DA ESTABILIDADE DA TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE

03/10/2022 às 19:04

Resumo:


  • A tutela antecipada é uma medida provisória que pode ser concedida quando há evidências de direito e perigo de dano, sendo regulamentada principalmente pelos artigos 303 e 304 do Código de Processo Civil.

  • Existe uma divergência doutrinária e jurisprudencial significativa sobre a estabilização da tutela antecipada em caráter antecedente, especialmente sobre se a falta de recurso específico (agravo de instrumento) por parte do réu leva à estabilização da decisão.

  • Enquanto alguns defendem uma interpretação mais ampla, onde qualquer forma de impugnação impede a estabilização, outros sustentam que apenas a falta de interposição do agravo de instrumento específico resultaria na estabilização da tutela.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Resumo

A tutela antecipada é uma das espécies da tutela provisória de urgência que pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental. Para ser deferida exige-se elementos que evidenciam a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, ademais, ela pode ser conferida liminarmente ou após justificação prévia. A tutela antecipada por ter natureza satisfativa, em regra, só é concedida quando não há risco de irreversibilidade dos efeitos da decisão. O Código de Processo Civil, no seu art. 303 e seguintes, estabelece um procedimento próprio quando se trata de tutela antecipada requerida em caráter antecedente. A lei processual elenca que uma vez concedida a tutela antecipada em caráter antecedente, se a parte contrária não interpor o respectivo recurso àquela se torna estável e o processo será extinto. Entretanto, há uma divergência doutrinária e jurisprudencial acerca do assunto. De um lado, a interpretação do dispositivo processual é literal, dispondo que o processo será extinto e a tutela antecipada se tornará estável se não houver a interposição do agravo de instrumento no momento oportuno. Doutro, a interpretação é sistemática, estabelecendo que se houver qualquer forma de impugnação, seja por simples petição ou mesmo contestação, a tutela não se tornará estável e o processo continuará o seu curso. Diante disso, o presente trabalho, sem a intenção de esgotar o tema, tem por objetivo trazer à tona a atual divergência jurisprudencial e doutrinária sobre a estabilidade da tutela antecipada conferida em caráter antecedente.

Palavras-chave: Tutela antecipada. Caráter antecedente. Estabilidade.

INTRODUÇÃO

A tutela antecipada é uma das espécies da tutela provisória de urgência que pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental. Para ser deferida exige-se elementos que evidenciam a perspectiva do direito e a ameaça de dano ou risco ao resultado útil do processo, ademais, ela pode ser conferida liminarmente ou após justificação prévia.

A tutela antecipada por ter natureza satisfativa, em regra, só é concedida quando não há risco de irreversibilidade dos efeitos da decisão.

No entanto, o professor Daniel Amorim Assumpção Neves esclarece:

(...) mesmo quando a tutela antecipada é faticamente irreversível, o juiz poderá excepcionalmente concedê-la, lembrando a doutrina que um direito indisponível do autor não pode ser sacrificado pela vedação legal. Nesse caso, valoram-se os interesses em jogo, e, sendo evidenciado o direito à tutela antecipada, é indevida a vedação legal à sua concessão. São, por exemplo, muitas as tutelas antecipadas em demandas em que se discute a saúde do autor, com a adoção de medidas faticamente irreversíveis, tais como a liberação de remédios, imediata internação e intervenção cirúrgica. (NEVES, 2016, p. 444).

O Código de Processo Civil de 2015 elenca:

Art. 294. A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência.

Parágrafo único: A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.

Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

(...)

§2º. A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.

§3º. A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.

A tutela antecipada requerida em caráter antecedente possui procedimento próprio. Uma das principais peculiaridades é a petição inicial, que devido a urgência do caso pode ser simplificada, não precisando atender a todos os requisitos do art.319, CPC. Porém, há requisitos indispensáveis, como por exemplo, o valor da causa, em que o requerente deve levar em conta o pedido de tutela final, ademais, deverá indicar na petição simplificada que está gozando do benefício aludido pela norma.

O art. 303, CPC/15 assevera:

Art.303. Nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo.

(...)

§4º Na petição inicial a que se refere o caput deste artigo, o autor terá de indicar o valor da causa, que deve levar em consideração o pedido de tutela final.

§5º O autor indicará na petição inicial, ainda, que pretende valer-se do benefício previsto no caput deste artigo.

(...)

O professor Rodolfo Hartmann elenca:

Em casos de urgência, o interessado apresentará uma petição inicial (se ainda não houver demanda instaurada). Para que o magistrado possa conceder a tutela provisória antecipada e determinar a citação do réu, por meio de uma decisão interlocutória. A petição inicial, nestes casos, pode ser objetiva, mas desde que a urgência seja contemporânea à propositura da demanda, como ocorre nos casos em que há a necessidade de se recorrer ao Plantão Judiciário. Mas, se não for este o caso, o demandante não terá oportunidade de escolha, devendo apresentar uma petição inicial completa, o que até pode lhe favorecer, já que o magistrado disporá de mais elementos e esclarecimentos para apreciar o seu requerimento. Por exemplo, é possível a petição inicial simplificada apresentada em Plantão para a obtenção de provimento jurisdicional tendente à realização de uma cirurgia médica. Porém, para se obter uma tutela antecipada permitindo que o demandante participe de uma licitação que ocorrerá daqui dez dias, já caberá ao demandante apresentar a inicial completa. (HARTMANN, 2019, p.125-126)

A lei processual alude que uma vez concedida a tutela antecipada em caráter antecedente, se a parte contrária não interpor o respectivo recurso ela se tornará estável e o processo será extinto.

O art. 304, CPC afirma:

Art.304. A tutela antecipada, concedida nos termos do art.303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso.

§1º. No caso previsto no caput, o processo será extinto.

Entretanto, há uma divergência doutrinária e jurisprudencial acerca do tema. De um lado, a interpretação do dispositivo é literal, dispondo que o processo será extinto e a tutela antecipada se tornará estável se não houver a interposição do agravo de instrumento no momento oportuno. Doutro, a interpretação é sistemática, estabelecendo que se houver qualquer forma de impugnação, seja por simples petição ou mesmo contestação, a tutela não se tornará estável e o processo continuará o seu curso. Diante disso, o presente trabalho, sem a intenção de esgotar o assunto, tem por objetivo trazer à tona a atual divergência doutrinária e jurisprudencial sobre a estabilidade da tutela antecipada conferida em caráter antecedente.

DESENVOLVIMENTO

A tutela antecipada requerida em caráter antecedente possui procedimento próprio no Código de Processo Civil. Conforme já mencionado alhures, o requerente poderá se beneficiar da petição simplificada ao requerer a tutela satisfativa, no entanto, uma vez concedida a medida, o autor deverá aditar a inicial, no mínimo, em quinze dias ou em prazo maior que o juiz estabelecer, nos próprios autos, sem a necessidade de recolher novas custas processuais. O autor deve completar a petição inicial simplificada com as respectivas argumentações, novos documentos e ratificar o pedido de tutela final. Porém, caso não o faça, o processo será extinto sem resolução do mérito.

Art.303. Nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo.

§1º.Concedida a tutela antecipada a que se refere o caput deste artigo:

I- O autor deverá aditar a petição inicial, com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, em 15(quinze) dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar.

(...)

§2º.Não realizado o aditamento a que se refere o inciso I do §1º deste artigo, o processo será extinto sem resolução de mérito.

§3º.O aditamento a que se refere o inciso I do §1º deste artigo dar-se-á nos mesmos autos sem incidência de novas custas processuais

Neste procedimento diferenciado, uma vez conferida a tutela antecipada a parte adversa precisa insurgir contra a medida, senão, a tutela se tornará estável e o processo será extinto. No entanto, é importante alertar que, a estabilidade não faz coisa julgada, vez que, qualquer das partes poderá, em até dois anos a partir da extinção do processo, ajuizar ação autônoma para reformar, invalidar ou rever a tutela antecipada estabilizada, que será julgada pelo juízo que concedeu a medida, pois este será prevento.

Portanto, tornada estável, os efeitos da tutela antecipada só serão abduzidos caso haja o ingresso da ação revisional ou invalidatória, e esta, seja julgada procedente. Lado outro, se não houver o referido ajuizamento, dentro do prazo legal, haverá a estabilização irreversível dos efeitos da tutela.

O art. 304, do CPC/15 assevera:

Art. 304. A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso.

§ 1º No caso previsto no caput, o processo será extinto.

§ 2º Qualquer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada nos termos do caput .

§ 3º A tutela antecipada conservará seus efeitos enquanto não revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito proferida na ação de que trata o § 2º.

§ 4º Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que foi concedida a medida, para instruir a petição inicial da ação a que se refere o § 2º, prevento o juízo em que a tutela antecipada foi concedida.

§ 5º O direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada, previsto no § 2º deste artigo, extingue-se após 2 (dois) anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo, nos termos do § 1º.

§ 6º A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2º deste artigo.

Lado outro, o ponto crucial do presente trabalho é trazer à tona a atual divergência jurisprudencial e doutrinária quanto à interpretação do referido diploma legal. Ora, a estabilidade da tutela antecipada concedida em caráter antecedente somente ocorrerá se o réu não interpor o respectivo recurso, no caso o agravo de instrumento? Ou a estabilização se tornará inviável se houver qualquer tipo de impugnação?

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Pois bem, a terceira turma do STJ, no REsp 1760966/SP, realizou interpretação sistemática aludindo que a estabilidade da tutela antecipada só ocorrerá se o réu não realizar qualquer tipo de impugnação:

RECURSO ESPECIAL. PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE. ARTS. 303 E 304 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015.JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU QUE REVOGOU A DECISÃO CONCESSIVA DA TUTELA, APÓS A APRESENTAÇÃO DA CONTESTAÇÃO PELO RÉU, A DESPEITO DA AUSÊNCIA DE INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRETENDIDA ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA. IMPOSSIBILIDADE. EFETIVA IMPUGNAÇÃO DO RÉU.NECESSIDADE DE PROSSEGUIMENTO DO FEITO. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1. A controvérsia discutida neste recurso especial consiste em saber se poderia o Juízo de primeiro grau, após analisar as razões apresentadas na contestação, reconsiderar a decisão que havia deferido o pedido de tutela antecipada requerida em caráter antecedente, nos termos dos arts. 303 e 304 do CPC/2015, a despeito da ausência de interposição de recurso pela parte ré no momento oportuno.
2. O Código de Processo Civil de 2015 inovou na ordem jurídica ao trazer, além das hipóteses até então previstas no CPC/1973, a possibilidade de concessão de tutela antecipada requerida em caráter antecedente, a teor do que dispõe o seu art. 303, o qual estabelece que, nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial poderá se limitar ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo.
2.1. Por essa nova sistemática, entendendo o juiz que não estão presentes os requisitos para a concessão da tutela antecipada, o autor será intimado para aditar a inicial, no prazo de até 5 (cinco) dias, sob pena de ser extinto o processo sem resolução de mérito. Caso concedida a tutela, o autor será intimado para aditar a petição inicial, a fim de complementar sua argumentação, juntar novos documentos e confirmar o pedido de tutela final. O réu, por sua vez, será citado e intimado para a audiência de conciliação ou mediação, na forma prevista no art. 334 do CPC/2015. E, não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art. 335 do referido diploma processual. 3. Uma das grandes novidades trazidas pelo novo Código de Processo Civil é a possibilidade de estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, instituto inspirado no référé do Direito francês, que serve para abarcar aquelas situações em que ambas as partes se contentam com a simples tutela antecipada, não havendo necessidade, portanto, de se prosseguir com o processo até uma decisão final (sentença), nos termos do que estabelece o art.
304, §§ 1º a 6º, do CPC/2015. 3.1. Segundo os dispositivos legais correspondentes, não havendo recurso do deferimento da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, a referida decisão será estabilizada e o processo será extinto, sem resolução de mérito. No prazo de 2 (dois) anos, porém, contado da ciência da decisão que extinguiu o processo, as partes poderão pleitear, perante o mesmo Juízo que proferiu a decisão, a revisão, reforma ou invalidação da tutela antecipada estabilizada, devendo se valer de ação autônoma para esse fim. 3.2. É de se observar, porém, que, embora o caput do art. 304 do CPC/2015 determine que "a tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso", a leitura que deve ser feita do dispositivo legal, tomando como base uma interpretação sistemática e teleológica do instituto, é que a estabilização somente ocorrerá se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária, sob pena de se estimular a interposição de agravos de instrumento, sobrecarregando desnecessariamente os Tribunais, além do ajuizamento da ação autônoma, prevista no art. 304, § 2º, do CPC/2015, a fim de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada. 4. Na hipótese dos autos, conquanto não tenha havido a interposição de agravo de instrumento contra a decisão que deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela requerida em caráter antecedente, na forma do art. 303 do CPC/2015, a ré se antecipou e apresentou contestação, na qual pleiteou, inclusive, a revogação da tutela provisória concedida, sob o argumento de ser impossível o seu cumprimento, razão pela qual não há que se falar em estabilização da tutela antecipada, devendo, por isso, o feito prosseguir normalmente até a prolação da sentença.5. Recurso especial desprovido. (REsp 1760966/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/12/2018, DJe 07/12/2018)

Nesse mesmo sentido, é o ensinamento do professor Rodolfo Hartmann:

(...) Outro ponto delicado quanto a redação do caput e do parágrafo primeiro do artigo [304, CPC], reside em estabelecer que a tutela provisória só ficará estável quando não houver recurso interposto pelo demandado. Até se entende a opção do legislador em mencionar recurso e não defesa, pois, no procedimento comum, o réu não é citado para se defender e sim para comparecer à audiência de conciliação ou mediação. Logo, havendo citação do demandado e tendo o mesmo conhecimento da concessão da liminar, parece justificável que queria realmente recorrer desta decisão, interpondo um agravo na modalidade de instrumento, em vez de apresentar defesa, já que o momento processual permanece impróprio para tanto. Contudo, parece melhor conceber que qualquer comportamento que o demandado vier a adotar que indique insatisfação quanto ao teor da decisão da tutela provisória, seja por meio do recurso, apresentação de contestação em momento impróprio ou mesmo pelo protocolo de uma simples petição, já será suficiente para impor a continuidade do processo até a prolação da sentença. Se, porém, realmente o réu não adotar qualquer comportamento, o processo será extinto com a permanência da decisão que concedeu a tutela provisória. (HARTMANN, 2019, p.126-127)

O professor Fredie Didier Jr ratifica:

Se, no prazo do recurso, o réu não o interpõe, mas resolve antecipar o protocolo de sua defesa, fica afastada a sua inércia, o que impede a estabilização afinal, se contesta a tutela antecipada e a própria tutela definitiva, o juiz terá que dar seguimento ao processo para aprofundar sua cognição e decidir se mantém a decisão antecipatória ou não. Não se pode negar ao réu o direito a uma prestação jurisdicional de mérito definitiva, com aptidão para a coisa julgada (DIDIER, 2015, p. 609).

Lado outro, no julgamento do REsp 1797365/RS a primeira turma do STJ divergiu, esclarecendo que o meio adequado para evitar a estabilização da tutela antecipada conferida em caráter antecedente é o recurso agravo de instrumento:

PROCESSUAL CIVIL. ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE. ARTS. 303 E 304 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. NÃO INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRECLUSÃO.APRESENTAÇÃO DE CONTESTAÇÃO. IRRELEVÂNCIA.I - Nos termos do disposto no art. 304 do Código de Processo Civil de 2015, a tutela antecipada, deferida em caráter antecedente (art.303), estabilizar-se-á, quando não interposto o respectivo recurso.II - Os meios de defesa possuem finalidades específicas: a contestação demonstra resistência em relação à tutela exauriente, enquanto o agravo de instrumento possibilita a revisão da decisão proferida em cognição sumária. Institutos inconfundíveis. III - A ausência de impugnação da decisão mediante a qual deferida a antecipação da tutela em caráter antecedente, tornará, indubitavelmente, preclusa a possibilidade de sua revisão.IV - A apresentação de contestação não tem o condão de afastar a preclusão decorrente da não utilização do instrumento processual adequado- o agravo de instrumento. V-Recurso especial provido.
(REsp 1797365/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, Rel. p/ Acórdão Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/10/2019, DJe 22/10/2019)

O escritor Igor Raatz critica o primeiro entendimento do STJ e defende o derradeiro, in verbis:

(...) Primeiro, que nem a doutrina, nem o órgão jurisdicional tem a liberdade para substituir a palavra recurso por qualquer manifestação do réu tendente a dar prosseguimento ao processo, modificando o seu sentido. Ora, texto e a norma não são cindíveis razão pela qual não se pode considerar correta uma interpretação que extrapole os limites semânticos do texto.

Segundo, que o entendimento em questão transforma a estabilização numa figura tão excepcional que ela acabaria deixando de existir, até por razões práticas: como, no final das contas, somente em casos de revelia haveria a estabilização (pois qualquer atitude do réu impediria esse fenômeno) o autor deixaria de ter até mesmo interesse na estabilização, pois diante da revelia do réu inevitavelmente teria preferência pela decisão fundada em cognição exauriente com aptidão para ser coberta pela coisa julgada. Terceiro, que a proposta de generalizar o ato impeditivo da estabilização é contrária à tônica que pauta o próprio instituto, ou seja, da jurisdição sem finalidade cognitiva, com a prevalência da tutela sumária em desabono da chamada ordinariedade. Nitidamente, o tratamento inicial conferido ao artigo 304 do CPC pelo Superior Tribunal de Justiça não passava de uma tentativa de reescrever a lei. Que os textos normativos não são inequívocos e que mesmo diante da clareza não cessa a interpretação são lições tão velhas que nem sequer precisariam ficar sendo o tempo todo repetidas (elas eram discussões palpitantes no clássico Compêndio de Hermenêutica para uso das faculdades de direito do império, de Francisco de Paula Baptista, o qual, em crítica à doutrina de Savigny, defendia que  interpretação não teria lugar sempre que a lei, em relação aos fatos sujeitos ao seu domínio, fosse clara e precisa). Hoje essas afirmações não passam de obviedades, as quais, no entanto, têm desempenhado o papel de legitimar formas de extrapolar a função jurisdicional, investindo juízes e tribunais na condição de legisladores. O julgamento do mencionado REsp 1797365/RS é, diante desse quadro, um sopro de esperança na busca pelo irrestrito respeito à legalidade. (RAATZ, 2019).

Por fim, o jurista Elpídio Donizetti corrobora:

Segundo disposto no art. 304, caput, a tutela torna-se estável se não interposto o respectivo recurso. Respectivo significa competente, devido, cabível. Qual o recurso respectivo? Em se tratando de decisão em tutela antecipada, gênero de tutela provisória, o recurso cabível é o agravo de instrumento, nos termos do art. 1015, inciso I, CPC/2015. Assim, caso o réu não interponha agravo de instrumento, a tutela antecipada, concedida em caráter antecedente, torna-se estável. A mens legislatoris é no sentido de exigir o recurso como forma de evitar a estabilização. Trata-se de um ônus imposto ao demandado. Não basta contestar. É certo que a contestação o réu adquire a prerrogativa de ver a demanda decidida levando-se em conta também as suas alegações. Ocorre que na ponderação dos princípios da amplitude do direito de ação/defesa e da celeridade, o legislador optou por este, de sorte que, não obstante a apresentação de contestação, o processo será extinto sem resolução do mérito (304, § 1º), porquanto não houve cognição exauriente, tampouco declaração de prescrição ou decadência. O que prevalece é a vontade do demandante. Se este, embora requeira a tutela antecipada em caráter antecedente, não diz que pretende se valer do benefício da estabilização, o procedimento prossegue rumo à sentença com base em cognição exauriente. A vontade do demandado ao apresentar a contestação é irrelevante. A ele foi imposto o ônus de recorrer ou então de ajuizar ação autônoma de revisão, reforma ou invalidação da decisão cujos efeitos foram estabilizados (art. 304, § 2º). (...) Por fim, saliento que cabe aos juízes atender à vontade da lei. O excesso de garantismo, com criação de possibilidades, caminhos e faculdades não previstos na lei, porque atenta contra a celeridade por todos almejada, constitui manifesto atentado à segurança jurídica. (DONIZETTI, 2016)

CONCLUSÃO

Diante de tudo ora exposto, é possível afirmar que a ocorrência, ou não, da estabilização da tutela antecipada concedida em caráter antecedente se tornou um tema de enorme discussão doutrinária e jurisprudencial. Haja vista que o Código de Processo Civil estabelece que uma vez concedida a tutela antecipada, se o réu não interpor o respectivo recurso (agravo de instrumento) os efeitos da medida tornam-se estável e o processo será extinto.

Com efeito, a divergência reside na interpretação do termo recurso, para parte da doutrina e a terceira turma do STJ, a interpretação deve ser sistemática, ou seja, se o réu realizar a impugnação da medida por qualquer meio, a estabilidade da tutela não ocorrerá. Ao revés, a primeira turma do STJ e a outra parte da doutrina assevera que a interpretação deve ser ipsis litteris, quer dizer, o meio de impedir a estabilização da tutela antecipada concedida é o recurso (agravo de instrumento) e ponto.

Portanto, se o réu não quiser que ocorra, contra ele, a estabilização da tutela antecipada concedida em caráter antecedente, o mais coerente é que ele adote a interpretação literal da norma, e, por corolário, interponha o agravo de instrumento no momento pertinente, haja vista que o assunto ainda não está pacificado.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Congresso Nacional. Código de Processo Civil: promulgado em 16 de março de 2016.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp: 1760966/SP. Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze. Brasília, 07 de dezembro de 2018. Lex: jurisprudência do STJ, T3- TERCEIRA TURMA, data de julgamento: 04/12/2018.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp: 1797365/RS. Relator Ministro Sérgio Kukina, Rel. p/Acórdão Ministra Regina Helena Costa. Brasília, 22 de outubro de 2019. Lex: jurisprudência do STJ, T1- PRIMEIRA TURMA, data de julgamento: 03/10/2019.

DIDIER JR, Fredie.  Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2015.

Donizetti, Elpídio. A tutela antecipada requerida em caráter antecedente. Portal JusBrasil, 2016.Disponível em:https://portalied.jusbrasil.com.br/artigos/406342000/a-tutela-antecipada-requerida-em-carater-antecedente . Acesso em: 07 de agosto de 2022.

Hartmann, Rodolfo Kronemberg. Curso completo do novo processo civil. 5.ed Niterói, RJ: Impetus, 2019.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 8. ed. Salvador: Juspodium, 2016.

Raatz, Igor. STJ acerta ao reinterpretar o instituto da estabilização da tutela antecipada. Revista Consultor Jurídico, 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-dez-07/diario-classe-stj-acerta-reinterpretar-instituto-estabilizacao-tutela-antecipada. Acesso em: 08 de agosto de 2022.

Sobre o autor
Henrique Costa

Advogado. Orador. Autor de artigos e textos jurídicos. Especialista em Licitações Públicas e Contratos Administrativos. Atua como Treinador, Consultor e Assessor Jurídico. Participante do Projeto Implantação da Nova Lei de Licitações com ênfase nos Órgãos e Entidades Públicas. Participante do Curso Desmistificando as Obras e Serviços de Engenharia - Os Novos Desafios da Lei 14.133/21 e as Velhas Questões; Congressista no VI Congresso Brasileiro de Licitações e Contratos. Congressista no I Congresso do Instituto Nacional de Contratações Públicas (INCP). Congressista no III Congresso Jurídico Internacional da Fundação Pres. Antônio Carlos. Participante da XXIV Conferência Nacional da Advocacia Brasileira. Pós-graduado em Direito Constitucional e Administrativo. Pós-Graduado em Direito Trabalhista e Previdenciário. Pós-Graduado em Direito e Processo Civil. Pós-graduado em Ciências Penais e Segurança Pública.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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