RESUMO
A abordagem acerca do tema Contrato de convivência na união estável se deu a partir do questionamento sobre de que modo poderia o contrato de convivência ser utilizado como meio para garantir a estabilidade e resguardar os direitos do casal que vive em união estável. Debatendo os aspectos das vantagens do mesmo e desmembrando sua aplicação em três principais pontos: a definição do regime de bens a ser adotado pelo casal em união estável; a declaração e registro da data de início da relação; e o resguardo da (o) companheira (o) em caso de morte. Para tanto, foram utilizadas diversas doutrinas reconhecidas por excelência, além das inúmeras disposições legislativas e posições dos Tribunais, uma vez que o método de pesquisa aplicado foi a revisão bibliográfica, ou seja,uma pesquisa qualitativa e descritiva. Todo o material utilizado foi escolhido afim de contemplar e explicar as mais diversas correntes desenvolvidas sobre o assunto.
Palavras-chave: União Estável. Concubinato. Direito de Família. Direito Civil.
SOUSA, Emilly Giulyanne Santos. The Coexistence Contract in the Stable Union. 2020. 35. Course Conclusion Paper (Graduation in Law) Faculdade Pitágoras, Uberlândia, 2020.
ABSTRACT
The approach on the theme Cohabitation contract in a stable union was based on the question of how the cohabitation contract could be used as a means to guarantee stability and safeguard the rights of the couple living in a stable union. Debating the aspects of its advantages and breaking down its application into three main points: the definition of the property regime to be adopted by the couple in a stable relationship; the declaration and registration of the date of commencement of the relationship; and the protection of the partner in case of death. For that, several doctrines recognized for excellence were used, in addition to the legislative provisions and positions of the Courts, since the applied research method was a bibliographic review, that is, a qualitative and descriptive research. All the material used was chosen in order to contemplate and explain the most diverse currents developed on the subject.
Keywords: Stable union. Concubinage. Family right. Civil right.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
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Artigo |
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Constituição Federal |
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EC |
Emenda Constitucional |
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RE |
Recurso Extraordinário |
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STF |
Supremo Tribunal Federal |
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TJ |
Tribunal de Justiça |
Sumário
- INTRODUÇÃO
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DO INSTITUTO DENOMINADO UNIÃO ESTÁVEL
- CONTEXTO HISTÓRICO
- UNIÃO ESTÁVEL E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
- DO CONCUBINATO À ENTIDADE FAMILIAR
-
O CONTRATO DE CONVIVÊNCIA NA UNIÃO ESTÁVEL
- DO CONTRATO DE CONVIVÊNCIA
- CONDIÇÕES DE VALIDADE DO CONTRATO
- DA RETROATIVIDADE DO CONTRATO
- CLÁUSULAS DE NATUREZA EXISTENCIAL
-
VANTAGENS DO CONTRATO NA UNIÃO ESTÁVEL
- REGISTRO DO INÍCIO DA UNIÃO ESTÁVEL
- DO REGIME DE BENS
- RESGUARDO EM CASO DE MORTE DO COMPANHEIRO
- CONSIDERAÇÕES FINAIS
INTRODUÇÃO
Por muito tempo, nas mais diversas regiões do mundo, a família era reconhecida como a instituição formada somente pelo elo matrimonial. No Brasil, devido às fortes influências que o Direito Canônico exercia dentro da sociedade, as relações não reconhecidas perante a igreja eram fortemente condenadas, e por isso a família formada por um casal que não fosse casado, por qualquer que fosse o motivo, não era reconhecida e nem amparada pela coletividade, ou pelo Direito.
Conforme o corpo social se desenvolvia, as relações interpessoais se adaptavam e, dessa maneira, surgia o concubinato. Relação, ainda hoje encontrada em todos os lugares do país, que consiste na união do casal sem que ocorram os trâmites necessários para o casamento. Entretanto, devido a falta desse procedimento burocrático encontrado na formalização do matrimônio, o casal acabava por não ter todos os seus direitos resguardados e/ou reconhecidos, e para solucionar essa questão é que se fez necessário o estudo detalhado e abrangente acerca do assunto.
Como, durante anos, a união estável não foi sequer reconhecida, muitos direitos dos casais que nela se encontravam foram represados. Até mesmo depois que a Constituição Federal (CF) de 1988 conferiu à tal convívio a condição de entidade familiar, a união estável continuou a apresentar lacunas e aspectos a serem, respectivamente, preenchidos e debatidos. Foi nessa circunstância que se fez necessária a criação de um tratado entre as partes envolvidas para que se pudesse garantir os direitos há muito tempo negados. A esse contrato deu-se o nome de Contrato de Convivência, objeto de estudo dessa monografia.
O Contrato de Convivência é o instrumento pelo qual o casal que vive em união estável pode esclarecer os termos de sua relação, e mais que isso, assegurar seus direitos perante a sociedade e os órgãos jurídicos. É por meio de tal documento que se torna possível garantir aspectos inerentes aos consortes, como por exemplo, na hipótese da morte de um deles aquele que sobrevive fica garantido quanto ao espólio do falecido. Ou ainda, quando ambos decidirem desfazer a relação depois de muitos anos, o contrato será o certificado de que tal relação se iniciou em determinado momento, salvaguardando os direitos que o casal já possuía antes da união, bem como aqueles adquiridos após a mesma.
Assim, notou-se que, por mais que não seja necessária nenhuma formalidade para que se concretize a união estável, a existência de um acordo expresso entre as partes é essencial para que futuramente os cônjuges possam ter as mesmas vantagens que apenas são garantidas pelo casamento, como a definição do regime de bens a ser adotado, declarar e registrar a data de início da relação de união estável, e resguardar a (o) companheira (o) em caso de morte.
Dado que a União Estável é uma relação nova dentro do ordenamento jurídico brasileiro, tendo sido reconhecida apenas em 1988 como entidade familiar, os doutrinadores e aplicadores das leis ainda divergem quanto aos direitos que a ela são pertencentes, e consequentemente, pouco ainda se fala acerca do Contrato de Convivência, que melhor específica as garantias devidas a quem opta por essa união.
Assim sendo, aplicou-se como meio de pesquisa a revisão bibliográfica, ou seja, pesquisa qualitativa e descritiva, que consiste na utilização de doutrinas, jurisprudências, artigos, etc., publicados nos últimos vinte anos e encontrados tanto em forma física (livros e apostilas), como em banco de dados de sites de pesquisa. Destarte, por se tratar de uma análise pautada na exposição e explicação de ideias, foram aplicadas as correntes desenvolvidas e apreciadas por autores como Rofl Madaleno e Cristiano Chaves de Farias.
DO INSTITUTO DENOMINADO UNIÃO ESTÁVEL
- CONTEXTO HISTÓRICO
Para que se torne possível o entendimento do que se trata o instituto da União Estável é preciso, antes de tudo, ter em mente como se deu o processo de reconhecimento do mesmo, perante a sociedade e dentro do ordenamento jurídico, desde a formação do que hoje se conhece por família.
O homem, por sua natureza biológica, sempre teve o instinto de defesa e de procriação. Para tanto, já na pré-história, os primeiros hominídeos agrupavam-se com a finalidade de, simultaneamente, caçarem e se protegerem e, para além disso, se reproduzirem, aumentando assim o seu grupo e também o seu domínio em determinadas regiões. É nesse contexto de agrupamento pessoal que surgem então as primeiras famílias.
A instituição familiar, formada principalmente por questões afetivas, tal como se conhece atualmente, surge e mantém-se de forma civilizada dentro dos moldes da civilização romana, em meados do século VIII. Dessa forma, como bem destacou Dias a família foi o primeiro agente socializador do ser humano. Somente com a passagem do homem do estado da natureza para o estado da cultura foi possível a estruturação da família" (DIAS, 2015, p. 136).
Não havia, entretanto, regras para a criação dessas famílias, e assim as relações intrapessoais eram mais abertas, livres. Na Grécia antiga, no ínicio do império, era comum que as pessoas tivessem diversas relações além daquela apontada como a oficial. Filosófos, matemáticos, guardas do exército e até mesmo imperadores tinham por hábito o concubinato que muitas vezes não se resumia apenas às relações heterossexuais, mas também às homoafetivas.
A forma de união conhecida como concubinato apenas passou a ser vista como algo ruim e digno de castigo muitos séculos depois quando o mundo encontrava-se dominado por uma igreja conservadora que pregava uma estrutura familiar única. Com o transcorrer do tempo as relações foram adequadas ao seu determinado espaço, o concubinato, porém, permaneceu marginalizado.
Em 1934, já com o instituto familiar devidamente estruturado, coube ao Estado a função de discipliná-lo, o que no Brasil apenas ocorreu, de forma concisa, na Constituição vigente, em seu artigo 144.
Art. 144 A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado. Parágrafo único - A lei civil determinará os casos de desquite e de anulação de casamento, havendo sempre recurso ex officio, com efeito suspensivo. (BRASIL, 1934)
Como enfatizou Rolf Madaleno (2018), até o advento da Constituição de 1988 a família apenas existia legal e socialmente caso fosse matrimonializada, ou seja, fruto de um casamento válido e eficaz, sendo qualquer outro modelo familiar denegado. Esta união socialmente rejeitada constituía o concubinato, e tudo o que dessa relação adviesse, incluindo os filhos, não teria direito à proteção do Estado. Todavia, a marginalização da mesma não impediu que as pessoas continuassem a formar suas famílias guiados apenas pelo instinto sexual.
Frisa-se que por muitos séculos, nas mais diversas culturas, o poder da igreja e das autoridades eclesiásticas se sobrepunha em relação à livre união dos indivíduos. Em seus estudos Espinosa já trazia que a legislação brasileira baseada no direito canônico, somente aceitava como legítimo o casamento celebrado com todas as formalidades religiosas. (ESPINOSA, 2006, online). Cita-se, o Concílio de Trento, em 1563, que proibia o casamento presumido e estabelecia a obrigatoriedade da celebração do matrimônio perante o pároco, em cerimônia pública e perante testemunhas. A legislação brasileira seguiu também por essa mesma corrente.
- UNIÃO ESTÁVEL E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Em 1916, no Código Civil (CC) vigente, havia expressa proibição de doações do cônjuge adúltero ao seu parceiro. Além disso, o mesmo dispositivo ainda conferia à mulher casada a legitimidade processual para reivindicar os bens comuns que houvessem sido doados ou transferidos pelo marido à concubina. De acordo com a legislação: Art. 1.177. A doação de cônjuge adultero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal (arts. 178, § 7º, n. VI, e 248, n. IV)" (BRASIL, 1916).
Era também vetado à esta ser beneficiária do contrato de seguro de vida, em defesa da família matrimonial, única expressão de legítima e exclusiva exteriorização de entidade familiar (MADALENO, 2018, p. 1426). A situação apenas começou a se transfigurar com a implementação da Lei n° 6.515, em 26 de
Dezembro de 1977, quando foi permitida e regulada a dissolução da sociedade conjugal e do casamento.
O homem, por sua natureza, vive em constante mutação, não se restringindo a viver sempre da mesma forma. Assim, com a legalização do fim do casamento e sua consequente dissolução, as relações preexistentes, mas não aceitas concubinato deixaram de ser marginalizadas e passaram a ser opção para constituição do seio familiar, que já não mais dependia do matrimônio para existir.
Leis anteriores a que permitiu a dissolução do matrimônio também foram de suma relevância para que, em 1988, a Constituição Federal se retratasse quanto ao status da União Estável. Foi em 1912 que surgiu um dos primeiros registros legais que garantia, timidamente e de forma exclusiva, às companheiras viúvas alguns direitos. O Decreto nº 2.681, de 07 de dezembro de 1912, regulava a responsabilidade civil nas estradas de ferro e foi por meio dele que a concubina passou a ter direito a indenização decorrente da morte do companheiro em acidente ferroviário. Assim disciplinou: Art. 22. No caso de morte, a estrada de ferro responderá por todas as despesas e indenizará, a arbítrio do juiz, todos aqueles aos quais a morte do viajante privar de alimento, auxílio ou educação (BRASIL, 1912).
Trinta anos mais tarde, em 24 de setembro de 1942, o Decreto-Lei n° 4.737 regulamentou a situação dos filhos concebidos fora do casamento os filhos naturais. Porém, o reconhecimento destes só poderia se dar após o desquite do ascendente que fosse casado, e apenas serviria para fins alimentares.
E, dessa forma, sucederam tantas outras normas. A Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, dispondo sobre a Lei Orgânica da Previdência Social; a Lei nº 4.297, de 23 de dezembro de 1963, sobre a aposentadoria e pensões de Institutos ou Caixas de Aposentadoria e Pensões para Ex-Combatentes e seus dependentes, incluindo a companheira; a Lei nº 4.862, de 29 de novembro de 1965, que alterou a legislação acerca do Imposto de Renda para admitir que o contribuinte pudesse considerar como sua dependente a pessoa com quem vivesse no mínimo por cinco anos.
Uma observação importante a ser feita sobre as normas anteriores à Constituição de 1988 é que, mesmo que o termo concubina estivesse oculto da redação, expressões como pessoa com quem vivesse e companheira remontavam ao mesmo significado, o que serviu para, gradualmente, inserir a união estável, livre de preconceitos, dentro da sociedade.
Ainda quanto aos dispositivos que auxiliaram no processo de inserção da União Estável na CF/88, no âmbito do Direito Trabalhista, o Decreto-Lei nº 7.036, de 10 de novembro de 1944, surgiu para reformar a Lei de Acidentes do Trabalho e o Decreto nº 18.809, de 05 de maio de 1945 (MADALENO, 2018, p. 1.472), aprovou o regulamento da Lei de Acidentes do Trabalho de forma a incluir a companheira da vítima de acidente do trabalho como beneficiária da indenização devida por sua morte. Subsequentemente, em 14 de setembro de 1967, a Lei nº 5.316 foi criada para complementar o seguro de acidentes do trabalho na Previdência Social.
Muitos outros dispositivos foram sendo criados e editados no decorrer dos anos, conforme a necessidade dos casais que viviam fora do regime do casamento. Isto posto, em concordância com o que disciplinou Madaleno, a cada dia a jurisprudência brasileira engrossava seu repertório em defesa do concubinato (MADALENO, 2018, p. 1.427).
Na esfera de atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) foram criadas as primeiras súmulas que dissertaram sobre o assunto, a saber Súmulas nº 35, 380 e 382, que em seu teor versaram, respectivamente, sobre a indenização da concubina em caso de acidente do trabalho, ou de transporte, pela morte do amásio e se não estavam impedidos de casar; da partilha do patrimônio adquirido pelo esforço em comum na sociedade de fato; e a dispensa da vida em comum sob o mesmo teto como pressuposto de caracterização do concubinato.
Sendo a súmula 382 de extrema relevância para fins futuros, dado que tal resolução serviu para conceituar uma das bases da união estável, que exige que os companheiros tenham o ânimo de formar família, mas para isso não necessariamente precisam viver sobre o mesmo teto, desde que respeitem as exigências de durabilidade, publicidade e continuidade.
- DO CONCUBINATO À ENTIDADE FAMILIAR
Já preceituava Machado que, antes da normatização da União estável, todo e qualquer casal que vivesse dentro de uma união livre, distinguiam-se entre concubinos e companheiros, sendo que a qualificação de companheiro era vinculada diretamente a sociedade de fato, enquanto que o concubinato restringia-se aos cuidados do lar. Essa diferenciação foi dada devido à carga moral anteriormente
atribuída ao termo concubina, uma vez que este era visto como uma ameaça ao casamento, ao passo que companheira estava livre de tal preconceito.
O preconceito contra o concubinato estava enraizado desde os tempos mais antigos já que, historicamente, tal relação teria origem na libertinagem, sendo diretamente ligado à figura da prostituta, da mulher devassa, da amante. E por assim ser, tratavam o concubinato como a relação paralela às relações oficiais, ou seja, aquelas relações não constituídas pelo vínculo do matrimônio e que consequentemente não poderiam ser divulgadas à sociedade.
No que tange às demandas jurídicas tal distinção, entre concubina e companheira, também era válida. Teria direito à partilha dos bens apenas aquela que houvesse contribuído para formação do patrimônio, enquanto que à outra apenas seria devido a retribuição pelos serviços prestados, como em um contrato civil de prestação de serviços, assim decidiu o colegiado da 1ª Turma, no RE 79.079 de 10.11.1977, do qual foi relator o Ministro Antonio Néder (MACHADO, 2012, fls 09).
O grande marco de elevação do concubinato à união estável, se deu através da Constituição Federal de 1988, quando o legislador, por meio de dispositivo especifíco (CAPÍTULO VII Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso; artigo 226, §3º) concedeu à união estável o reconhecimento legal, e mais que isso, atribuiu à ela a condição de entidade familiar. Mais além, foi este mesmo dispositivo que atribuiu ao concubinato a nova nomenclatura de união estável, afastando de vez a ideia de relação paralela ao matrimônio.
De acordo com o artigo:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (EC nº 66/2010) §3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (BRASIL, 1988)
Assim, com o status de entidade familiar, a união estável se igualou tanto às famílias monoparentais como ao casamento, o que conforme Madaleno (2018) resultou numa grande reviravolta jurídica e social. Padrões antes seguidos e protegidos pelo Estado e pela sociedade foram transmutados, e o concubinato, antes visto como relação à ser combatida em prol do bem familiar, posto que se tratava de uma união marginalizada, fora elevado ao mesmo patamar da relação matrimonial, possuindo identidade própria e com possibilidade de ser, a qualquer tempo, convertido em casamento.
Seguidamente, muitas foram as definições criadas para a entidade formada pelo vínculo da união estável. Em sua obra, Madaleno (2018) elenca algumas definições dadas por outros especialistas no tema, como Ana Elisabeth Lapa Wanderley Cavalcanti (1994), que a definiu como um relacionamento onde se pretende formar uma entidade familiar, mas sem as solenidades do casamento. Ainda, o doutrinador Irineu Antonio Pedrotti (1994) disciplinou que a união estável consistiria naquela união entre um homem e uma mulher, sem que houvesse qualquer ligação pelo elo do casamento. Tal união deveria se desenvolver durante um tempo duradouro, independente de estar ou não sobre o mesmo teto, desde que com aparência de casados more uxorio.
Além desses, Madaleno trouxe também a visão de Rodrigo da Cunha Pereira (199, p. 1.460), a qual dita que a união estável é a relação afetivo-amorosa entre um homem e uma mulher, não adulterina e não incestuosa, com estabilidade e durabilidade, vivendo sob o mesmo teto ou não, constituindo família sem o vínculo do casamento civil, definição essa, similar a que foi dada por Pedrotti. Por sua vez, Roberto Senise Lisboa (2006) foi quem trouxe a designação clara e sucinta, aplamente utilizada pelos juristas. Todas essas definições foram, e continuam a ser, adaptadas às uniões modernas, e portanto, referindo-se também às relações homoafetivas.
Na percepção de Lisboa a união estável é a "relação íntima e informal, prolongada no tempo e assemelhada ao vínculo decorrente do casamento civil, entre sujeitos de sexos diversos (conviventes ou companheiros), que não possuem qualquer impedimento matrimonial" (LISBOA, 2006, p. 235). Válido ressaltar que a expressão "assemelhada ao vínculo decorrente do casamento civil" remete a característica mais importante para a configuração da união estável, qual seja, o objetivo de constituição de família, devendo haver necessariamente as características de durabilidade, publicidade e continuidade.
Segundo discrimina Farias (2015) em sua obra, a durabilidade ou estabilidade, a depender da doutrina configura-se pelo caráter estável, conforme depreende-se da própria nomenclatura. Deve, portanto, haver entre os companheiros uma convivência com duração prolongada no tempo, excluindo-se assim o aspecto momentâneo da relação e impondo uma feição de não acidental. Todavia, cabe salientar que não existe um prazo minímo exigível para a configuração do lapso temporal, caberá ao intérprete avaliar as circuntâncias
concretas de cada caso, e assim decidir se tal união perdura por tempo suficiente para a estabilidade familiar.
Farias, traz ainda que essa estabilidade é relativa, e assim sendo, depende dos elementos pessoais dos companheiros, ou seja, a estabilidade exigida por lei não guarda qualquer pertinência com o equilíbrio emocional das partes envolvidas, que decorre muito mais da personalidade de cada um do que da efetiva intenção de manter uma relação familiar (FARIAS, 2015, p. 455).
O elo afetivo para que seja configurado como União Estável deve também ser público, o que implica dizer que os companheiros devem manter diante de todos um comportamento notório, como se casados fossem. Sendo o respeito recíproco, a convivência em qualquer situação e o reconhecimento como uma família essênciais para que se dê a publicidade.
A publicidade não poderá, contudo, resultar na violação das garantias constitucionais (CF/88 art.5º, X), jamais sendo permitido que a vida privada seja violada sob o pretexto de explicitar a publicidade da união afetiva. O último ponto a ser esclarecido a respeito do quesito da publicidade é que o mesmo desenvolve-se no campo probátorio, uma vez que a entidade familiar informal depende, muito mais, da intenção (animus) dos parceiros, do que da percepção do público em geral.
A continuidade, por sua vez, trata-se de um desdobramento da durabilidade, uma vez que, ambas são elementos de verificação da solidez do vínculo afetivo. Nas palavras de Farias, a continuidade que se exige para caracterizar a união estável é subjetiva, anímica. É a intenção das partes de imprimir continuidade ao relacionamento, não se tratando de uma mera relação transitória, independendo de tempo (FARIAS, 2015, p. 456).
No tocante a regulamentação do instituto, após a outorga por parte do Estado do título de entidade familiar, esta se deu primeiramente com a promulgação da Lei n° 8.971 de 29 de Dezembro de 1994, que diz respeito ao direito dos companheiros aos alimentos e à sucessão, sendo inovadora na questão de atribuir aos companheiros direitos que até então eram restritos aos casados. Nesse mesmo dispositivo, entretanto, além de apenas haver previsão em relação ao direito à divisão patrimonial diante da morte de um dos pares, não sendo prevista a dissolução de tal sociedade por vontade das partes, foi ainda estabelecido um critério temporal de cinco anos de convivência entre os companheiros.
Em 10 de Maio de 1996 houve a promulgação da Lei n° 9.278, objetivando a regulamentação da união estável nos termos do §3º do art. 226 da Constituição Federal, e dessa maneira, visava evitar abusos entre os conviventes, possibilitando a estipulação patrimonial por meio de um contrato escrito. Foi a partir desse marco que, como bem identificou Cahali, passou a ser admissível a estipulação de um contrato escrito de convivência pelas partes (CAHALI, 2002, p. 54).
Quando em 2002 houve a alteração do Código Civil, foi inserido o título referente à união estável dentro do Livro de Família, e ali foram incorporados os princípios básicos extraídos das referidas leis. Além dos cinco artigos específicos (1.723 a 1.727), o Código Civil disciplina normas referentes à união estável em outros dispositivos, reconhecendo o vínculo de afinidade entre os conviventes, e assegurando até mesmo a adoção.
Perceptível, portanto, que conforme se avança nos estudos acerca das uniões estáveis, dentro do ordenamento jurídico brasileiro, mais claro fica que tal instituto submete-se de forma concreta aos mais diversos diplomas legais regulamentadores. Por este motivo o professor Farias (2015) as caracteriza como uma relação jurídica continuativa.
Não obstante, a aplicação das diversas regras intertemporais é de mister relevância para disciplinar a união estável, uma vez que confere maior segurança e proteção aos companheiros, inclusive para fins de dissolução da relação e de inventário por morte de um deles, matéria esta regularizada por meio do Contrato de Convivência.
O CONTRATO DE CONVIVÊNCIA NA UNIÃO ESTÁVEL
- DO CONTRATO DE CONVIVÊNCIA
Cabe ao Direito regulamentar e disciplinar as relações humanas, entretanto, sabe-se impossível prever todas as possibilidades e situações, destarte, restam infinitas lacunas no ordenamento jurídico que apenas são preenchidas com o decorrer do tempo.
No caso da união estável, em que ainda há muito o que ser debatido e muitas lacunas a serem preenchidas, vê-se a necessidade da elaboração do contrato de convivência, uma vez que este regula não apenas os bens adquiridos anteriormente e na constância da relação, mas também disciplina a convivência do casal e os direitos advindos de tal relacionamento.
Segundo o Código Civil, nas palavras de Tartuce (2014), o contrato nasce da conjunção de duas ou mais vontades coincidentes, sem prejuízo de outros elementos, o que consubstancia aquilo que se denomina autonomia privada (TARTUCE, 2014, p. 117). No tocante ao princípio da autonomia privada, uma das bases do estudo dos contratos, Farias (2015) alega que, segundo esse preceito, é possível que os companheiros escolham, respeitados determinados limites, diferentes regimes econômicos para disciplinar suas relações convivenciais (FARIAS, 2015, p. 481).
Sem afastar-se do conceito da legislação, o professor Francisco José Cahali (2002) define em sua obra o contrato de convivência como o "instrumento pelo qual os sujeitos de uma união estável promovem regulamentações quanto aos reflexos da relação" (CAHALI, 2002, p. 55), ou seja, é a manifestação de vontade dos partícipes em regulamentar os efeitos decorrentes da relação.
Anteriormente ao feito da Constituição de 1988, a qual ressignificou o concubinato, atribuindo a ele nova nomenclatura e status de entidade familiar, todo e qualquer pacto realizado entre conviventes que não fossem casados era considerado nulo, ilícito e imoral. Não eram reconhecidas pelos tribunais quaisquer estipulações particulares , mesmo que escritas, e dessa forma, não se atribuia efeito jurídico a tais práticas.
Não se pode precisar em qual momento o contrato entre conviventes, para regulamentar sua relação, começou a ser aceito e validado dentro do ordenamento
jurídico brasileiro, visto que por muitos anos a família foi constituída apenas pelo vínculo matrimonial. Acerca disso, dissertou Madaleno (2018):
todos os contratos celebrados entre companheiros deveriam ser declarados nulos por ilicitude do objeto, por contrariarem a ordem pública e os bons costumes, não obstante não houvesse qualquer dispositivo no ordenamento jurídico brasileiro que proibisse aos companheiros contratarem entre si. (MADALENO, 2018, p. 1472).
O contrato de convivência, chamado também por alguns autores de contrato particular de convívio conjugal, tinha inicialmente o propósito de estipular regras patrimoniais que gerassem efeitos materiais dentro da relação. O que significa que ao casal foi primeiramente permitido, por meio de um contrato previamente estabelecido pelas partes, optar por um regime de bens divergente daquele ora imposto à eles, o regime de comunhão parcial. Assim disciplina o Código Civil de 2002: Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens, (BRASIL, 2002).
Mais tarde, contudo, viu-se a possibilidade e necessidade de maior abrangência do conteúdo do contrato de convivência, pois apartir dele poderiam os companheiros, além de definir um novo regime de bens, reconhecer, modificar ou extinguir direitos decorrentes da união estável. Em função disso, deu-se a principal diferença entre o pacto antenupcial do casamento e o contrato de convívio conjugal da união estável, posto que a finalidade fundamental daquele é a de formalizar a escolha feita pelos cônjuges quanto ao regime de bens a ser adotado.
- CONDIÇÕES DE VALIDADE DO CONTRATO
Como em todo contrato, neste deverá ser verificada necessariamente as três condições de validade, conforme determina o Código Civil, art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I- agente capaz; I- objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III- forma prescrita ou não defesa em lei, (BRASIL, 2002). Existindo para ele a possibilidade ou não de registro em Cartório de Registro Civil. Deve-se ressaltar, contudo, que o instrumento público, registrado em Cartório possui maior força probatória, além de manter sua conservação e preservação.
Figuram como agentes capazes aqueles que possuem competência para estipular direitos e deveres mútuos, podendo determinar os efeitos patrimoniais de uma vida conjunta, resultando na formação da entidade familiar disciplinada pelo artigo 1.723 do Código Civil, Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família, (BRASIL, 2002).
Por analogia, o requisito da capacidade do agente que se aplica ao casamento, deve ser observado também em se tratando da união estável. Sob a perspectiva do artigo 1. 517, do dispositivo citado anteriormente, temos que o homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil (BRASIL, 2002).
Ainda por analogia, devemos aplicar às relações estáveis o disposto no artigo
1.550 do Código Civil, que versa sobre as hipóteses de anulabilidade do casamento. De acordo com a legislação:
Art. 1.550. É anulável o casamento: (Vide Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
- de quem não completou a idade mínima para casar;
- do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal;
- por vício da vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558 ;
- do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento;
- realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges; VI- por incompetência da autoridade celebrante.
§ 1º Equipara-se à revogação a invalidade do mandato judicialmente decretada.
§ 2º A pessoa com deficiência mental ou intelectual em idade núbia poderá contrair matrimônio, expressando sua vontade diretamente ou por meio de seu responsável ou curador. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) (BRASIL, 2002).
No tocante ao objeto do contrato, por ser vedada a negociação que tenha por objeto algo ilícito é que se torna a ilicitude requisito inafastável para a validade da relação jurídica. Já a possibilidade do objeto está intimamente ligada aos acordos firmados no pacto, uma vez que aqueles verificados como impossíveis de serem cumpridos por uma ou ambas as partes devem ser evitados.
Ademais, deve o objeto do contrato ser determinado ou determinável, ou seja, não se admite que seja estipulada qualquer cláusula em que os contratantes não
tenham conhecimento de suas responsabilidades. Finalmente, tem-se como regra geral que para que os contratos sejam válidos eles devem ter sua forma prescrita ou não defesa em lei, o que implica dizer que deve estar prevista e/ou não proibida na letra da lei.
Cumpre ressaltar que, apesar de não haver regra determinante específica para a elaboração do contrato de convivência, é fundamental que este seja na forma escrita, não bastando que os conviventes estabeleçam de forma verbal suas vontades, ou seja, a manifestação de vontades deve ser expressa e não tácita ou presumida.
Não obstante ser o contrato de união estável o instrumento utilizado para estabelecer as regras de convivência, não deve ser ele entendido como o formador da união. A respeito disso, discorreu o autor Madaleno:
Entretanto, o contrato de convivência ou de união estável, se houver preferência, por essa ou por outra nomenclatura, não se constitui, sob hipótese alguma, pressuposto obrigatório para a constituição da união estável, porque pode ser firmado a qualquer tempo, mesmo depois da formação da entidade convivencial, e até depois de rompido o relacionamento, se assim quiserem seus partícipes contratar os efeitos da sua união desfeita. (MADALENO, 2018, p. 1.473)
Depreende-se, portanto, desse posicionamento, que a existência da relação estável é o pressuposto da elaboração do contrato, e não o contrário, posto que pode este ser criado a qualquer momento, inclusive após findada a relação.
- DA RETROATIVIDADE DO CONTRATO
Para alguns doutrinadores a possibilidade de poder contratar após já estabelecida a união estável implica na retroatividade das disposições do contrato. Nesse sentido o doutrinador Francisco Cahali defende em sua obra que as partes são livres para dispor sobre o seu patrimônio atual, passado ou futuro (CAHALI, 2002, p. 76), deixando claro, portanto, que mesmo que as partes pactuem após configurada a união, este pacto deve recair também sobre os efeitos patrimoniais já passados.
A retroatividade das disposições do contrato de convivência, devido à informalidade do mesmo (tendo em vista que não precisa nem mesmo de testemunhas para ser considerado válido), é passível de ser deliberada entre as
partes contratantes, ou seja, o casal. É durante essa ponderação que os conviventes podem modificar o seu regime legal e optar por abranger no contrato os bens havidos anteriormente à relação. Disposição similar relativa ao regime de bens entre os cônjuges pode ser encontrada no Código Civil em seu artigo 1.639, § 2º. Assim dispõe o código:
Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver. § 2º É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros. (BRASIL, 2002).
Diferentemente do pensamento de Cahali, o professor Rolf Madaleno defende que não há que se reconhecer a retroatividade dos efeitos do contrato de convivência (MADALENO, 2018, p. 1.475). Apesar do claro conflito doutrinário, já existe uma tendência entre os juízes a reconhecerem o efeito ex tunc do contrato, como é possível verificar na jurisprudência:
RECURSO DE AGRAVO INTERNO OPOSTO NO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO INCIDENTAL CONTRATO DE CONVIVÊNCIA
NULIDADE NÃO OCORRÊNCIA VALIDADE MANTIDA SENTENÃ MANTIDA RECURSO DESPROVIDO. Nos termos do Art. 373, I do CPC,
incumbe a parte Autora a comprovação de sua alegação, no caso quanto a vício de consentimento que supostamente atingiria a realização do contrato de convivência. Os requisitos de validade para a realização do contrato de convivência estão estampados na regra do Art. 1.725 do CC, inexistindo qualquer obrigação quanto a sua formalização por escritura pública. A cláusula que prevê a retroatividade dos efeitos patrimoniais do pacto só deve ser declarada nula quando houver elemento incontestável que demonstre vício de consentimento, quando viole disposição expressa e absoluta de lei ou quando esteja em desconformidade com os princípios e preceitos básicos do direito (grifo nosso) (TJ-MT, 2019).
Apartir da referida ementa, temos que a posição do judiciário tem sido a favor dos efeitos retroativos do contrato, sendo a cláusula de retroatividade afastada apenas em casos especiais onde se encontrem presentes elementos que a tornem passível de nulidade, como por exemplo aqueles citados em julgamento (elemento incontestável que demonstre vício de consentimento, violação de disposição expressa e absoluta de lei ou quando estiver em desconformidade com os princípios e preceitos básicos do direito).
- CLÁUSULAS DE NATUREZA EXISTENCIAL
Por fim, cabe recordar que aos conviventes é permitido dispor em contrato, além de cláusas patrimoniais, cláusulas de matéria pessoal, onde podem estabelecer regras quanto à vida em conjunto. As cláusulas de natureza existencial poderão, portanto, conter regras quanto à fidelidade, à coabitação, deveres recíprocos, e até mesmo quando aos afazeres domésticos.
Contudo, tais regras devem sempre levar em consideração o conceito de vida digna e de solidariedade familiar, sendo vedado aos nubentes regulamentar disposições que afetem de qualquer maneira os interesses dos filhos menores. Não se pode, por exemplo, pactuar sobre a dispensa prévia do direito de receber alimentos, ou sobre a rénuncia à herança. Acerca do assunto disciplinou o doutrinador Cristiano Chaves de Farias:
Evidentemente, toda e qualquer cláusula de natureza existencial (não patrimonial) inserida em contrato de convivência não pode afrontar as normas de ordem pública e os direitos e garantias estabelecidos em lei. Não podem, enfim, violar a dignidade de um dos conviventes ou a solidariedade familiar, decorrente da união estável. (FARIAS, 2015, p. 484)
Dessa forma, não se pode afastar um dos companheiros de suas obrigações para que o outro assuma integralmente suas responsabilidades. Assim, tem-se que os encargos familiares devem ser mútos e acordados em conjunto, sempre sendo respeitado o princípio da autonomia privada e o interesse familiar.
VANTAGENS DO CONTRATO NA UNIÃO ESTÁVEL
Estando clara como se dá a formação do contrato de união estável, resta elucidar os pontos mais importantes que nele devem constar, e que dão ao casal maior seguridade quanto aos direitos de cada um na relação, ou seja, as garantias. Existem, entretanto, três aplicações que se destacam dentro do contrato de convivência, a saber, a definição do regime de bens, declaração e registro da data de início da relação, e resguardo da (o) companheira (o) em caso de morte.
- REGISTRO DO INÍCIO DA UNIÃO ESTÁVEL
O registro do início do convívio em união estável se faz necessário principalmente devido a dissolução da mesma, uma vez que é neste momento em que a data de início da relação pode gerar litígios. A comprovação da existência da união por meio de instrumento público poderá servir também para fins de concessão de benefícios e inclusão dos companheiros como dependentes em planos de sáude e perante órgãos públicos.
Em sua doutrina, por exemplo, Rolf Madaleno já destacava a utilidade do contrato de convivência como instrumento de prova da união estável (MADALENO, 2018, p. 1.472). Desse trecho depreende-se, portanto, que o registro do início do convívio em união estável pode ser útil para esclarecer que as partes convivem em união como se casados fossem.
Diferentemente do que ocorre nos casamentos, na formação da união estável não existe um marco exato, como a data da celebração da cerimônia. Será por meio do acordo expresso entre os conviventes que estes irão sinalizar o momento da passagem do estado de namoro para a relação estável, e apartir desta data é que começará a valer o efeitos patrimoniais e todos os outros que decorrem da relação. Além disso, somente após a caracterização da união estável é que valerá a presunção legal do regime da comunhão parcial de bens no que couber.
Em síntese, a comprovação do status de companheiros garantirá a estes os mesmos direitos que teriam se casados fossem (por exemplo, inclusão em planos de saúde e planos odontológicos), posto que são todas famílias, divergindo apenas na forma pela qual se constituíram.
- DO REGIME DE BENS
Após a conversão da união estável em entidade familiar esta adquiririu os mesmos direitos que antes eram inerentes apenas ao casamento, e assim não há que se falar em hierarquia entre elas. De tal maneira, no que concerne ao regime de bens, ficam os consortes livres para escolher aquele que melhor lhes convir, desde que o façam de forma escrita como disciplina o CC/2002 (Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens. BRASIL, 2002) e respeitando os regimes já disponibilizados no Código Civil (Comunhão Universal de Bens, Comunhão Parcial de Bens, Separação de Bens, Participação Final nos Aquestos e Regimes Mistos).
Ressalta-se que caso os conviventes não expressem sua vontade por um novo regime, à eles será aplicado o regime da comunhão parcial de bens. Ainda quanto a escolha do regime feita pelos conviventes, o doutrinador Madaleno discorre sobre a possibilidade de mesclar mais de um regime para melhor satisfazer as necessidades do casal. Em suas palavras:
Deve conter cláusulas acerca do regime de bens a ser adotado pelos contratantes, dentre os regimes regulados para o matrimônio, embora nada impeça possam ser mescladas características de cada um dos diferentes regimes, como, por exemplo, a adoção de um regime de total separação de bens, com exceção da moradia dos conviventes, cujo imóvel se comunicaria entre eles. (MADALENO, 2018, p. 1.474).
Necessário, todavia, fazer uma ressalva quanto aos companheiros sócios. Não existe disposição legal que afaste a hipótese de que sejam sócios (em qualquer modelo societário previsto nas leis empresariais) os conviventes em união estável, porém, devem os mesmos respeitar o disposto no art. 977 do Código Civil: Art. 977. Faculta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória. (BRASIL, 2002).
Contudo, como bem ponderou Farias, tal disposição não se aplicará as empresas constituídas antes da vigência do Código de 2002, uma vez que deve ser respeitado o ato jurídico perfeito, ou seja, aquele já consumado pela regra vigente à época. Este ato, de acordo com o doutrinador, possui proteção constitucional encontrada no art. 5º, XXXVI (que assim dispõe: a lei não prejudicará o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. BRASIL, 1988), o que em suas palavras gera para o casal o direito à preservação da sociedade nos moldes da formação originária (FARIAS, 2015, p.486).
O autor chama a atenção também para o fato de que a restrição apenas atinge o casal, ou seja, aqueles que estão em união estável entre si, e que sejam sócias na mesma pessoa jurídica. Logo, é permitida a associação com terceiros, em uma ou mais empresas. Nas palavras do doutrinador:
um ou ambos os companheiros (cuja união estável esteja sob a comunhão universal) pode ter sociedade com terceiros, não se admitindo, apenas, a formação de uma pessoa jurídica entre si, enquanto não for modificado o regime de bens, através de contrato de convivência. (FARIAS, 2015, p. 486).
Alguns doutrinadores defendem ainda que, como não há hierarquia entre as entidades familiares e, portanto, não há uma que seja superior à outra, tudo aquilo que é permitido para o casamento, também o será para a união estável. Com isso, infere-se que é permitido no decorrer da união estável a modificação do regime de bens, uma vez que há o entendimento de que relações patrimoniais definidas por contrato escrito poderão ser modificadas, desde que observados os requisitos previstos em lei.
- RESGUARDO EM CASO DE MORTE DO COMPANHEIRO
O contrato de convivência é também o instrumento pelo qual os companheiros conseguem segurança e comprovação para fins de partilha em casos de dissolução da união estável em vida ou em caso de falecimento. Dessa forma, quando feito mediante escritura pública em Cartório, o contrato pode ser usado como prova da união estável para fazer o requerimento de pensão por morte (INSS) e ainda auxiliar no processo de inventário da herança, caso contrário, sem a existência do contrato, deverá ser ajuizada ação de reconhecimento de união estável post mortem.
Como bem se sabe, a questão sucessória foi abordada no código civil, e foi este mesmo dispositivo que regrou a participação do companheiro. Em seu artigo 1.790 o código dispôs de forma polêmica que:
Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)
- se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
- se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
- se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
- não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. (BRASIL, 2002).
Logo, verifica-se que, diferentemente do que a lei confere ao cônjuge casado, no caso de um dos companheiros vir a falecer, aquele sobrevivente estará em desvantagem até mesmo em relação ao colaterais, com os quais irá concorrer na ausência dos descendentes e ascendentes.
Por esse motivo é que algus doutrinadores recorrem a propagação da inconstitucionalidade do artigo, e à aderência do contrato pelos conviventes como forma de garantia, tendo em vista que, uma vez reconhecida como entidade familiar, não se pode fazer distinção entre o instituto do casamento e o da união estável. Sobre isso Belmiro Pedro Welter discorre que:
o Poder Judiciário não tem o direito de agasalhar a desigualdade sucessória entre os cônjuges e companheiros, devendo julgar inconstitucional o art. 1.790 do Código Civil de 2002, já que tem a função de aplicar o princípio da justiça, acimentado no art. 3º, I, da Constituição Cidadã de 1988. (WELTER, 1999, p.220, apud FARIAS, 2015, p. 490).
Em vista do tamanho retrocesso aplicado pelo Código Civil, que rompe com o desenvolvimento estabelecido até o momento, é que se reafirma a necessidade da contratação de um acordo expresso entre os conviventes afim de solidificar o ânimo de formação familiar, e dessa forma garantir um direito que seria a eles intrínseco. Já que o direito hereditário do companheiro se restringiu, por lei, aos bens adquiridos somente a título oneroso na constância da união estável.
Além da salvaguarda à participação da partilha de bens do falecido, o contrato firmado por meio da escritura pública ainda servirá como prova, com presunção de veracidade, para o requerimento da pensão por morte prevista pelo artigo 16 da Lei n° 8.213, referente à Previdência Social, que assim determina:
Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado: I- o cônjuge, a companheira, o
companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; (BRASIL, 1991).
Essa presunção de veracidade depreende-se do princípio de que o dever de assistência e de sustento, educação e guarda dos filhos deve ser mútuo, bem como afirma o art. 1.566 do CC, que apesar de dispor sobre o casamento, por analogia aplica-se também a união estável. In verbis: Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges: I- fidelidade recíproca; II- vida em comum, no domicílio conjugal; III- mútua assistência; IV- sustento, guarda e educação dos filhos; V- respeito e consideração mútuos. (BRASIL, 2002).
Da mesma forma, poderá o contrato de convivência ser utilizado como prova para resguardar o direito de habitação, assegurado pelo art. 1.831 do CC/2002 ao cônjuge casado. A redação do artigo assim dispõe:
Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar. (BRASIL, 2002).
Acerca do direito da real habitação, deve ser observado o disposto no artigo 226, §3º da carta maior do Estado, em conjunto com o artigo 7º, parágrafo único da Lei nº 9.278/96. Na letra da lei:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (BRASIL, 1988).
Art. 7° Dissolvida a união estável por rescisão, a assistência material prevista nesta Lei será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar, a título de alimentos. Parágrafo único. Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família. (BRASIL, 1996).
O texto legal dos dois dispositivos citados conferem ao companheiro o mesmo direito assegurado pelo código civil ao cônjuge, reconhecendo a igualdade entre as duas formações de família, reiterando que não há hierarquia entre ambas. Porém, apesar do que se encontra previsto na Contituição, ainda é recorrente que os
direitos dos que vivem em união estável sejam reprimidos nas mais diveras esferas. Por tal motivo é que vem se tornando uma prática habitual entre advogados recomendar a elaboração do contrato de convivência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo da presente monografia foi elucidar as principais questões a cerca do contrato de convivência dentro da relação de união estável, uma vez que uma das tendências dos tempos modernos é deixar de lado as burocracias para a realização do casamento e se adequar aos novos modelos de relacionamento. Para isso, foram resgatados conceitos desde a formação familiar até o momento de estipulação do contrato.
Nos tempos contemporâneos, muitos casais optam, devido à facilidade do processo, pela vida conjunta dentro da instituição da união estável. Entretanto, poucos desses casais tem conhecimento dos seus direitos dentro de tal relação, e as vezes sequer sabem que a união estável é uma instituição reconhecida legalmente e que possui as mesmas vantagens da relação matrimonial. Pensando nisso é que foi desenvolvida a pesquisa que deu suporte à esse trabalho.
O instituto familiar da união estável apenas foi reconhecido em 1988, pela carta maior do Estado, contudo o tema somente passou a ser apreciado de forma aprofundada recentemete. Dessa forma, os doutrinadores e até mesmo os juízes divergem quanto aos apectos da relação estável. Partindo então desse preceito, fez- se necessária a criação de um instrumento regulador para garantir os efeitos da relação em todos os âmbitos da vida dos companheiros.
A exposição aqui feita, por conseguinte, alcança o seu objetivo principal ao desenvolver de forma clara o conceito de união estável, bem como o conceito do contrato de convivência. Da mesma forma que se discorreu sobre os principais aspectos do mesmo, esmiuçando suas características no que concerne à estipulação da data de início da relação, ao regime de bens que pode ser adotado pelo casal e, por fim, como se dá o resguardo do companheiro sobrevivente em caso de morte.
REFERÊNCIAS
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