandono material.

É função da Lei penal, proteger direitos fundamentais e valores básicos visando garantir a subsistência da vida humana, é fixar responsabilidades no âmbito familiar, provendo á aquele que se encontra em dificuldades o auxílio necessário para a continuidade de sua vida.

Sendo assim, não se faz necessário que o agressor seja julgado no âmbito civil, a inadimplência ou a recusa ao auxílio já caracteriza o crime.

Desta forma entende-se que se violência patrimonial, elencada na Lei Maria da Penha, é fundamentada por qualquer conduta de retenção ou subtração de um direito financeiro e auxiliar da vítima, o abandono familiar tipificado no Código Penal, como deixar sem justa causa e prover a subsistência da parte, é uma violência patrimonial.

CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA

A parte alimentante que mesmo tendo à possibilidade de recursos financeiros, cria subterfúgios para procrastinar ou não pagar uma decisão judicial de pensão alimentícia ou uma partilha de bens, está não só cometendo crime de abandono material como também se apropriando de valores que pertencem ao outro, praticando assim o crime de apropriação indébita, previsto no artigo 168 do Código Penal:

Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

O devedor que deixa dolosamente de cumprir uma decisão judicial, que sabe ser indispensável para a subsistência e retém valores destinados ao credor, ou ainda aquele cônjuge que faz uso exclusivo dos frutos dos bens comuns, oculta e esconde bens, se recusa a partilha dos bens do casal, está se apropriando de valores que não lhe pertencem.

Para o advogado e autor, Mário Delgado, do instituto IBDFAM:

O atentado contra o patrimônio da mulher também pode ser praticado, por exemplo, pelo marido que subtrai ou faz uso exclusivo dos bens comuns ou pelo devedor de alimentos que retém o pagamento da verba devida ao ex-cônjuge. Assim, a conduta do homem, recebedor da integralidade dos alugueres de imóvel pertencente a ambos os cônjuges ou conviventes, de não repassar o que seria a meação da mulher, equivale à retenção ou apropriação

de bens ou recursos econômicos, exatamente como previsto na Lei nº 11.340/06. Ou seja, apropriação indébita cometida com violência doméstica, na modalidade violência patrimonial. Da mesma forma, furtar-se ao pagamento de pensão alimentícia arbitrada em benefício da mulher. O devedor de alimentos que, condenado ao pagamento de verba alimentar indispensável à subsistência da mulher, deixa, dolosamente, de cumprir com a sua obrigação estará se apropriando indevidamente de valores que pertenceriam à mulher credora dos alimentos (2018, texto digital)

Ou seja, a violência patrimonial fundamentada pelo comportamento típico de reter bens e valores tem, a mesma natureza jurídica tipificada no código penal como apropriação indébita.

MEDIDAS CABÍVEIS PARA PREVENÇÃO E DEFESA

O artigo 24 da Lei Maria da Penha, ensina acerca da proteção patrimonial, no que se refere aos bens particulares da mulher ou aqueles advindos da sociedade conjugal, existe um rol exemplificativo de garantias de prestação jurisdicional em caráter liminar, que englobam:

Art. 24. I - Restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;

  1. - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
  2. - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
  3. - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.

Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo (LEI 11.340/2006, ART. 24)

Além das medidas cíveis, como a reivindicação de pensão alimentícia, cobrança dos frutos, prestação de contas da administração do casal, é possível também a invocação das medidas protetivas prescritas na Lei nº 11.340/06.

Cabe à vítima e ao Juiz sempre que verificar o ato de violência patrimonial como, e ainda a prática de apropriação indébita e abandono material, comunicar ao Ministério Público:

Art. 25. O Ministério Público intervirá, quando não for parte, nas causas cíveis e criminais decorrentes da violência doméstica e familiar contra a mulher. (Lei 11340/2006)

Infelizmente, o que se mostra hoje em dia, ainda, é que para uma aplicação mais rigorosa e abrangente da Lei que visa proteger o patrimônio da vítima, vários empecilhos e resistências são encontradas.

Os principais empecilhos encontrados para a defesa dos direitos da vítima de violência patrimonial na esfera criminal, decorrem das imunidades encontradas e elencadas nos artigos 181 e 182 do Código Penal, estes artigos isentam de pena os cônjuges que cometem crimes:

Art. 181. É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo:

  1. - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;
  2. - de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.

Art. 182 - Somente se procede mediante representação, se o crime previsto neste título é cometido em prejuízo: (Vide Lei nº 10.741, de 2003)

I - do cônjuge desquitado ou judicialmente separado; II - de irmão, legítimo ou ilegítimo;

III - de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita.

Assim aquele que pratica o crime contra o patrimônio de uma das vítimas elencadas no artigo 181, e que não incorra em violência ou grave ameaça, estará isento de qualquer punição.

Assim explica o autor Mário Delgado:

Além das dificuldades que transcendem a legalidade, como é caso do silêncio, da omissão e da inatividade da vítima, do ponto de vista estritamente legal, os principais empecilhos para instauração dos processos criminais visando à proteção patrimonial da mulher decorrem das imunidades localizadas nos artigos 181 e 182 do CP, que isentam de pena quem comete crimes contra o patrimônio em prejuízo do cônjuge, na constância da sociedade conjugal.(2018, texto digital)

Entretanto, o sistema jurídico deve ser visto como um direito em evolução, as modificações normativas devem sofrer mutações e serem alteradas de acordo com a evolução dos direitos da sociedade, quando os valores regidos por uma

sociedade se modificam o direito deve se adaptar a eles.

Assim, nas palavras da professora Maria Berenice Dias:

A partir da nova definição de violência doméstica, assim reconhecida também a violência patrimonial, não se aplicam as imunidades absolutas e relativas dos arts. 181 e 182 do Código Penal quando a vítima é mulher e mantém com o autor da infração vínculo de natureza familiar. Não há mais como admitir o injustificável afastamento da pena ao infrator que pratica um crime contra seu cônjuge ou companheira, ou, ainda, alguma parente do sexo feminino. Aliás, o Estatuto do Idoso, além de dispensar a representação, expressamente prevê a não aplicação desta excludente da criminalidade quando a vítima tiver mais de 60 anos. (2008, p. 52):

Utilizar-se de meios escapatórios, escusas absolutórias, como os artigos 181 e 182 elencados no código penal de 1940, é o mesmo que desmerecer tanta luta cometida pela Lei Maria da Penha. Se assim fosse, a repressão a violência patrimonial ficaria sem sentido, visto que sua prestabilidade estaria limitada, ou seja a Lei que defende e busca prevenir a violência ao patrimônio da vítima em âmbito familiar, estaria inutilizada, favorecendo assim o agressor em sua conduta.

Nesta mesma linha a autora Feix, reflete:

Utilizar argumentos de proteção à família como fundamento da política criminal em caso de violência patrimonial contra a mulher é desconhecer os fundamentos históricos, filosóficos e políticos que justificam e enquadram a Lei Maria da Penha como uma ação afirmativa do Estado brasileiro, que tem como objetivo promover a diminuição da estrutural desigualdade entre os gêneros, na família e no sagrado lar, que tem na violência poderoso instrumento de perpetração e reprodução. (2009, p. 209)

Entretanto o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, já demonstrou seu entendimento sob uma linha mais clássica e conservadora,

Percebe-se que o entendimento do STJ é de que a Lei maria da Penha não revogou o artigo 181 do Código Penal, para os membros daquela corte as previsões do artigo 24 da Lei 11340/2006 seriam efetivas e possibilitaram a proteção ao patrimônio da vítima.

CONCLUSÃO

Demonstrado fica que, a violência patrimonial reside na agressão ao patrimônio da vítima, na retenção na subtração, na fraude daqueles bens patrimoniais constituídos na relação conjugal. Uma forma de violência que impede que a vítima exerça seus direitos sobre aquilo que lhe pertence.

Prevalecendo-se do poder de retirar da vítima a sua autonomia financeira, o agressor exerce um poder ilimitado, o controle do agressor sobre a vítima, é de tal forma intenso e completo que impede que a vítima consiga sair de tal situação.

A Lei 11340/2006 através de incansáveis lutas, atingiu mecanismos que mostram impedir tal forma de agressão, entretanto e infelizmente nem sempre são eficazes ou ainda utilizados em sua plenitude.

Entretanto, ainda nos dias de hoje, a resistência e as implicações jurídicas para a defesa do patrimônio da vítima se mostram eficazes, muitas vezes pelo desconhecimento da vítima e dos aplicadores do direito, muitas vezes pela impossibilidade seja econômica ou cultural de se dar andamento a um processo.

Por fim o estudo demonstrou que para uma efetiva proteção aos direitos patrimoniais da vítima a Lei 11340 de 2006 criou mecanismos para impedirem que o agressor provoque danos ao patrimônio individual e comum, infelizmente em decisões ainda não pacificadas o judiciário aplica decisões fundamentadas na aplicação de escusas absolutórias elencadas do Código Penal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHAUÍ, Marilena. Ensaio ética e violência. São Paulo: Revista Teoria e Debate, ano 11, n. 39, 1998.

DELGADO, Mário Luiz. A Violência Patrimonial Contra a Mulher nos Litígios de Família. In: Revista Jurídica Luso-brasileira (RJLB), Ano 2, nº 2, 2016.

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: A efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

FILHO, Nagib Filho e CARVALHO, Gláucia. Vocabulário Jurídico. 21ª edição. Rio de Janeiro. Editora Forense. 2003.

FEIX, Virgínia. Das formas de violência contra a mulher. Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Artigo 7º. In: CAMPOS Rio de Janeiro: Lúmen Yuris, 2011.

KOLLER Silva Heitor. Violência doméstica: Uma visão ecológica. In AMENCAR (Org.), Brasília: UNICEF, 2000.

LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 3. ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2015.

MORAES, Maria Celina B. de. O Conceito de Dignidade Humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. In: SARLET, Ingo. W. (org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

Pesquisa texto digital

BRASIL. OMS. Portal da Saúde. Tipologias e naturezas da violência. 2002. Disponível em:<http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional .

DIAS, Maria Berenice. A violência doméstica na Justiça. In: Maria Berenice Dias, 2010. Disponível em: http://www.mariaberenice.com.br

Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03-

Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/Lei/l11340.htm

Sobre a autora
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos