RESUMO
Por sermos indivíduos que vivem em uma sociedade, estamos propensos a sofrer impactos em qualquer atividade de nosso dia a dia, tais impactos podem ser positivos ou negativos. As relações de consumo, dadas entre o consumidor, considerado o elo mais vulnerável da relação, e o fornecedor, são resguardadas pelo nosso atual Código de Defesa do Consumidor, que irá abordar deveres, mas principalmente direitos dos quais são garantidos a todos. Tal proteção é necessária devido a práticas consideradas abusivas, em especial a venda casada que é tema do presente artigo, da qual viola o artigo 39, inciso I, do referido código. Com isso, é necessário entender as garantias trazidas pelo artigo 6º, CDC, para que nos casos de violação a elas, o consumidor possa buscar a garantia dos seus direitos ou a sua reparação.
Palavras-chave: Venda casada; Consumidor; Fornecedor.
Sumário: Introdução; I. Conceito de fornecedor e consumidor; II. Direitos básicos do consumidor; III. Práticas abusivas previstas no Código de Defesa do Consumidor; IV. Venda casada; Conclusão; Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
O debate acerca da prática abusiva de venda casada é de grande importância, gerando impactos em nossa sociedade, pois afeta a todos sem exceção, uma vez que vivemos em uma sociedade onde tudo o que consumimos advém da relação de fornecedor ou vendedor com o consumidor ou comprador.
Com isso, este trabalho pretende demonstrar as possíveis práticas abusivas existentes em nossa sociedade nas relações de consumo e expor o posicionamento sobre elas, utilizando-se de respaldo o Código de Defesa do Consumidor, que visa proteger o elo mais fraco da relação, que é o consumidor, e sugerir possíveis soluções para tais conflitos.
Discutiremos no presente artigo as práticas abusivas que decorrem de atitudes contrárias ao senso comum que restringem o direito do consumidor, previstos no artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor. Será aprofundado na pesquisa a prática abusiva de venda casada, presente no inciso I do referido artigo. Entende-se como o conceito do termo quando o fornecedor condiciona o fornecimento de um produto ou serviço a compra de outro sem que haja uma explicação plausível para isso, incorre na prática abusiva em tela. O inciso II do art. 6º prevê o direito do consumidor de receber educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços colocados à sua disposição no mercado. Dentro dessa educação se enquadra a responsabilidade dos fornecedores a respeito das características dos produtos ou serviços que são lançados no mercado e também sobre seu direito de escolha. Existe uma necessidade de proteção da liberdade de escolha do consumidor, uma vez que é a parte mais fraca da relação de consumo. A venda retira do consumidor a liberdade de escolha do produto ou serviço que pretende adquirir, visto que condiciona à uma única escolha, se dá apenas uma alternativa (JÚNIOR, p. 48).
CONCEITO DE FORNECEDOR E CONSUMIDOR
Podemos definir consumidor de acordo com o artigo 2°, do Código de Defesa do Consumidor, no qual coloca “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”, segundo Diego Pretto, tal conceito jurídico extraído do caput do referido artigo, pode ser denominado como Standard, no qual considera somente aquele que adquire o produto ou utiliza o serviço como sendo o destinatário final (2002, p.190). Além da forma individual do consumidor, o CDC, no mesmo artigo em seu parágrafo único, equipara a forma coletiva de consumidor, onde dita “coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”. Segundo Humberto Theodoro Júnior, pode-se observar que o Código se utilizou de um caráter econômico para realizar a conceituação do consumidor ao levar em consideração a aquisição do produto para uso pessoal e não para comercializar (2021, p.5).
Devido a posição de vulnerabilidade que o consumidor se encontra nesta relação de consumo, principalmente devido ao fato de que os contratos de adesão são realizados pelo fornecedor e sem a possibilidade de o consumidor poder negociar a isso, sendo de certa forma, obrigado a ou aderir o que lhe é apresentado ou recusar, que a conceituação do consumidor é de grande importância e que o CDC se preocupa a realizar uma proteção especial a essa parte da relação (THEODORO JR., 2021, p.5).
Já na doutrina, podemos observar três teorias utilizadas para definir o consumidor, a finalista, maximalista e o finalismo profundo, ambas com o objetivo de trazer proteção legal ao maior número de situações jurídicas possíveis (THEODORO JR., 2021, p.5).
A primeira teoria, a finalista, traz uma restrição do conceito do consumidor, abrangendo somente o âmbito não profissional da pessoa. Para esse modelo de teoria, é pensado que estaria dando mais proteção, uma vez que a construção da jurisprudência daria realmente somente ao elo considerado mais fraco da relação. Aqui o conceito de destinatário final é realmente aquele que adquire para consumo ou destinação pessoal, sem que tenha qualquer interesse profissional naquilo (THEODORO JR., 2021, p.6).
A segunda teoria colocada por Humberto Theodoro Jr., é a maximalista. Nesse modelo o entendimento sobre o CDC é de que pode ser aplicado tal código a todos as pessoas do mercado de consumo, mesmo que em certos momentos elas possam atuar como fornecedores ou em outros momentos como consumidores. O conceito de destinatário final aqui é utilizado como aquele que retira o serviço ou produto do mercado e o consome, não importa nesse momento se o consumidor tem finalidade de lucro sobre o serviço ou o produto. Entretanto, é importante que para o consumidor ser considerado realmente como consumidor, esse bem consumido não pode ser reintroduzido ou renegociado no mercado (THEODORO JR., 2021, p.7).
Por fim, a última teoria, é a do finalismo profundo, que é a mais recente colocada na doutrina, no qual traz uma ideia intermediária com relação às doutrinas citadas anteriormente. O destinatário final, nesse modo, tem a presunção de vulnerabilidade, ou seja, mesmo que seja uma pessoa jurídica, ele deve se encontrar no mesmo nível que uma pessoa física estaria ao realizar aquele negócio. Para caracterizar a pessoa como consumidor, é necessário que possuam 2 elementos: “(i) a destinação fática e econômica do bem adquirido; e, (ii) a vulnerabilidade do adquirente.” (THEODORO JR., 2021, p.8).
Pode-se concluir, que o nosso Código de Defesa do Consumidor, adotou a teoria finalista para conceituar o consumidor (SANTANNA, 2018, p.33). Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça, vai um pouco além, aprimorando tal teoria e colocando algumas exceções que são aplicadas em situações das quais há vulnerabilidade de forma evidente (THEODORO JR., 2021, p.9).
Em complemento com a conceituação trazida pelo artigo 2°, o CDC, coloca o artigo 17 e 29, outras conceituações que irão complementar o que foi exposto (NORAT, 2012, p. 82).
Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.
Já o fornecedor, podemos conceituá-lo de acordo com o artigo 3°, caput, do CDC, do qual ilustra, que o fornecedor é,
toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
É necessário que o fornecimento deva ser habitual e remunerado para enquadramento como fornecedor (PRETTO, 2002, p. 190). Para o entendimento ficar mais claro com relação a essa necessidade, podemos utilizar o exemplo trazido por Markus Norat, onde em uma padaria, que se utiliza de um veículo para realizar entregas vir a decidir vender esse veículo para um particular, ela não pode ser considerada um fornecedor nessa relação, pois não é de seu hábito negociar a compra e venda de veículos (2012, p. 88).
II.DIREITOS BÁSICOS DO CONSUMIDOR
Os direitos básicos do consumidor, estão dispostos no capítulo III do CDC, em seu artigo 6° e seus incisos, conforme aludido:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;
II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
…
X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.
XI - a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento, preservado o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, por meio da revisão e da repactuação da dívida, entre outras medidas;
XII - a preservação do mínimo existencial, nos termos da regulamentação, na repactuação de dívidas e na concessão de crédito;
XIII - a informação acerca dos preços dos produtos por unidade de medida, tal como por quilo, por litro, por metro ou por outra unidade, conforme o caso.
Parágrafo único. A informação de que trata o inciso III do caput deste artigo deve ser acessível à pessoa com deficiência, observado o disposto em regulamento.
Para entendermos melhor os direitos garantidos, a seguir será demonstrado uma explicação breve, disponibilizada pelo Órgão Procon da cidade de São Paulo, acerca de cada direito básico do consumidor.
O direito à vida, saúde e segurança, possibilita com que os produtos e serviços disponíveis no mercado, não gerem riscos a saúde dos consumidores e a sua segurança, com isso, é necessário com que em caso de fornecimento de produtos que são potencialmente perigosos, deve ser informado ao consumidor todos os riscos que aquele produto pode gerar.
Direito à educação, liberdade de escolha e informação adequada, nada mais é do que a finalidade a informar e aconselhar o consumidor no que tange ao uso correto do produto ou serviço adquirido, a informação deve estar disposta de forma clara e adequada às normas, que deve conter as especificações de quantidade, composição, qualidade, os tributos incidentes, preço, as características, os riscos caso necessário (falado anteriormente), em caso de enquadramento, validade do produto, entre outras especificações. Com relação a liberdade de escolha, é possibilitar com que tenha uma maior variação do produto ou serviço disponível no mercado de forma a permitir com que o consumidor faça uma escolha livre sobre aquele que mais lhe agrada ou que melhor se enquadra em suas necessidades.
Direito à proteção contra publicidade enganosa e abusiva, tem como objetivo proteger o consumidor sobre a publicidade veiculada, no qual em caso de o produto ou serviço não estar nos conformes com o que foi anunciado, o consumidor tenha o direito de devolver ou de realizar o cancelamento do contrato.
O direito a proteção contratual, demonstra mais claro a proteção que o CDC traz sobre a vulnerabilidade, dita anteriormente, nessa questão, em casos de contrato que possuam cláusulas que coloquem o consumidor em uma posição de maior desvantagem ou seja, que existam cláusulas que são abusivas, poderá o consumidor requerer a anulação daquela cláusula ou também pode pedir o cancelamento do contrato como um todo.
Em casos que há violação do direito do consumidor, ele tem a possibilidade de recorrer ao judiciário ou qualquer outro órgão que realize a sua proteção, garantindo o direito violado e juntamente, tal possibilidade é o direito à facilitação de acesso à justiça. Aqui se tem uma proteção maior do consumidor, pois mesmo em casos do qual o fornecedor não possui culpa, como são os casos de inversão do ônus da prova, ainda não cabe ao consumidor em primeiro momento a provar algo, mas sim ao elo mais forte da relação, considerada o fornecedor, a provar que ele não violou os direitos do consumidor.
Por fim, o direito ao serviço eficaz, permite com que o consumidor tenha o acesso a um serviço público de forma eficaz e adequada. Aqui, o Código de Defesa do Consumidor, reforça a necessidade de os serviços públicos serem fornecidos de forma eficiente ao consumidor.
Todos esses direitos, dispostos no artigo 6° e seus incisos, do CDC, têm como objetivo garantir e proteger o consumidor, em situações que ocorram a violação do seu direito ou mesmo para que exatamente não ocorra tal violação.
III.PRÁTICAS ABUSIVAS PREVISTAS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
A decisão, por parte do legislador, de tipificar práticas que seriam consideradas abusivas, decorre da constatação de que não seria necessário ter um ato ilícito para alguma ação ser caracterizada como ilícita, muitas vezes o próprio exercício de um direito pode acabar se tornando abusivo, a partir do excesso. Dessa forma, o uso irregular e desviante de um direito pode torná-lo abusivo.
Assim, as práticas abusivas previstas pelo Código de Defesa do Consumidor são aquelas realizadas por fornecedores de produtos ou serviços que violam os direitos e reforçam a vulnerabilidade do consumidor. Deste modo, não é necessário que ocorra lesão efetiva ou dano real, sua simples existência já é suficiente, uma vez que esta pode levar a erro ou engano, ou cria pressão ao consumidor.
Isto posto, a regulação das práticas abusivas está disposta na Seção IV do Código de Defesa do Consumidor, do artigo 39 ao 41. Enquanto o artigo 40 trata do orçamento e o artigo 41 dos preços tabelados, o artigo 39 apresenta um rol exemplificativo de práticas adotadas pelos fornecedores de produtos ou serviços consideradas abusivas pela lei. Como mencionado, se trata de um rol não taxativo, existindo outras práticas abusivas dispostas pelo Código de Defesa do Consumidor, como exemplo, se tem o artigo 28, o qual dispõe da desconsideração da personalidade jurídica em caso de abuso do direito, também está o artigo 37, que trata do anúncio abusivo e enganoso, e o artigo 42, que aborda a cobrança constrangedora, entre outros.
As práticas abusivas podem ser pré-contratuais, pós-contratuais ou contratuais. As pré-contratuais ocorrem antes de se estabelecer o contrato de consumo, ou seja, estão presentes na oferta ou se trata da ação do fornecedor ao pretender vincular o consumidor. Por outro lado, a pós-contratual surge a partir de um contrato de consumo preexistente. Por fim, a contratual, como o próprio nome implica, é ligada ao conteúdo expresso ou implícito das cláusulas estabelecidas no contrato de consumo.
Assim, levando estas informações em conta, a seguir será apurada a venda casada, um exemplo recorrente de prática abusiva e tema principal deste trabalho.
IV.VENDA CASADA
Para se trabalhar o conceito de venda casada, deve-se entender a importância de proteger a livre escolha do consumidor. O art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, dentre alguns de seus direitos básicos, declara em seu inciso II que o fornecedor de um produto ou serviço deve educar e divulgar sobre o seu consumo adequado, garantindo-lhe a liberdade de escolha e igualdade no momento da contratação. Desta forma, existe a obrigação do fornecedor de explicar ao consumidor o que este está consumindo e todos os ônus que virão com a aquisição daquele bem ou serviço como uma forma de impedir cláusulas abusivas. (HUMBERTO JÚNIOR, 2022, p. 48) Esta obrigação que o fornecedor tem de explicar ao consumidor sobre o que este está comprando advém do direito à informação que este último tem por ser a parte vulnerável na relação de consumo entre estas duas partes.
Com isto dito, passamos a trabalhar sobre o conceito da prática abusiva da Venda Casada. Reza o art. 39, I do CDC que é considerado prática abusiva e é vedado à luz do CDC condicionar uma prestação de serviço ou compra de um produto ao fornecimento de outra prestação de serviço ou compra de produto, bem como, sem motivo justo, a limites quantitativos. Não se pode pedir que o consumidor compre um produto ou serviço - que não seja de sua vontade - para que ele possa ter acesso a um outro produto ou serviço, sendo qualificado como venda casada. Reflete-se que “é venda casada a hipótese em que o fornecedor somente resolve um problema quanto a um produto ou serviço se um outro produto ou serviço for adquirido.” (TARTUCE; NEVES, 2022, p. 441) Quando for observado que o consumidor foi vítima desta prática vedada pelo CDC, haverá a quebra da relação entre fornecedor e consumidor, fazendo com que estas retornem ao status quo ante. (KHOURI, 2020, p. 107)
Ressalta-se que não configura venda casada quando dois ou mais produtos ou serviços são vendidos reunidos em uma forma de oferta conjunta, prática recorrente no mercado, como estratégia de marketing para garantir preços mais atrativos ao consumidor. É evidente que neste caso, para que não seja configurada a prática abusiva, qualquer item desta promoção poderá ser comprado de forma apartada, ainda que por um preço superior. (THEODORO JÚNIOR, 2021, p. 49)
A afirmação n. 9 da Edição 74 da Jurisprudência em Teses do STJ menciona que deverá ser entendido como uma prática abusiva contra o consumidor a limitação da liberdade de escolha, infringindo um de seus direitos básicos, quando se vincula a compra de um produto ou serviço a compra concomitante de outro produto ou serviço de natureza distinta, mas vendidos de forma apartada, sendo considerado a venda casada, vedada pelo CDC. (TARTUCE; NEVES, p. 441)
A ocasião que fez gerar discussão a respeito de venda casada, dando precedentes para a tese, foi o fato de cinemas obrigarem os consumidores telespectadores a comprarem pipocas e outras guloseimas para o filme com eles, impedindo o acesso a àqueles que comprassem alimentos de outros fornecedores. (TARTUCE; NEVES, p. 441) Não se pode limitar o acesso do telespectador ao espaço tendo em vista que este cumpriu o requisito para poder entrar, ou seja, comprou o ingresso de forma lícita. A compra de pipoca e guloseimas no local, é facultado ao consumidor, podendo este escolher o estabelecimento do cinema ou qualquer outro para efetuar sua compra sob pena do fornecedor estar incorrendo em uma prática abusiva lesiva ao consumidor. A razão desta venda casada ser lesiva ao consumidor, além do cerceamento do direito de escolha, é que por não haver concorrência com o estabelecimento, os preços serão elevados arbitrariamente, resultando em um lucro excessivo para o fornecedor e gerando dano ao telespectador, com uma atividade que nada está relacionada à atividade-fim do cinema, desequilibrando ainda mais a relação entre as duas partes. (SANTANNA, 2018, p. 123) (STJ – REsp 1.331.948/SP – Terceira Turma – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – j. 14.06.2016 – DJe 05.09.2016).
Ao discutir a segunda parte do art. 39, II do CDC, quando se trata de limitação mínima de produtos, há que se entender que existem produtos industrializados que não podem ser divididos ou separados, como por exemplo um pacote de macarrão de 500g. (TARTUCE; NEVES, p. 442) Não se pode, neste caso, querer comprar apenas metade do pacote por não se querer comprar meio quilo do produto já que não se trata de uma compra a granel, o pacote foi lacrado em fábrica e não pode ser violado para fazer a separação. Este exemplo mostra uma ressalva ao disposto na limitação mínima de produtos. Ainda, há que se entender também que, conforme mencionado acima, o fornecedor pode realizar promoções que trazem maior benefício ao consumidor a compra de mais de um produto ou serviço, no exemplo de “Compre 2, leve 3”, todavia a compra de qualquer produto ou serviço individual deve ser permitida, ainda que por preço maior. (TARTUCE; NEVES, 2022, p. 442)
Abordam TARTUCE e NEVES (2022, p. 442) que os tribunais superiores têm entendido que existe venda casada quando há a imposição de seguro habitacional realizado por meio de agente financeiro na compra da casa própria usando o Sistema Financeiro de Habitação (SFH) como pode ser observado na ementa abaixo:
Recurso especial repetitivo. Sistema Financeiro da Habitação. Taxa referencial (TR). Legalidade. Seguro habitacional. Contratação obrigatória com o agente financeiro ou por seguradora por ele indicada. Venda casada configurada. 1. Para os efeitos do art. 543-C do CPC: 1.1. No âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, a partir da Lei 8.177/1991, é permitida a utilização da Taxa Referencial (TR) como índice de correção monetária do saldo devedor. Ainda que o contrato tenha sido firmado antes da Lei 8.177/1991, também é cabível a aplicação da TR, desde que haja previsão contratual de correção monetária pela taxa básica de remuneração dos depósitos em poupança, sem nenhum outro índice específico. 1.2. É necessária a contratação do seguro habitacional, no âmbito do SFH. Contudo, não há obrigatoriedade de que o mutuário contrate o referido seguro diretamente com o agente financeiro, ou por seguradora indicada por este, exigência esta que configura ‘venda casada’, vedada pelo art. 39, inciso I, do CDC. 2. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido.
(STJ – REsp 969129/MG – Segunda Seção – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – j. 09.12.2009 – DJe 15.12.2009).
Era habitual que houvesse a necessidade de aderir ao seguro habitacional por meio do agente financeiro no momento da compra da casa pelo SFH e por isso foi necessária a edição da Súmula 473 do STJ, alterando seu teor para “o mutuário do SFH não pode ser compelido a contratar o seguro habitacional obrigatório com a instituição financeira mutuante ou com a seguradora por ela indicada”. (TARTUCE; NEVES, 2022, p. 442)
Semelhante a esta decisão, foi consolidada a jurisprudência no entendimento que será considerado venda casada quando houver a cobrança de seguro automático e compulsório quando for contratado cartão de crédito (STJ – REsp 1.554.153/RS – Terceira Turma – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – j. 20.06.2017 – DJe 01.08.2017; TJRS – Recurso 42750-75.2010.8.21.9000, Porto Alegre – Terceira Turma Recursal Cível – Rel. Des. Eugênio Facchini Neto – j. 14.04.2011 – DJERS 25.04.2011; TJSP – Apelação 0005144-26.2009.8.26.0038 – Acórdão 4998802, Araras – Trigésima Terceira Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Eros Piceli – j. 14.03.2011 – DJESP 24.03.2011; e TJMG – Apelação 4279362-51.2004.8.13.0024, Belo Horizonte – Décima Câmara Cível – Rel. Des. Pereira da Silva – j. 13.07.2010 – DJEMG 23.07.2010).
CONCLUSÃO
Em suma, pode-se concluir que as práticas abusivas são excessos de direito por parte dos fornecedores que induzem o consumidor a erro ou engano, seja por pressão ou inclusive trapaça do fornecedor.
A venda casada é um claro exemplo de prática abusiva, e há que se entender que ela reduz o direito de escolha do consumidor, que simplesmente por estar nesta posição já se encontra na parte mais fraca da relação jurídica. Como pode ser observado nos exemplos trazidos, ainda que a jurisprudência e o Código de Defesa do Consumidor façam a vedação a esta prática abusiva, ainda há fornecedores que lucram em cima do desconhecimento do consumidor.
Dessa forma, por mais que o Código de Defesa do Consumidor seja claro ao tratar dessas práticas, é importante que o consumidor entenda seus direitos para evitar que empresas tirem vantagem indevida.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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