Síntese: Da escravidão à marginalização legal, a invisibilidade do trabalho doméstico e os direitos adquiridos.
O trabalho doméstico no Brasil, de acordo com o que se tem relato, apresenta como marco inicial a chegada dos escravos da África.
No ano de 1886, período escravocrata, foi instituído o primeiro dispositivo legal para estabelecer regras aos trabalhadores domésticos no Brasil, que fora intitulado de "Código de Posturas do Município de São Paulo". Porém, é fundamental salientar, que tal dispositivo sequer pode ser associado com "direitos trabalhistas", já que não objetivava resguardar trabalhadores do abuso de patrões, mas sim aumentar o controle dos empregadores sobre os empregados. A partir de então, houve início da obrigatoriedade de registro de trabalhadores domésticos na Secretaria de Polícia, passou a ser expedida caderneta de identificação e nela destaca-se o que configurava dispensa por justa causa, sendo:
- Doença que impedisse o empregado de trabalhar;
- Empregado sair de casa a passeio ou a negócio, sem licença do patrão, mormente à noite.
Estava previsto também multa para caso de inadimplemento do contrato, que seria convertida em prisão simples se não fosse paga.
Mesmo após a abolição da escravatura, em 13 de maio de 1888 com a Lei Áurea, e inclusive durante o Brasil República o trabalho doméstico continuou sofrendo com sua invisibilidade e marginalização, tanto social como jurídica.
Em 1916, mediante a Lei 3.071 do Código Civil de 1916, novas normas passíveis de aplicação aos trabalhadores domésticos começaram a ser implementadas, ao disciplinar a relação dos contratos trabalhistas de locação de serviços dos empregados, inclusive dos domésticos, sendo este aplicável dentro das possibilidades. Sete anos depois, o Decreto nº 16.107, de 30 de julho de 1923 consolidou a aprovação do regulamento de locação de serviços domésticos.
A promulgação da Constituição de 1934, em 16 de julho de 1934, acabou por garantir o direito à sindicalização, porém não abrangeu o trabalho doméstico, apesar da tentativa da fundadora da Associação dos Empregados Domésticos de Santos, Laudelina de Campos Melo, de conseguir que a classe de empregadas domésticas viesse a ser enquadrada na legislação trabalhista, tentativa frustrada, já que durante o primeiro congresso de trabalhadores em 1936, Laudelina obteve a negativa do Ministro de Getúlio Vargas.
Em 11 de dezembro de 1972, após a aprovação da Lei 5.859, certas prerrogativas mínimas foram concedidas aos empregados domésticos, como o acesso aos direitos:
- Benefícios e serviços da Previdência Social;
- Férias anuais;
- Carteira de Trabalho.
Em vigor até os dias atuais, a promulgação da Constituição de 1988 visou garantir cidadania, direitos sociais, culturais, econômicos e políticos. Mais direitos, contidos nesta nova Constituição, foram proporcionados aos domésticos, dentre eles:
- Salário mínimo fixado em lei e nacionalmente unificado;
- Previdência Social, com reajustes periódicos, que lhes preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para quaisquer fins;
A OIT (Organização Internacional do Trabalho) propôs mudanças ao cenário trabalhista doméstico do Brasil, com proposta de emenda a constituição, a conhecida "PEC das Domésticas", Emenda Constitucional nº. 72, de 2 de abril de 2013, que culminou na Lei Complementar nº. 150. Proposta de Emenda à Constituição, que modifica o parágrafo único do artigo 7º da Constituição de 1988, estabelecendo igualdade de direitos trabalhistas entre os trabalhadores domésticos e trabalhadores urbanos e rurais. Com sua promulgação em 2013, são alguns dos seguintes os direitos que foram possibilitados:
- Recebimento de um salário mínimo ao mês ou piso regional para o Estado, que possuem;
- Pagamento garantido por lei;
- Jornada de trabalho de 8 horas diárias e 44 horas semanais;
- Hora extra;
- Direito a trabalhar em local com todas as normas de higiene, saúde e segurança;
- Empregador deve respeitar regras e acordos de convenções coletivas;
- Proibição de diferenças de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivos de sexo, idade, cor ou estado civil;
- Proibição de discriminação em relação ao portador de deficiência.
Ao longo deste breve panorama dos direitos dos trabalhadores domésticos no Brasil, nota-se o resultado de lutas de movimentos feministas, raciais, do movimento das trabalhadoras domésticas (destaque à Federação Nacional de Trabalhadoras Domésticas), numa busca longa e árdua, com conquistas ainda aquém do necessário e com muito pela frente a batalhar, para que se consiga a equiparação da classe doméstica à classe dos demais trabalhadores.
Por fim, a repercussão social dos novos direitos adquiridos pelos trabalhadores domésticos precisa ser analisada no âmbito de relacionamento entre patrões e empregados. Uma vez que, maiores responsabilidades, regras e onerosidades ao patrão, em sua maioria de classe média, pode acarretar em diminuição do número de contratação de domésticos. E, diante de nova configuração, é certo que os costumes e responsabilidades dos brasileiros precisarão ser reconfigurados de maneira a fazer jus aos direitos incorporados, que não podem e não devem retroceder, mas sim, consolidar e avançar.
REFERÊNCIAS:
CONSTITUIÇÃO 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acessado em 04/10/2022.
BENTIVOGLIO, Elaine Cristina Saraiva. A evolução da legislação do trabalho doméstico no Brasil. Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 11, n. 11, p. 219-232, 2014.
DA SILVA, Deide Fátima. Ensaio da história do trabalho doméstico no Brasil: um trabalho invisível. Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 17(32): 409-438, jan.-jun. 2017.
PEC DAS DOMÉSTICAS. Disponível em<https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2022/04/pec-das-domesticas-garantiu-igualdade-de-d...> Acessado em 04/10/2022.