Preciso estar efetivamente morando no imóvel para ter direito à Usucapião?

12/10/2022 às 13:51
Leia nesta página:

NÃO SÃO todas as modalidades de Usucapião que exigem o requisito da MORADIA para seu reconhecimento judicial ou extrajudicial. É sempre importante analisar os pedidos de Usucapião estritamente considerando que existe no ordenamento diversas modalidades que por suas vezes variam no que diz respeito aos seus requisitos. Igualmente importante é considerar que todas as espécies existentes partem da matriz comum que reclama a existência e comprovação de TEMPO (que é sempre variável), POSSE qualificada (com ânimo de dono) e COISA HÁBIL (já que não são todos os bens que podem ser usucapíveis).

É certo que, por exemplo na modalidade USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA - muito comum, diga-se de passagem - há exigência do requisito da MORADIA e, de acordo com a Lei, seu reconhecimento pode ser postulado desde que comprovados 05 (cinco) anos de "posse qualificada", com ânimo de DONO:

"Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua MORADIA ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural".

Como regra geral que sempre observamos, quanto MENOR o prazo exigido MAIORES serão os requisitos. Veja-se que nessa importante modalidade de Usucapião há também exigência de que o pretendente não seja proprietário de qualquer outro imóvel RURAL nem URBANO. Diferentemente, na igualmente importante modalidade USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA o prazo exigido de posse qualificada é maior (15 anos) e não existe nem exigência de JUSTO TÍTULO, nem BOA-FÉ e muito menos MORADIA.

Aqui cabe uma peculiar observação: nesta modalidade a eventual existência de MORADIA no imóvel ou a realização nele de OBRAS ou SERVIÇOS DE CARÁTER PRODUTIVO terão o condão de reduzir o prazo exigido de 15 (quinze) para 10 (dez) anos, o que por certo facilitará a regularização do mesmo. Confira-se a letra da Lei:

"Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo REDUZIR-SE-Á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua MORADIA habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo".

Acerca da modalidade assinalada ensina o ilustre tratadista, Dr. BENEDITO SILVÉRIO em sua emblemática obra (Tratado de Usucapião. 2012):

"Em suma, para o reconhecimento da usucapião extraordinária é indispensável que se façam presentes os requisitos consistentes em POSSE qualificada e lapso de TEMPO, sem olvido de que a COISA deverá ser hábil (suscetível de ser usucapida)".

E é também do mesmo mestre o destaque para a importância da regularização imobiliária pela via da Usucapião para se alcançar a tão desejada paz social:

"A prescrição aquisitiva estabelece a FIRMEZA DA PROPRIEDADE, libertando-a de reivindicações inesperadas, calando pleitos numerosos e inextrincáveis, plantando a PAZ e a SEGURANÇA na vida social".

Como sempre recordamos aqui, a reunião dos requisitos necessários à usucapião por si só confere o estabelecimento da PROPRIEDADE em favor do prescribente, todavia, é somente com o reconhecimento judicial ou extrajudicial da Usucapião que o pretendente terá acesso ao REGISTRO PÚBLICO para nele escriturar seu DIREITO e ser com isso protegido com a PUBLICIDADE, OPONIBILIDADE e DISPONIBILIDADE, enfim, toda a SEGURANÇA JURÍDICA que somente o Registro Imobiliário pode conferir à propriedade.

POR FIM, julgado do TJSP que com todo acerto afastou a necessidade de comprovação de utilização do imóvel como moradia já que o originalmente o pedido fora deflagrado com base na modalidade extraordinária onde o uso como moradia não é requisito obrigatório:

"TJSP. 0159081-34.2013.8.26.0000. J. em: 10/09/2013. AGRAVO DE INSTRUMENTO. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. DESNECESSIDADE DE PROVA DO USO DO IMÓVEL COMO MORADIA. DOCUMENTOS MENCIONADOS PELO MAGISTRADO QUE NÃO SÃO REQUISITOS PARA A INSTRUÇÃO DA EXORDIAL. ÔNUS DA PROVA QUE PERTENCE À PARTE. DECISÃO MANTIDA, APENAS, NO TOCANTE À REGULARIZAÇÃO DOS DOCUMENTOS DIGITALIZADOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Decisão que determinou a juntada de documentos comprobatórios do uso do imóvel como MORADIA por vários anos. DESNECESSIDADE. Pedido embasado na modalidade de usucapião EXTRAORDINÁRIA. 2. Ônus da prova que pertence à parte, não havendo qualquer exigência legal ou proibição quanto a determinado tipo de prova (documental, oral, pericial, etc.), cujo cabimento será oportunamente analisado pelo magistrado. 3. (...). 4. Recurso parcialmente provido, apenas para afastar a determinação de juntada de documentos que comprovem o uso do imóvel como moradia. 5. Agravo de instrumento parcialmente provido".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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