Autores: André Luiz da Silva Costa; Ana Letícia Guedes e Melo; Carolina Rosa da Silva Assunção; Gabriel Francisco Marinho da Silva; Maria Vitória Medeiros Veríssimo da Nóbrega; Matheus de Souza Costa Galvão; Renato Bezerra Jeronimo; Valéria Teixeira de Araujo Melo; Vinícius Marques de Lima
NATAL/RN
Maio/2022
A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Nas palavras de Santos[1], jurisdição é o poder-dever do Estado no sentido de dirimir os conflitos sociais e garantir a ordem jurídica. Nesse sentido, para garantir maior eficiência no exercício jurisdicional, repartiu-se entre os diversos órgãos do Poder Judiciário atribuições especializadas, segundo o instituto da competência. Acerca deste, Garcia[2] leciona que pode ser entendido como a quantidade de jurisdição concedida aos agentes públicos no exercício do poder jurisdicional.
Uma vez que constatou-se a inviabilidade de os Juízes serem habilitados para resolver as matérias de controvérsia sem delimitação, o adequado é que ocorra, observando-se certos critérios, uma divisão quanto ao objeto de apreciação; sendo este, portanto, o papel da competência dentro do ordenamento jurídico brasileiro.
A Teoria da Asserção como pressuposto à definição da Competência da Justiça do Trabalho
Entende-se por Teoria da Asserção a análise das condições de ação, baseando-se apenas nas afirmações das partes, por conseguinte, não se falando em produção de provas para que haja a análise das condições de ação[3], ou seja, estas condições somente são examinadas de plano, a partir das afirmações feitas pelo autor na inicial.[4] Nesse contexto, preconiza Enoque Ribeiro dos Santos, acerca da citada Teoria que
as condições da ação devem ser demonstradas in statu assertionis, ou seja, devem estar contidas nas assertivas (asserções) ou narração apresentada ao juiz, na petição inicial. Ocorrendo o desaparecimento destas ao longo do processo, ou em havendo alteração dos fatos, ainda assim, haverá o julgamento do mérito; isso porque as condições da ação têm fundamento ético e econômico, objetivando a otimização da atividade jurisdicional do Estado, evitando aventuras jurídicas, ou seja, ações sem futuro, com respaldo nos princípios do acesso à Justiça, celeridade, efetividade, simplicidade e instrumentalidade do processo. Hodiernamente, tem prevalecido, na seara processual trabalhista, a teoria da asserção.[5]
Desse modo, percebe-se que Enoque Ribeiro dos Santos já cita a prevalência da Teoria da Asserção quando fala-se da seara trabalhista, destacando-se aqui o ponto da competência, porquanto a partir desta, e da aplicação subsidiária do Art. 43 do Código de Processo Civil, será reconhecida a competência da Justiça do Trabalho por meio dos limites que tenham sido propostos na exordial, isto é, em razão da matéria alegada no pedido e na causa de pedir. Nesse ínterim, ressalta-se importante julgado do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região, o qual retrata a ideia supra trabalhada.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. TEORIA DA ASSERÇÃO.
A Teoria da Asserção, albergada pelo ordenamento jurídico brasileiro, é suficiente para reconhecer a competência da Justiça do Trabalho para dirimir a lide. nesse sentido, dispõe o art. 43, do Novo Código de Processo Civil brasileiro, de aplicação subsidiária, que Determina-se a competência no momento do registro ou da distribuição no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta. Assim, ajuizada a ação, a competência deve ser definida nos limites propostos pela petição inicial, ou seja, em razão da matéria alegada no pedido e na causa de pedir. Dessa forma, não se pode acatar a decisão que dá pela incompetência absoluta da Justiça do Trabalho em razão da matéria porque, no caso, a pretensão do autor é de natureza trabalhista, decorrendo daí a competência desta Justiça Especializada para processar e julgar a lide, nos termos do art. 144, da Constituição Federal de 1988.[6]
No mais, destaca Carlos Henrique Bezerra Leite que o exame das condições da ação deve ser feito no plano lógico e abstrato, isto é, in status assertionis.[7] Assim, para Kazuo Watanabe o juízo preliminar de admissibilidade do exame do mérito se faz mediante o simples confronto entre a afirmativa feita na inicial pelo autor, considerada in statu assertionis e as condições da ação, que são a possibilidade jurídica, interesse de agir e legitimidade para agir[8]. Destarte, caso o resultado desse confronto seja positivo, a ação terá condições de prosseguimento quanto ao julgamento do mérito.
A Constituição Federal e a Emenda Constitucional nº 45/2004
A Constituição Federal de 1988 delimitou a competência material da Justiça do Trabalho de conciliar e julgar processos, nos termos do art. 114. Em sua redação original, este dispositivo normativo trazia, de forma clara e concisa, quais eram as matérias passíveis de serem conciliadas no âmbito da Justiça do Trabalho:
Art. 114 - Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.
A antiga redação do art. 114 limitava sobremaneira a atuação da Justiça do Trabalho nas lides que envolvem situações inerentes à seara trabalhista, uma vez que a utilização do termo empregadores na parte inicial do artigo restringia às lides oriundas de relações empregatícias. Assim, estavam excluídas do campo de atuação da Justiça do Trabalho todas as problemáticas que fugissem da relação estreita que é a relação empregatícia.
Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 45, diversas mudanças foram sentidas no Judiciário brasileiro, sobretudo na Justiça do Trabalho. Entre diversas mudanças do texto constitucional, foi a modificação do art. 114 que mais causou impacto no universo trabalhista.
Agora reformulado, o art. 114 teve seu caput enxuto e foi à ele inserido nove incisos, cada um deles sendo uma hipótese de competência da Justiça do Trabalho:
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
II as ações que envolvam exercício do direito de greve;
III as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;
IV os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data , quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;
V os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;
VI as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;
VII as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;
VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;
IX outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.
§ 1º Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.
§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.
§ 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.
Mais uma mudança percebida foi a troca do termo conciliar para o termo processar, no caput do artigo. Essa alteração, apesar de pequena, gerou certo desconforto à época, pois alguns juristas temiam a desvalorização da atividade conciliatória no âmbito trabalhista. Contudo, este receio não se concretizou, haja vista o vasto incentivo à adesão de políticas conciliatórias nos Tribunais trabalhistas, a exemplo da Resolução CSJT Nº 174/2016, que em seu art. 4º dispõe:
Art. 4º O CSJT organizará programa com o objetivo de promover ações de incentivo à autocomposição de litígios e à pacificação social por meio da conciliação e da mediação. Parágrafo único. O programa será implementado com a participação de rede constituída por todos os Órgãos do Judiciário Trabalhista, autorizando-se a participação, em parceria, de entidades públicas e privadas, inclusive universidades e instituições de ensino
A inserção dos incisos ao art. 114 foi uma clara tentativa do legislador de ampliar a competência material da Justiça do Trabalho, outrora tão concentrada nas relações empregatícias. Utilizando a expressão relação de trabalho em seu inciso I, em substituição à trabalhadores e empregadores, a seara de atuação da Justiça do Trabalho passa a abarcar (quase) todas as lides que se situam no universo trabalhista. Assim, cada um dos incisos relaciona-se de maneira mais ou menos intrínseca com a seara trabalhista.
O alargamento da competência material da Justiça do Trabalho visava a proteção de outros trabalhadores que não estavam submetidos a relações empregatícias, como os trabalhadores autônomos e trabalhadores informais. Contudo, o Supremo Tribunal Federal, buscando sanar as divergências surgidas com tantas modificações trazidas pela EC nº 45, proferiu decisões polêmicas, que excluíram ou confirmaram o âmbito de atuação da Justiça do Trabalho, como veremos a seguir.
JULGAMENTOS MAIS RELEVANTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Servidores Públicos
A ADI nº 3395/DF, ajuizada pela AJUFE - Associação dos Juízes Federais do Brasil e pela ANAMAGES - Associação Nacional dos Magistrados Estaduais. Questionava a competência da Justiça do Trabalho para processar causas relativas a servidores públicos.
A tese era de que haveria inconstitucionalidade formal na votação do art. 114 da Constituição Federal (o Senado Federal teria aprovado uma nova redação que excluía os servidores públicos da competência da Justiça do Trabalho, porém essa nova redação não foi apreciada pela Câmara dos Deputados). Além disso, o novo texto teria uma inconstitucionalidade por caracterizar a relação dos servidores como uma relação de trabalho, quando na verdade o que eles tinham era uma relação estatutária.
Houve pedido de medida cautelar que foi apreciado e restou decidido, por determinação do Ministro Nelson Jobim, então presidente da Corte, ad referendum, que eram para ficar suspensas toda e qualquer interpretação dada ao inciso I do art. 114 da CF, na redação dada pela EC 45/2004 que incluísse na apreciação do poder judiciário trabalhista as causa entre o poder público e seus servidores. Se concluiu que não caberia a competência da Justiça do Trabalho pois não se caracteriza como relação de trabalho.
O entendimento do Relator, o Min. Alexandre de Morais, foi de que não existiria inconstitucionalidade formal em relação à votação, pois mesmo assim o texto não seria capaz de alcançar as relações entre a Administração Pública e seus servidores, segundo ele, a apreciação dessas causas pela Justiça do Trabalho faria uma transmutação nas relações de natureza jurídico-estatutária, que seriam relações com um acervo de características próprias, nas quais pontifica antes de tudo o interesse público e a ausência de espaços para considerações de ordem estritamente privada, em relações essencialmente contratuais.
Deve-se observar que no voto do Relator, foram usados entendimentos do Supremo Tribunal Federal que datavam de 1993 (ADI 492, Relator Min. Carlos Velloso). Para Audrey Chocair Vaz (2021) o resultado do julgamento faz parecer
como se, qualquer que fosse a alteração da Constituição Federal, houvesse uma cláusula pétrea implícita, irrevogável, inalterável, que transpassasse o tempo e as Constituições, e, se sobrepondo inclusive ao Parlamento, determinasse a impossibilidade da Justiça do Trabalho apreciar esse tipo de causa.
Além disso, trata-se de uma ação humana que depende da força de trabalho humana. Importante o voto vencido do Ministro Edson Fachin em que se faz referência a artigo jurídico, ao perguntar se o poder legislativo, após anos discutindo mudanças na constituição, tenha resolvido mudar o texto apenas para manter o mesmo significado.
Concursos Públicos
Compete à Justiça Comum processar e julgar controvérsias relacionadas à fase pré-contratual de seleção e de admissão de pessoal e eventual nulidade do certame em face da Administração Pública, direta e indireta, nas hipóteses em que adotado o regime celetista de contratação de pessoas, salvo quando a sentença de mérito tiver sido proferida antes de 6 de junho de 2018, situação em que, até o trânsito em julgado e a sua execução, a competência continuará a ser da Justiça do Trabalho.
É o entendimento mais recente do STF em relação ao tema, proveniente do RE 960249/RN, que originou o tema 992, de Repercussão Geral. O mais recente entendimento proveniente do julgamento de embargos de declaração que modularam os efeitos.
Contribuição Sindical
A alteração do texto constitucional (CF, art 114) pela EC 45/2004 dispôs novas competências à Justiça do Trabalho no processamento e julgamento de causas relativas à representação sindical[9], atribuindo ao órgão a competência de dirimir controvérsias relacionadas à representação de entidades sindicais e às ações entre sindicatos e empregadores.
O STF, por sua vez, definiu que não competiria à Justiça do Trabalho dirimir impasses sindicais de servidores públicos estatutários. Neste sentido, julgou o Recurso Extraordinário 1.089.282 em 2020, sob relatoria do Ministro Gilmar Mendes, em que decidiu pela competência da Justiça comum para processar e julgar causas que tratem do recolhimento e do repasse da contribuição sindical de servidores públicos regidos pelo regime estatutário:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. TEMA 994. DIREITO DO TRABALHO. DIREITO ADMINISTRATIVO. DISCUSSÃO SOBRE COMPETÊNCIA.
1. Controvérsia relativa à competência para processar e julgar demandas nas quais se discutem o recolhimento e o repasse de contribuição sindical de servidores públicos regidos pelo regime estatutário, questão não abrangida pela ADI n. 3.395. 2. Competência da Justiça comum para apreciar causas que sejam instauradas entre o Poder Público e os servidores a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo. 3. Fixação da tese: Compete à Justiça comum processar e julgar demandas em que se discute o recolhimento e o repasse de contribuição sindical de servidores públicos regidos pelo regime estatutário. Recurso extraordinário provido. (STF. RE 1.089.282, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 07/12/2020) (grifo acrescido)
Neste processo, o Estado do Amazonas questionava a decisão do TJ-AM que declarou incompetência para julgar acerca de recolhimento de contribuição sindical dos servidores da Defensoria Pública local, direcionando o caso à Justiça do Trabalho. O Estado alegou, junto ao Supremo, que a contribuição sindical dizia respeito a servidores públicos estatutários, atraindo, portanto, a competência da Justiça comum. Segundo o relator, a competência prevista no art 114, III não pode ser interpretada de forma isolada. Esse dispositivo deve ser compreendido com base na decisão da Corte na apreciação da ADI 3345.
A partir deste impasse, surgiram discussões acerca das reais competências da Justiça do Trabalho para julgar causas sindicais. Em sentido divergente ao que fora julgado no STF, a 6ª Turma do TST deferiu Agravo de Instrumento favorável à competência da Justiça do Trabalho em controvérsia sindical.
I - AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.467/2017. TRANSCENDÊNCIA. AÇÃO ENTRE TRABALHADOR E SINDICATO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. (...)
II - RECURSO DE REVISTA. RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.015/2014. LEI Nº 13.467/2017. AÇÃO ENTRE TRABALHADOR E SINDICATO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. (...) 2- O Tribunal Regional decidiu pela incompetência da Justiça do Trabalho para julgar a presente lide, na qual se pleiteia indenização por dano moral decorrente da atuação do sindicato na defesa dos interesses da categoria. (...) 5 - Como se observa, o inciso III do referido dispositivo prevê regra de competência da Justiça do Trabalho em razão da matéria(ações sobre representação sindical) e em razão da pessoa (ações entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores). (...) 7 - Dessa forma, tratando-se a hipótese dos autos de ação entre Sindicato e trabalhador, decorrente da atuação sindical na representação de seus filiados, é competente a Justiça do Trabalho para julgar a demanda, conforme expressa previsão constitucional. Julgados. 8 - Recurso de revista a que se dá provimento. (TST. RR 10101-49.2017.5.15.0102, Rel. Katia Magalhães Arruda, j. 07/04/2021) (grifo acrescido)
No caso em questão, o juízo de 1º grau julgou improcedente o pedido do trabalhador. Em segunda instância, o Tribunal Regional da 15ª Região, examinando o recurso, entendeu por sua incompetência para julgar a questão, direcionando-o à Justiça Comum por se tratar de natureza civil entre entidade sindical e filiado. A relatora Katia Arruda embasou sua decisão totalmente na Constituição Federal, posicionando-se favorável à competência da Justiça do Trabalho no processo em questão.
Acidente de Trabalho
A consolidação da jurisprudência da nossa Egrégia Corte Constitucional quanto à competência da Justiça do Trabalho (ou sua incompetência) para julgar casos que dizem respeito à acidentes de trabalho se funda em diversos julgados e súmulas, muitas delas vinculantes, tratando das diversas nuances que podem existir dentro deste recorte temático do Direito.
De acordo com a Súmula Vinculante 22 do STF, a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho propostas por empregado contra empregador, inclusive aquelas que ainda não possuíam sentença de mérito em primeiro grau quando da promulgação da Emenda Constitucional nº 45/04. Esta tese, definida no RE 600.091, de relatoria do Min. Dias Toffoli, reanalisou a designação desta competência, visto que entendimentos anteriores eram ainda influenciados pela jurisprudência firmada no STF baseada nas antigas redações constitucionais.
Quanto ao julgamento de ações de acidente de trabalho, inclusive em segunda instância, é competente a Justiça Cível comum, ainda que seja parte autarquia seguradora, bem como traz a Súmula 235.
Do mesmo modo que a Súmula 235 se correlaciona com o tema das ações acidentárias que, propostas pelo segurado contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), visam a prestação de benefícios relativos a acidentes de trabalho, o Supremo Tribunal Federal aprovou ainda a Súmula 501, definindo enquanto competência da Justiça Ordinária Estadual o processo e o julgamento, em ambas as instâncias, das causas de acidente do trabalho, ainda que promovidas contra a União, suas autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista. Pode-se observar em mais detalhes esses entendimento, in verbis:
Remarque-se, então, que as causas de acidente do trabalho, excepcionalmente excluídas da competência dos juízes federais, só podem ser as chamadas ações acidentárias. Ações, como sabido, movidas pelo segurado contra o INSS, a fim de discutir questão atinente a benefício previdenciário. Logo, feitos em que se faz presente interesse de uma autarquia federal, é certo, mas que, por exceção, se deslocam para a competência da Justiça comum dos Estados. Por que não repetir? Tais ações, expressamente excluídas da competência dos juízes federais, passam a caber à Justiça comum dos Estados, segundo o critério residual de distribuição de competência. Tudo conforme serena jurisprudência desta nossa Corte de Justiça, cristalizada no enunciado da Súmula 501. 12. Outra, porém, é a hipótese das ações reparadoras de danos oriundos de acidente do trabalho, quando ajuizadas pelo empregado contra o seu empregador. Não contra o INSS. É que, agora, não há interesse da União, nem de entidade autárquica ou de empresa pública federal, a menos, claro, que uma delas esteja na condição de empregadora. O interesse, reitere-se, apenas diz respeito ao empregado e seu empregador. Sendo desses dois únicos protagonistas a legitimidade processual para figurar no pólos ativo e passivo da ação, respectivamente. Razão bastante para se perceber que a regra geral veiculada pela primeira parte do inciso I do artigo 109 da Lei Maior - definidora de competência em razão da pessoa que integre a lide - não tem como ser erigida a norma de incidência, visto que ela não trata de relação jurídica entre empregados e empregadores. Já a parte final do inciso I do artigo 109 da Magna Carta, segundo demonstrado, cuida é de outra coisa: excepcionar as hipóteses em que a competência seria da própria Justiça Federal.
[CC 7.204, rel. ministro Ayres Britto, P, j. 29-6-2005, DJ de 9-12-2005.] (grifos nossos)
Previdência Complementar Fechada
Dentre as modalidades de Previdência, cumpre mencionar as peculiaridades referentes à previdência complementar fechada, tendo em vista a relevância das suas discussões no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
Nessa linha, é preciso reconhecer que a discussão acerca da competência para lidar com essa matéria foi objeto do Tema nº 190, com Repercussão Geral, do STF e, também, do Tema nº 539 do Superior Tribunal de Justiça.
Nessa discussão, fixou-se a tese de que competiria à Justiça Comum o julgamento das controvérsias sobre complementação de aposentadoria, ajuizadas contra entidades de previdência privada. Também é importante destacar que, nessa mesma oportunidade, o STF entendeu que a previdência complementar não integra o contrato de trabalho, apesar de ser consequência deste, modulando os efeitos da decisão para que todas as sentenças de mérito proferidas até 20.02.2013 se mantivessem na Justiça do Trabalho.
Noutro pórtico, também é salutar destacar o distinguishing feito pela Suprema Corte na oportunidade do julgamento do RE nº 1.265.564, leading case do Tema nº 1.166, de relatoria do Ministro Luiz Fux, que teve o voto acompanhado pelos demais Ministros.
Nesta última decisão o recorrente sustentou que a aposentadoria complementar não teria relação com o contrato de trabalho, mas decorreria da relação de direito previdenciário privado, e, com base nos arts. 114, I e 202, §2º da Constituição Federal, a competência seria da Justiça Comum.
Vencida esta linha argumentativa, foi julgado improcedente este Recurso Extraordinário, fixando-se a tese de que Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar causas ajuizadas contra o empregador nas quais se pretenda o reconhecimento de verbas de natureza trabalhista e os reflexos nas respectivas contribuições para a entidade de previdência privada a ele vinculada. Nesse sentido, quando se discutir pedidos sucessivos de revisão salarial e complementação de previdência complementar fechada, tratar-se-á de competência da Justiça do Trabalho, como aponta o STF nos seguintes julgados: 1.242.249-AgR-EDv-AgR (DJe de 17.06.2021), ARE 1.276.711-AgR (DJe de 10.02.2021), RE 1.221.534-AgR (DJe de 05.05.2020), RE 1.249.978-AgR (DJe de 23.06.2020), RE 1.256.768-AgR (DJe de 22.05.2020) e ARE 1.245.627-ED-AgR (DJe de 01.06.2020).
Trabalho Artístico Infantil
O trabalho artístico infantil gerou perspectivas divergentes quanto à competência para julgar suas questões. Por um lado, alguns juristas defendem que a competência é da Justiça do Trabalho, pois essa é a área mais indicada para analisar casos referentes ao trabalho humano, o que compreende o trabalho infantil artístico. Por outro, há quem defenda que a competência para julgar seja das Varas de Infância e Adolescência.
A questão chegou até o Supremo Tribunal Federal, por meio de ADI 5326, onde, em medida cautelar, o relator, Ministro Marco Aurélio, entendeu pela existência de inconstitucionalidade material das normas do Poder Judiciário e do Ministério Público, pois atribuiriam competência à Justiça do Trabalho à revelia do previsto do artigo 114 da CF.
Segundo o relator, a Constituição Federal, ao estabelecer no artigo 227 o Estatuto da Criança e do Adolescente e prever a Justiça da Infância e Juventude, criou um ramo especializado, dentro da Justiça Comum, definido pelo critério absoluto da matéria.
Ressaltou que no pedido de alvará ou autorização para o trabalho artístico infantil não há relação de trabalho a ser julgada, e sim, necessidade de investigação se as condições da representação artística atendem à exigência de proteção do melhor interesse do menor, se coloca em risco o adequado desenvolvimento do menor.
Apenas a Ministra Rosa Weber divergiu desse entendimento, fundamentando que se estiver presente relação de trabalho durante o desempenho de atividade artística pela criança ou adolescente, a competência seria da justiça do trabalho, enquanto que se não houvesse tal relação, então seria competência da justiça comum.
Em linhas gerais, a defesa da matéria foi pela competência da Justiça comum, já que às Varas da Infância e Juventude cabe a proteção integral da criança, que é mais ampla que a proteção do trabalho.
Só a medida cautelar foi concedida, a ADI 5326 continua em andamento.
Representação Comercial
A profissão de representante comercial é regulamentada pela Lei nº 4.886/65, que estipula os requisitos para o exercício da profissão, bem como suas vedações, especificando as questões contratuais que envolvem o desempenho da função. O tema 550, de setembro de 2020, definiu que o julgamento dos processos envolvendo relações jurídicas entre representante comercial e a empresa representada compete à Justiça Comum, já que não se trata de uma relação trabalhista.
A repercussão geral acerca do assunto surgiu a partir da RE 606003/RS, em que o relator, Min Marco Aurélio, votou pela competência da Justiça do Trabalho para reger causas sobre profissionais da representação comercial. Este ponto de vista veio a partir da interpretação da Emenda Constitucional 45/2004, compreendendo que a competência da Justiça do Trabalho teria alcançado esta matéria. Na ocasião, o Min. Luís Barroso abriu divergência quanto ao posicionamento do relator, defendendo a não existência de vínculo de trabalho nesta relação por não haver elemento de subordinação.
Por fim, a divergência foi acompanhada pela maioria, considerando que esta proteção constitucional ao trabalho não significa que toda relação entre contratante e prestador de serviço possa ser protegida pelo art. 114, CF.
Motoristas de Caminhão
Em 2015, alterações legislativas na lei nº 11.442/2007, a qual versa acerca do transporte rodoviário por conta de terceiros, pacificaram o entendimento de que é possível a terceirização da atividade de transporte e que a relação entre os partícipes do transporte de carga não caracteriza vínculo empregatício[10]. Dessa forma, evidencia que a competência para atuar nos contratos de transportes de carga é da Justiça Comum.
A uniformização do tema teve extrema relevância, uma vez que era comum os motoristas de caminhões ingressarem na Justiça do Trabalho alegando que estavam trabalhando sob os requisitos da CLT e requisitando o reconhecimento do vínculo trabalhista.
Nesse sentido, há de se mencionar a Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) 48, postulada pela Confederação Nacional do Transporte com o intuito de ter reconhecida a constitucionalidade de alguns artigos da mencionada lei.
O acórdão, todavia, não foi significativamente inovador, uma vez que somente reconheceu a licitude da terceirização da atividade-fim da empresa - o que já havia sido objeto de julgamentos anteriores - e expôs a possibilidade do reconhecimento do vínculo empregatício quando for constatada fraude.
Posteriormente, duas turmas do STF afastaram a competência da Justiça do Trabalho em casos em que motoristas pleitearam verbas tipicamente trabalhistas ao alegar que trabalhavam sob os requisitos do art. 3º da CLT.
Nota-se, nesse sentido, que houve a inversão de ordem procedimental, tendo em vista que a competência é definida pelo pedido e causa de pedir, o que faria com que os casos supracitados fossem de competência da Justiça do Trabalho e, em não se verificando o cumprimento dos requisitos, seria julgado improcedente o pedido.
A importância desse tema perpassa a temática dos motoristas de caminhão, posto que se consolidado o entendimento, a Justiça do Trabalho poderia atuar somente nas causas de trabalhadores com a CTPS formalizada.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, conclui-se que a competência da Justiça do Trabalho foi acertadamente ampliada pela Emenda Constitucional 45/2004, passando esta a abordar não mais a espécie de relações de emprego, mas o gênero de relações de trabalho, nos termos do art. 114 da Constituição Federal.
Em que pese a expansão da referida competência em termos legislativos, nota-se que, nos casos concretos, a alteração surtiu poucos efeitos, tendo em vista a compreensão restritiva e equivocada do Supremo Tribunal Federal, demonstrada pelos relevantes julgamentos analisados. Dessa forma, faz-se necessário que a Suprema Corte realize uma leitura que valorize efetivamente o ramo da Justiça do Trabalho como especializado, eficiente e apto a processar e julgar, de maneira ampla, as causas que versem sobre as relações de trabalho.
REFERÊNCIAS
Consultor Jurídico. Ação de trabalhador contra sindicato é de competência da Justiça do Trabalho. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-mai-19/justica-trabalho-julgar-acao-trabalhador-sindicato>. Acesso em 26 abr. de 2022.
STF. Ações sobre contribuição sindical de servidores estatutários devem ser julgadas pela Justiça comum. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=456919&ori=1>. Acesso em 25 abr. 2022
VAZ, Audrey Choucair. 80 anos da Justiça do Trabalho - Uma competência em expansão ou em retratação? Revista do TRT10, Brasília, v. 25, n. 1, 2021.