Crises e perspectivas do desenvolvimento latino-americano: a necessidade de harmonização legislativa e de criação de um tribunal para a UNASUL

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Crises e perspectivas do desenvolvimento latino-americano: a necessidade de harmonização legislativa e de criação de um tribunal para a UNASUL

J. S. Fagundes Cunha[1]

Gustavo Rabay Guerra[2]

Introdução

A expansão do processo de implantação da União das Nações da América do Sul (UNASUL) sobretudo com vistas à harmonização de legislação transnacional e à proposta instalação de uma Corte para a Região tem inspirado profícua peregrinação[3].

Anteriormente designada por Comunidade Sul-americana de Nações (CSN), a UNASUL se agita na articulação intergovernamental que conjuga duas uniões aduaneiras existentes na região, a saber, o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) e a Comunidade Andina de Nações (CAN), radicando em expressivo esforço para o contínuo processo de integração latino-americana. A situação vivida pela América Latina parece propício a esse novo modelo[4].

A UNASUL teve seu Tratado Constitutivo assinado em 23 de maio de 2008, na capital brasileira, inspirada nas Declarações de Cusco (2004), Brasília (2005), Cochabamba (2006), mas, acima de tudo, no modelo perfilhado pela própria União Europeia. A adesão ao Tratado foi aprovada pelo Poder Legislativo brasileiro em 07 de julho de 2011, com ato de promulgação em 14 de julho de 2011. Integram o Tratado Constitutivo da União: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela. O Tratado torna os países signatários subordinados juridicamente às suas regras e membros pleno do bloco. A União tem sede em Quito (Equador), onde funciona a Secretaria Geral. Seu Parlamento se localiza em Cochabamba (Bolívia) e a sede do seu banco, o Banco do Sul, em Caracas, (Venezuela). Além desses órgãos, foi criado o Conselho de Defesa Sul-americano, com competência para a realização de políticas de defesa conjuntas, mas não há previsão do Tribunal Permanente, do que, mais se dirá adiante.[5]

Nesse contexto, apesar da profusão de debates relacionados ao combate à criminalidade internacional, ao tráfico de pessoas e de órgãos humanos, à corrupção, verifica-se, ainda, muito incipiente o processo de tomada de decisões que implique na discussão de harmonização de legislação e na cooperação judicial, no âmbito da UNASUL. Em verdade, algumas questões precisam ser enfrentadas amiúde, como a cidadania cosmopolita, o novo enfoque da soberania e, sobremaneira, áreas sensíveis que afetam toda a humanidade, como a preservação dos biomas e recursos naturais e a ressignificação do desenvolvimento sustentável.

Com efeito, ao lado da necessidade de harmonização da legislação e de intensificação dos instrumentos de cooperação entre os órgãos do poder judiciário de cada país, é imperioso se refletir sobre a possibilidade de instalação de mecanismo jurisdicional para a solução de controvérsias, no âmbito da União.

1. Mundialização e Direitos Transnacionais

Ao longo do século que se findou, a humanidade experimentou uma intensa transição de paradigmas, permeada por imponentes rupturas ideológicas, pela insatisfação do ser humano com sua própria condição, pelos grandes desafios de uma época em que as transformações operam-se na velocidade da fibra ótica, em que informações cruciais são transmitidas no tempo real da Informática. As respostas de antes se entremostram insuficientes para preencher o grande vazio despertado pela atual reformatação do saber, tomado de assalto pelas perplexidades contemporâneas, que assinalam a ocorrência de fenômenos incomensuravelmente impactantes, tais como a globalização e a integração de blocos econômicos.

Para além da mera concepção de uma interface econômica mantida por diversos atores internacionais e da possibilidade real de cingir-se distância e tempo, o processo em destaque comporta inúmeras variáveis compreensivas[6]. Conceitualmente, é extremamente delicado falar nesses termos. Não é todo e qualquer problema compartilhado por uma fração da chamada comunidade planetária que preenche o conceito de globalização. O fenômeno é, em si mesmo, muito mais complexo, pois pressupõe nuances culturais, econômicas e ideológicas[7].

Alguns utilizam a expressão globalização para designar esses processos recentes, mas optamos pelo termo mundialização, que melhor representa um processo que alcança toda a história da humanidade.[8] É que desde tempos imemoriais o homem procura a expansão do comércio e busca riquezas, especiarias, pedras preciosas, ouro e minerais, singrando mares e descobrindo continentes. A América Latina é resultado de tal processo histórico.

A mundialização, no sentido que lhe atribui Giddens, se refere ao processo de alargamento no concernente aos métodos de conexão entre diferentes contextos sociais ou regiões que se convertem em uma rede ao longo de toda a superfície da terra. Nesse particular, pode definir-se como a intensificação das relações sociais em todo o mundo pelas quais se enlaçam lugares distantes, de tal maneira que os acontecimentos locais estão determinados por acontecimentos que ocorrem a muitos quilômetros de distância e vice-versa.[9]

O Estado moderno, ainda que capitalista, continua a possuir as suas bases no conceito de nação, o que confronta com o processo de mundialização, em que há a remoção de fronteiras através da intensificação das relações pessoais e empresariais, necessitando com urgência a expansão da consciência dos atores (individuais ou coletivos), quanto à diferenciação e ampliação dos sistemas ou organizações, com a consentânea harmonização do regramento de condutas. A crescente internacionalização dos mercados financeiros, de capitais e de trabalho precipitam dessincronias entre governos nacionais, na limitada margem de manobra que possuem em contraposição aos imperativos surgidos das relações estabelecidas de forma mundial.

À margem de tais questões, existe uma gama de direitos e interesses jurídicos que aspiram existência e condição que colidem com os mecanismos hoje existentes, desde então surge a necessidade de adaptação dos sistemas jurídicos nacionais às complexidades das relações internacionais até como meio de sobrevivência do Estado no contexto mundial. Apenas a fundamentação da abordagem é que vem se alterando com o tempo: o que antes possuía natureza predominantemente política, passou, em um segundo momento, a dedicar especial atenção ao aspecto econômico ou de mercado, sem preocupação com cidadania e meio ambiente.

Conquanto tais ameaças se afiguram cada vez mais concretas, assiste razão a Habermas, quando aponta com lucidez, em seu célebre ensaio sobre a constituição da Europa, o papel que o conceito de dignidade humana desempenha na justificação e na prática dos direitos humanos, por um lado, e o processo de unificação (europeia), por outro, demonstrando a incapacidade, por parte da política, de controlar a economia e, portanto, de reagir às crises econômicas e financeiras desencadeadas justamente por essa falta de controle, a consequente perda de sentido e de legitimação da política diante dos cidadãos[10] do que são prova, em nosso entender, a crise de Portugal, da Grécia, de Espanha, dentre outras nações.

De mais a mais, apenas um movimento de mundialização reflexivo permitirá uma reação à crise, consubstanciada no resgate da participação democrática dos indivíduos, quer nos processos decisórios supranacionais, quer na gestão das políticas econômicas e financeiras. Habermas, portanto, propõe um ensaio central com uma proposta de reforma institucional em nível mundial, preocupada em criar uma sociedade global mais justa, não somente no sentido de garantir as liberdades básicas, mas também de garantir mais igualdade e uma vida digna a todos os seres humanos, o que, ele salienta e decorre toda a força moral para uma maior justiça global. Em suas palavras:

A União deve assegurar aquilo que a Lei Fundamental da República Federal Alemã designa (artigo 106, alínea 2) por "homogeneidade das condições de vida". Essa "homogeneidade" assenta apenas numa estimativa das situações de vida social que seja aceitável do ponto de vista da justiça da repartição e não no nivelamento das diferenças culturais. Acontece que é necessária uma integração política baseada no bem-estar social para que a pluralidade nacional e a riqueza cultural do biótopo da "velha Europa" possam ser protegidas do nivelamento, no seio de uma globalização cuja progressão é tensa.[11]

Entretanto, a proposição que se assemelha a um discurso romântico, engloba nuances de confronto entre os interesses das nações individualmente, dos blocos de nações e da humanidade, o que implica numa hierarquização de interesses, com legislações conforme o interesse preponderante, o que, em nossa modesta leitura, não pode em qualquer momento deixar de ser observado, do que muito mais se dirá adiante.

2. Direitos cosmopolitas e sistema regional de proteção: vínculos dágua

O pensamento habermasiano radica no cosmpolitismo que visa à criação de instituições políticas supranacionais de caráter democrático, nos moldes da cosmopolitan democracy (democracia cosmopolita) defendida, entre outros, por Daniele Archibugi e David Held. Ele entende a União Europeia como um passo decisivo no caminho para uma sociedade mundial constituída politicamente. Revela-se no caminho de volta para o debate da carta constitucional europeia, que ele considera um elemento irrenunciável para uma Europa verdadeiramente democrática.

Desde logo se instala uma preocupação na relação mercado x cidadão que envolve um modelo equivocado adotado, por exemplo, para a normativa do Mercosul, em que prepondera o interesse de mercado, em detrimento dos já sistematicamente conspurcados direitos dos cidadãos. Um modelo que serve ao interesse das industrias multinacionais dos países ricos em prejuízo flagrante aos cidadãos dos países em desenvolvimento. Nessa perspectiva, é expressivo o caso do Brasil, que embora tenha empresas de capital nacional que fabricam aviões, não tem uma única empresa de capital nacional que fabrique automóveis, caminhões ou veículos. Não foram instalados mecanismos legislativos para a dinamização de uma economia de mercado que promova a instalação e desenvolvimento de empresas por seus nacionais.

Com efeito, o problema é ainda mais grave quando se refere à preservação e à exploração das riquezas naturais regionais, em especial a água e a biodiversidade, pois os biomas naturais encampam extensões territoriais que ultrapassam fronteiras. São exemplos a maior bacia de água potável, a Bacia Amazônica, com suas nascentes no Peru, Colômbia, Equador e outros países, mas cuja maior extensão do leito caudal radica em todo o norte do território brasileiro. Nesse sentido, a legislação ambiental para a preservação da bacia é insuficiente quando articulada em apenas em um ou dois países. Se afigura, na espécie, a imprescindível harmonização de legislação em todos os países em que as águas da Bacia Amazônica transitam.

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Não se trata apenas da água, mas também do saneamento, não apenas da Bacia Amazônica, mas do Aquífero Guarany, por exemplo, em que há exploração regulamentada no Brasil e não se tem notícia da existência de regulamentação em outros Países, envolvendo a exploração como recurso natural e a preservação diante das questões de saneamento básico.

Ou ainda, da Bacia do Rio da Prata. No Brasil ocorre poluição gravíssima, objeto de investigação da Polícia Federal em relação a empresa de saneamento básico do Estado do Paraná Sanepar. Entretanto, como poderá a Argentina, o Paraguai e o Uruguai demandar urgentes providências em relação ao Brasil ou órgãos do Brasil para que adote políticas públicas ou privadas no combate à poluição da Bacia do Rio da Prata? Qual a legislação aplicável?

O IV Foro Mundial sobre a Água, organizado pelo Conselho Mundial sobre a Água, juntamente com o Governo do México, reconheceu que a importância da água para a humanidade significa também que ela constitui um fator estratégico para o estabelecimento e a manutenção da paz do mundo. A água é uma dimensão daquilo que, hoje em dia, se chama segurança de recurso. Muitos conflitos já ocorreram pelo controle dos recursos hídricos e outros poderão ser determinantes, na medida em que a escassez de água manifestar suas consequências na vida dos seres humanos e das respectivas comunidades. Não é demais citar, como exemplo, o Chifre da África e Médio Oriente: a aridez extrema na península Somali (nordeste da Africano) está a intensificar as tensões e os conflitos étnicos daquela região africana pelo controle dos escassos recursos hídricos ainda disponíveis; no Médio Oriente, por seu turno, os principais problemas relacionados com a água referem-se às contendas entre os países, geradas por um meio ambiente de recursos hídricos insuficientes, contudo frequentemente dissimuladas pelas incessantes tensões políticas.

O IV Foro Mundial sobre a Água, realizado no México, reconhece o acesso à água e ao saneamento como direitos humanos, tornou-se uma das principais prioridades do sistema internacional e os benefícios, inclusive econômicos decorrentes, deve ser em favor dos nacionais dos países que a tem e a preservam, o que demanda uma harmonização de legislação entre tais países da América do Sul.

A questão da água é fundamental para a sobrevivência da humanidade. Não é diferente a questão da preservação das matas e dos biomas naturais. Nesse sentido, delineiam-se os objetivos específicos da UNASUL, dentre os quais o teor a seguir reproduzido, in litteris, constante do art. 3, g, do Tratado Constitutivo: a proteção da biodiversidade, dos recursos hídricos e dos ecossistemas, assim como a cooperação na prevenção das catástrofes e na luta contra as causas e os efeitos da mudança climática.

3. Harmonização de legislação e sistemas de comunicação

Apesar de não ser nem de longe temática recente, notam-se cada vez mais avanços, nos dias atuais, no que tange à integração da América Latina, percebida como caminho redentor para o desenvolvimento econômico, social e político. Esse desejo, plasmado na criação de um novo acordo regional e na efetiva constituição de uma União, ambos sobrepujando os aspectos estritamente aduaneiros, demanda agora discussões mais profundas em torno do que se denomina harmonização legislativa, especialmente em relação ao meio ambiente, ao combate da criminalidade transnacional, e, ainda, à proteção do trabalho e das relações de consumo.

O Tratado de Roma, que, em seu art. 3º, letra "h", dispõe acerca da necessidade de aproximação das legislações nacionais na medida em que isto se fizer necessário para o bom funcionamento do mercado comum, prescreve, em seu art. 100, a possibilidade de adoção de diretivas pelo Conselho da Comunidade Europeia, enquanto que, em seu art. 101, prevê a adoção de outras medidas complementares, pelo próprio Conselho, no que atine à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros.

Portanto, conclui-se que as diretivas que vinculam o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios[12], não se apresentam como única modalidade de que se pode fazer uso com o objetivo de aproximar as legislações nacionais. Importante lembrar a advertência de Nicola Catalano, antigo juiz da Corte de Justiça de Luxemburgo, de que na interpretação dos textos, é preciso levar em conta o fato de que este termos muitas vezes foram empregados como sinônimos. Na mesma direção, apontava: (...) mais correto, em vez de partir de uma definição abstrata, baseada em considerações de pura lógica jurídica, examinar - com base em critérios habituais de interpretação - que é o sentido que os autores da disposição em causa quiseram atribuir aos termos que empregaram.[13]

Não se trata aqui, da necessidade de digressões relacionadas a polissemia, tão comum na linguagem vulgar, mas também na técnica. Ou ainda, dos aspectos fenomenológicos e pragmáticos que provocam semelhanças e dessemelhanças em conceitos como os de harmonização, aproximação, uniformização ou integração, bastando afirmar que se o Direito Internacional se apoia nos fundamentos da cooperação e da efetividade da justiça transnacional, é factível adotar premissas de constituição de um sistema de normas harmônico e integrado, possibilitando tarefas interjurisdicionais (cooperação jurídica internacional).

Rabenhorst assevera que após a promulgação da Declaração da ONU de 1948, o discurso instituidor dos direitos humanos significa o mesmo que universalizar o Direito, na perspectiva defendida por Kant em À Paz Perpétua, ou seja, com vistas à proteção e promoção de valores universais inquestionáveis. No entanto, diz ele, há um dado colateral ameaçador: este processo de universalização, do ponto de vista histórico, sempre oscilou entre as diversas formas de utopia comunitária e a mera justificação da ideologia liberal de auto-regulamentação mercantil.[14]

Para Delmas-Marty, a intensificação dos intercâmbios entre os juízes, fenômeno descrito como possibilidade de transnacionalização das decisões do poder judiciário[15], constitui exemplo de uma dialética mais geral entre universal abstrato e situações particulares e concretas, através das quais esse universal está destinado, gradualmente, a tomar forma ou corpo visível. E mais, diz que esta dialética terá por vocação produzir, a prazo, um pluralismo ordenado, a fim de evitar a dupla ameaça de uma ordem hegemônica ou de uma desordem impotente. Contudo, cabe a reflexão que a sistematização do que é universal e do que é particular passa pelo modelo de Estado adotado, que incumbe ao poder legislativo a produção dos textos legais a respeito das questões atinentes.[16]

Desse modo, não como se negar que subsiste imperiosa necessidade de harmonização de legislação com especificidades funcionais para a UNASUL. O combate à criminalidade internacional, a recuperação de divisas que migraram pela corrupção de políticos, governantes e criminosos, o tráfico de pessoas, de substâncias estupefacientes, de órgãos humanos e a exploração de lenocínio são realidades transnacionais que demandam novos mecanismos para o combate, além de uma integração de legislação e sistemas. Mas uma pergunta se destaca: no que inspirar a harmonização?

Não basta apenas colocar em condição de existência uma legislação renovada mas o desenvolvimento e disponibilização de sistemas de informação integrados nos países. O processo eletrônico em que os diversos agentes do mais distantes países possam instantaneamente compartilhar informação e execução das demandas existentes são recursos operacionais necessários para enfrentar a criminalidade planetária da internet, onde pessoas diuturnamente estão a desenvolver recursos tecnológicos com os quais o sistema processual não consegue albergar institutos e meios suficientes, como é exemplo sabido a dificuldade para cumprimento de uma carta rogatória.

3. Poder Judiciário na União das Nações Latino-americanas

A Corte Centro-americana de Justiça (CCJ), assim como o Tribunal de Justiça da Comunidade Andina (TJCA), são exemplos, no contexto de seus respectivos sistemas de cooperação regional, de que a harmonização da legislação é apenas um passo em direção a uma melhor integração jurídica, revelando sua importância como órgãos jurisdicionais garantes da aplicação das normas internacionais que imantam os protocolos[17].

Em contraposição ao que é adrede executado pelo MERCOSUL, os países que compõe sistemas de integração regional Sistema de Integração Centro-americana (SICA) e a Comunidade Andina de Nações (CAN), aos quais correspondem, respectivamente, a CCJ e o TJCA , não se dedicam à promoção da predita harmonização apenas em matéria tributária, mas, sobremaneira, em relação a questões de cidadania, relativas à proteção de trabalhadores e consumidores e, ainda, instrumentos de preservação ambiental, entre tantos outros, é que conduz à possibilidade de integração regional dos povos.

A Rede Latino-americana de Juízes promove a integração de Magistrados de 19 países, discute de forma permanente a cooperação judicial, antecipando o que veio a ser a proposta do Tratado constitutivo da UNASUL, no que toca ao cumprimento dos atos do órgãos do Poder Judiciário de cada país membro em outro dos que integram o grupo. O momento histórico demanda a promoção de um diálogo institucional de toda América Latina, do que redundadaria a harmonização de ideias, ideais e propósitos, para também unir perspectivas de lege ferenda que operacionalizem a União Continental, e, finalmente, permita a construção de negócios e oportunidades que promovam a interculturalidade entre os povos.

Diversamente da União Europeia, a UNASUL não tem órgão específico encarregado de promover a solução de conflitos e se nota pouco interesse nesse debate: não há participação dos magistrados em discussões, como audiência públicas, para encaminhar a participação do judiciário, como função de Estado, tal qual previsto nas respectivas constituições dos Países signatários.

Paralelamente, a cooperação judiciária é objeto de intensos estudos e a Rede Latino-americana de Juízes vem desenvolvendo inúmeras iniciativas nesse sentido, como, por exemplo, fomentar a criação da Escuela Judicial de America Latina (EJAL), porquanto instrumento de cooperação e integração, para dinamizar o acesso horizontal do conhecimento e a construção de soluções para a administração e gestão da Justiça, além de inovações, inclusive tecnológicas, para um renovado processo eletrônico na América Latina.[18]

Com base nesses preceitos é que entendemos necessário um Tribunal da UNASUL. Um órgão judicante regional para decidir a respeito das questões de cidadania e de meio ambiente, para preservar a propriedade e o gerenciamento das riquezas naturais de nossos países, em favor dos nacionais, para harmonizar as relações do direito ambiental, do direito do consumidor, da propriedade industrial e intelectual, das relações de trabalho e outros setores jurídico-sociais, com intensas repercussões no design de desenvolvimento que se almeja.

Conclusões

A água para a América do Sul é uma das principais riquezas naturais e necessita de uma legislação de preservação ambiental, envolvendo saneamento e voltada para a exploração e resultados econômicos no interesse dos nacionais do bloco regional onde existem, e não aguardar uma legislação que venha a beneficiar as grandes potencias econômicas, que já contaminaram a água em seus países, queimaram e derrubaram suas matas e desejam uma preservação gratuita em desfavor do que pertence aos americanos do sul, ainda com exploração por aqueles que há centenas de anos conspurcam direitos e sonhos.

A biodiversidade existente na América do Sul, representando cerca de 40% (quarenta por cento) do que há no planeta, tem quase a sua totalidade não pesquisada para o desenvolvimento de remédios e alimentos, o que poderá gerar recursos econômicos os quais, também, devem reverter em favor dos nacionais dos países que integram o bloco regional, demandando legislação harmonizada.

Neste contexto de aumento das hipóteses de situações conectadas a mais de uma ordem jurídica, é de significativa importância a atuação dos próprios agentes sociais, através da busca de um elemento de conexão mais adequado. Portanto, é fácil constatar que em temos de legislação ambiental poucos são os países que contam com um diploma legal adequado. Entretanto, tais dificuldades são uma referência do que ocorre nas questões de trabalho e outras.

De outra banda, harmonizar legislação sem um tribunal internacional para efetivar os comandos dela decorrentes seria um equívoco histórico irreparável. Portanto, se defende no presente manuscrito a instalação de uma Corte para a UNASUL. No Brasil, o Senado Federal inicia o ano de 2013 com a previsão de audiência pública para debater ambos os temas das harmonização de legislação e a criação do Tribunal da UNASUL.

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Sobre o autor
José Sebastião Fagundes Cunha

Desembargador do TJPR Presidente da 3ª Câmara Civil Tributário / Relações de Trabalho Doutor pela UFPR Pós-Doutor pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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