Artigo Adriana Garibe
Não há dúvida que as crianças e os adolescentes do mundo moderno são usuários assíduos da internet e da tecnologia em geral. Na maioria das vezes eles têm até mais familiaridade e facilidade em lidar com os avanços da tecnologia e com os mais diversos dispositivos e sistemas eletrônicos do que os adultos, uma vez que já nasceram inseridos nesse universo digital. Inclusive, um terço dos usuários de internet no mundo são crianças, mesmo considerando que mais de quatro milhões de crianças e adolescentes não têm acesso à internet. Crianças e adolescentes utilizam os mais diversos meios digitais para trabalhos escolares, contatos com família e amigos e principalmente para diversão através de filmes, séries, jogos e redes sociais. Com a pandemia da Covid-19, o uso da internet e dos aparelhos eletrônicos se intensificou à medida que as aulas passaram a ser ministradas de forma on-line.
Contudo, em que pesem os benefícios trazidos pela tecnologia, o uso da internet pelas crianças e adolescentes traz inúmeras preocupações. Isto porque os menores nem sempre têm o discernimento necessário e nem maturidade para evitar o acesso a conteúdos nocivos, bem como para impedir o uso indevido de seus dados pessoais, a prática de cyberbullying e o aliciamento sexual.
O arcabouço jurídico voltado para proteção dos menores é grande, de modo que podemos citar o artigo 227 da Constituição Federal, a Convenção sobre Direitos da Criança, Estatuto da Criança e do Adolescente, os artigos 36, 37 e 38 do Código de Defesa do Consumidor, o Marco Legal da Primeira Infância e a Lei Geral de Proteção de Dados, entre outros. Todavia, legislar sobre o tema não se mostra suficiente e não esgota as preocupações e desafios que envolvem o tratamento de dados pessoais de menores e o uso da tecnologia por eles.
Sendo assim, se faz necessária a criação de mecanismos de controle efetivo para evitar que a tecnologia e a internet sejam utilizadas em malefício dos menores, justamente para fazer valer o que prevê a legislação. Além dos mecanismos de controle, é preciso investir principalmente em educação digital, uma vez que a proibição do uso de tais tecnologias pelos menores não nos parece ser uma saída viável, já que as novas gerações estão completamente inseridas neste universo digital e tecnológico. As crianças precisam ser protegidas na internet e não da internet propriamente dita.
A internet das coisas (IOT) já é uma realidade. Diversos dispositivos já podem ser conectados à internet, os quais realizam a constante coleta de dados pessoais e hábitos dos usuários, dentre eles crianças e adolescentes. Nesse sentido, muitos brinquedos, dispositivos eletrônicos, bem como mídias sociais usadas pelos menores, realizam o tratamento de dados pessoais e influenciam seu comportamento, o que merece atenção, pois de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados, a coleta e o uso de dados pessoais de crianças e adolescentes só é lícita se for realizada no seu melhor interesse. Sabemos, contudo, que na maioria das vezes o tratamento de dados pessoais visa o melhor interesse das corporações e não dos usuários.
Outra prática muito comum envolvendo os menores em ambiente digital e que merece atenção é o chamado sharenting, que consiste na divulgação de imagens ou criação de perfis pelos próprios pais para seus filhos menores de idade em nome deles, visando ou não fins comerciais. Isso também levanta preocupações, pois as crianças e adolescentes se encontram em fase sensível do desenvolvimento humano, sendo assim, mais vulneráveis. É nesta fase que o indivíduo começa a formar suas percepções e valores a partir das influências que sofre.
Nesse sentido, é importante que o menor tenha contato com conteúdo de qualidade, que lhe possa agregar valor, garantindo, assim, sua privacidade, integridade moral, psíquica, física e sexual. Evitando assim, o incentivo ao hiperconsumo, distanciamento social, prática de discriminação digital e exploração comercial. A exploração comercial e a publicidade infantil sem a devida observância do melhor interesse do menor trazem inúmeros malefícios para sua formação, tais como: consumismo, erotização precoce, distúrbios alimentares, estímulos à violência e uso de drogas ou álcool, distanciamento do indivíduo de prática de exercícios e atividades criativas ao ar livre, entre outros.
Dessa forma, é dever de todos aqueles que estejam envolvidos direta ou indiretamente na formação de crianças e adolescentes como pais, responsáveis, professores, estado, líderes religiosos e até mesmo empresas, garantir o melhor interesse do menor. Nesse sentido, algumas ações podem ser adotadas, tais como minimização no uso de dados pessoais, restringindo a coleta ao que for realmente imprescindível, espaços digitais livres de exploração comercial e publicidade infantil, técnicas de indução educativas, padrões de segurança e indicação classificativa. Acrescento que as empresas sejam fiscalizadas para que estabeleçam os mais altos padrões de ética, transparência, privacidade e segurança em relação ao design, distribuição e comercialização de seus produtos e serviços.
Adriana Garibe é advogada e coordenadora da área de Direito Digital do Lemos Advocacia Para Negócios.