Resumo
A influência da constitucionalização pós Segunda Guerra Mundial, restabeleceu o vínculo entre direito material e processual, validando a ampliação da intervenção estatal, a sociedade e a nova constituição resultando a um aumento dos poderes e funções dos juízes. Com isso, o presente estudo, tem por objetivo enunciar a identificação cultural que influenciou a estruturação do processo civil do estado liberal para o estado democrático até os dias atuais. Visto que, ao assumir explicitamente o princípio da dignidade da pessoa humana, o sistema de direitos que visa a proteção do individuo ocupa, assim, um lugar central no ordenamento jurídico brasileiro. Nesse sentido, os direitos humanos passaram a ser autenticado como uma continuidade de um processo de expansão de questionáveis valores ocidentais, após o fim do período colonialista. Diante dessa perspectiva, se faz necessário, elucidar quando se deu a organização do processo civil de um estado liberal para um estado democrático de direito em consonância com a fundamentação histórica dos direitos humanos a Constituição Federal de 1988? A participação democrática do povo é vista como um mecanismo de resistência e luta em que as instituições não mais se baseiam apenas na lei, mas nos próprios cidadãos. Tanto que "abraçar uma constituição aberta, sem governo sem cidadania, sem soberania legítima sem povo" significaria a natureza da nova legitimidade. a importância da constituição irá revitalizar o processo civil (anteriormente baseado em amplas liberdades para todas as partes). Apenas a indulgência legal é exigida perante um juiz e na decisão de ações que literalmente enquadra-se num espaço moldado pelos direitos fundamentais bom para a participação política, juízes e partidos políticos não são mais rivais visando alcançar a democracia participativa de hoje.
Palavras chaves: Constituição brasileira de 1988. Pós-colonialismo. Direitos humanos.
THE ORGANIZATION OF CIVIL PROCEDURE FROM THE LIBERAL STATE TO THE DEMOCRATIC STATE OF LAW: HISTORICAL FOUNDATIONS AND HUMAN RIGHTS IN THE BRAZILIAN CONSTITUTION OF 1988 FROM THE POST-COLONIAL PERSPECTIVE
Abstract
The influence of post-World War II constitutionalization re-established the link between substantive and procedural law, validating the expansion of state intervention, society and the new constitution resulting in an increase in the powers and functions of judges. With this, the present study aims to enunciate the cultural identification that influenced the structuring of the civil process from the liberal state to the democratic state until the present day. Since, by explicitly assuming the principle of human dignity, the system of rights aimed at protecting the individual thus occupies a central place in the Brazilian legal system. In this sense, human rights began to be authenticated as a continuation of a process of expansion of questionable Western values, after the end of the colonialist period. In view of this perspective, it is necessary to elucidate when the organization of the civil process from a liberal state to a democratic state of law in line with the historical foundation of human rights the Federal Constitution of 1988? The democratic participation of the people is seen as a mechanism of resistance and struggle in which institutions are no longer based only on the law, but on the citizens themselves. So much so that "embracing an open constitution, without government without citizenship, without legitimate sovereignty without people" would signify the nature of the new legitimacy. the importance of the constitution will revitalize the civil process (previously based on broad freedoms for all parties). Only legal leniency is required before a judge and in deciding actions that literally fit into a space shaped by fundamental rights good for political participation, judges and political parties are no longer rivals to achieve today's participatory democracy.
Keywords: Brazilian Constitution of 1988. Post-colonialism. Human rights.
INTRODUÇÃO
Atualmente, as discussões em torno do aumento dos poderes dos juízes são constantes e intensas, que geralmente terminam em verificação de apropriações de bens parciais a cerca das atividades jurisdicionais, executivas e legislativas.
No entanto, a doutrina que parece ser o aumento do poder dos órgãos judicantes, passa a ser uma consequência natural de um Estado adjudicado com a sociedade que se preocupa com questões econômicas, sociais das mesmas, demonstrando uma nova forma de compreender a Constituição onde ninguém nega, mas todos defendem cujo paradoxo, parece ser não aparente argumentando-se a, ampliação de atividades do magistrado que é instrumento resultante das premissas reconhecidas como indiscutíveis pela mesma autoridade que questiona o intrometimento de poderes.
Uma explicação para esse modo de pensar, é que, a maioria dos profissionais do meio jurídico, se mantém indiferente à natureza cultural do direito ao processo lógico. Por essa razão, o tema proposto busca retornar aos tempos da colonização para entender como se deu a organização do processo civil do estado liberal para o estado democrático que foi fundamentado na declaração dos direitos humanos e expressamente constitucionalizado em 1988, para melhor entender se a atuação do conhecimento jurídico atual está sendo exercido dentro dos pressupostos ético-axiológicos inseridos nos elementos estruturantes do denominado Direito Humano.
O presente artigo está dividido em três capítulos cujo primeiro refere-se à herança colonial e os direitos humanos fundamentais arraigados no ordenamento jurídico atual, onde mostra que a colonização envolve não apenas a administração colonial direta de certas partes do mundo, mas também dominação, exploração e controle, incluindo a dimensão intelectual do Brasil e do conhecimento jurídico.
O segundo capitulo retrata a fundamentação da segregação do Estado absolutista com o Estado de Direito Liberal através dos mecanismos utilizados pelo absolutismo monárquico, em que demonstra o papel do juiz como espelho do Estado onde a reatividade, que tinha pouco poder, acabou por desfilar processualmente de acordo com o livre arbítrio dos litigantes.
E por fim, o terceiro capítulo o processo civil entre duas épocas: insustentabilidade do direito liberal e as novas relações entre jurisdição e legislação.
Portanto, os direitos fundamentais, por serem inerentes à ideologia, os valores e princípios consagrados na Constituição. E com isso, cada país tem seus direitos e garantias fundamentadas especificamente, vinculando-os tanto internamente quanto no campo das relações internacionais.
1. A herança colonial e os direitos humanos fundamentais arraigados no ordenamento jurídico atual
A colonialidade continua sendo mantida a partir da construção do imaginário cognitivo universal onde o tráfico de escravos, a dos povos indígenas e suas terras foram expropriadas em nome da razão universal. Em outras palavras, a retórica positiva da modernidade justifica a lógica destrutiva do colonialismo e enfatiza o conceito de subordinação. Essa visão impregna a declaração de que conhecimento é poder. Em todas as esferas da atividade humana, o conhecimento é um dos fulcros da dominação. Além disso, no atual processo de globalização, o campo do conhecimento técnico torna-se simbolicamente o determinante das relações de poder. Tais relações foram construídas e constituíram saberes detalhados que definiram o dominante e o os dominados e com isso o Estado brasileiro ficou remetido ao conceito de subalterno.
A condição de subalternidade, portanto, é a do silêncio, ou seja, o subalterno carece necessariamente de um representante por sua própria condição de silenciado. Por um lado, observa-se a divisão internacional entre a sociedade capitalista regida pela lei imperialista e, por outro, a impossibilidade de representação daqueles que estão à margem ou em centros silenciados (SPIVAK, 2010, p.14).
O sistema jurídico português incorporou no Brasil, um modelo deficitário e uma cultura jurídica de Estados formalista onde o Direito e o Judiciário não estabeleceram o conceito de cidadania onde a igualdade jurídica sempre foi uma tentativa de uniformidade latente e não material. A função básica da burocracia portuguesa no Brasil era sempre fiscalizar e agir com rigor no caso de sonegação fiscal e representar a imagem do rei. Portanto, com o legado do colonialismo e os desafios atuais, não seria imperioso comentar a situação dos direitos humanos no Brasil, especialmente o discurso decolonial.
A perspectiva de uma desconstrução gradual do colonialismo epistêmico, confrontando as hierarquias de raça, gênero e sexualidade, que foram criadas e fortalecidas pela modernidade europeia, paralelamente ao processo de conquista e escravização de muitas nações onde o Brasil foi um deles. Esse colonialismo epistêmico se somou aos países colonizados pelos europeus, subordinando assim o conhecimento de outras culturas que eram inferiores do ponto de vista eurocêntrico. Só um conhecimento foi gerado pela elite científica e filosófica da Europa que foi a epistemologia do ponto zero.
A fundamentação da segregação do Estado Absolutista com o Estado de Direito Liberal através dos mecanismos utilizados pelo absolutismo monárquico
Partindo do princípio que as normas são consequências da cultura, busca-se nesse capítulo, apontar o contexto histórico que marcou a segregação do estado absolutista com o Estado de Direito Liberal onde a doutrina pré-revolucionária desempenhou um papel fundamental na legitimidade conjecturado, os ideais dos revolucionários do final do século XVIII. Sendo assim, com o conjunto de normas formalizadas e regulamentadas juridicamente pelo estado de direito tornou a lei única fonte de direitos o que descaracterizou qualquer interferência estatal que não fosse regulada pelo ordenamento jurídico.
A burguesia valendo-se das teorias de Montesquieu, Rousseau e Sièyes, estatuiu a existência de um Estado único e capaz de garantir a paz jurídica, através de meios que favorecesse o controle eventuais abusos cometidos no exercício do poder pelo próprio ente estatal. Toda a estrutura cultural que sustentava o formato do estado livre acabou influenciando as estruturas jurídicas que se desenvolveram no século XIX.
O papel passivo do Estado, a supremacia das liberdades fundamentais, o entendimento de que os procedimentos envolvem direitos de natureza privada e a necessidade de garantir a imparcialidade dos juízes acaba por semear e fortalecer um procedimento dominado pelos interesses de todas as partes. O litigante é o verdadeiro sujeito do litígio, com os objetos materiais do processo cognitivo (acusação, provas, fatos), instituindo a da definição dos objetos do litígio (meritum causae) e o desenvolvimento do próprio processo. Por outro lado, os juízes, por outro lado, têm um caráter totalmente passivo, sem qualquer poder de direção, para agilizar a tramitação do processo.
Ao reconhecer todo esse marco ao desenvolvimento do processualismo, liberais teriam inspirado a redação do Código de Processo Civil de 1865, que viria a se tornar lei brasileira em meados do século XXI. Enquanto os lideres exaltados pela burguesia já davam sinais de fracasso. Era preciso que o Estado juntamente com a sociedade, extinguisse suas percepções sobre a função e a estruturação do processo ao se tornar público deixando de ser visto como "affare delle parti", passando a serem paragem e expressão da autoridade estatal.
Os juízes passaram a ser vistos como garantia ou mediador aos resultados desejados do processo pelo Estado resultando num desenvolvimento gradual na diminuição de pena após a consumação do crime cometido sem violência ou grave ameaça onde o agente identifica o dano ou restitui o agrave antes que a denúncia seja recebida contribuindo assim, para o desenvolvimento de teorias que possibilitam ao judiciário, intervir em programas fáticos e/ou formular provas constituindo uma nova forma de entender o processo de Composição das atividades desenvolvidas durante a neutralização. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, surgiu uma nova forma de entender o papel das constituições na sociedade tornando inevitável a criação de registros de direitos fundamentais juntamente com suas respectivas decisões a cerca da constituição para garantir a proteção do cidadão contra qualquer abuso de poder por parte do governo. A ênfase na relação entre Estado e sociedade afeta a forma como o direito é entendido e a própria organização judiciária.
O processo é tipicamente utilizado como meio de efetivação de direitos, complementando atividades positivas de integração social,
Portanto, a proteção dos direitos dos sujeitos expostos no ordenamento jurídico não é mais entendida como uma tecnologia, mas como uma ferramenta direito material onde a doutrina processual começa a combater a Incompatibilidade existente entre o direito material e o direito processual.
Conforme Mauro Cappelletti (1982) e Vittorio Denti (1968 p. 201-340) "o direito material e o direito processual superam o processualismo com a reinserção do processo na cultura e por meio de sua positivação a nível constitucional".
Nessa nova forma de entender o direito processual, o poder do juiz foi fortalecido. Ele não apenas gerencia o rápido andamento do processo, mas também se preocupa em como proteger efetivamente os direitos envolvidos. O aumento do poder material e formal dos juízes é uma consequência natural do colapso do ideal do estado livre. Mudar a forma como as entidades estatais são vistas e como está mudar a forma como as entidades estatais são vistas não será fácil pois o processo é visto como uma ferramenta pública de interesse fundamental para a nação como um todo. Por isso, o aumento do campo de atuação da entidade adjudicante está relacionado com a intensificação de suas próprias funções, acompanhada pelo fenômeno do processo de propaganda.
Nos últimos anos, as funções dos próprios magistrados, se expandiram, começaram a agir de forma mais direta em relação ao direito material, pois além de administrar e julgar decisões, os juízes realizam os atos de ajustar e criar leis, incluindo leis processuais e substantivas, e legitimidade material para controlar as ações dos poderes legislativo e executivo.
Diferentemente dos poderes dirigentes - essas atividades são vistas como reflexo direto do aumento da participação estatal e da importância atribuída ao processo sendo fruto da priorização da ordem constitucional dentro do ordenamento jurídico podendo ser cumulativa ou não, conforme o caso.
A nova postura democrática do Estado reflete as consequências na formatação do processo, distribuindo de forma diferenciada a importância dos atores processuais na estruturação do procedimento de como é determinado para todos os seus membros ao mesmo nível. A democratização influencia o processo por meio do direito fundamental de contradizer, visto como um direito real e efetivo de influenciar a jurisprudência, e não como mera audiência bilateral dos autos do processo como resultado do trabalho de todas as entidades processuais. O modelo do processo colaborativo, que é o mais inovador, é a inclusão do órgão julgador no rol de entidades para o diálogo judicial, com a obrigação de o juiz manter a contradição ao longo da iteração do processo. As partes, mais do que a litigância, o exercício e garantia de seus direitos constitucionais no desenvolvimento de todo o processo, são vistos como requisito indispensável e essencial para a validade do atividade jurisdicional, que pode ser considerada legal, em um estado democrático, quando respeita a participação de todos os seus súditos.
Essa forma de entender o julgamento termina por consolidar a importância do papel das partes e demais entidades processuais, promovendo seu retorno ao cerne do desenvolvimento do julgamento, não retirando assim o juiz do núcleo processual. Tal modelo processual, além de salvar a importância de todos os seus membros, garante um controle antecipado da legalidade tanto do desenvolvimento processual quanto da jurisprudência.
Do domínio das partes, a superveniência do juiz termina hoje em um modelo justo, pautado pelo formalismo colaborativo, progresso real no direito processual, encontrando o freio necessário para aumentar os poderes dos juízes, mas sem, contudo, reduzir sua função.
3. O processo civil entre duas épocas: insustentabilidade do direito liberal e as novas relações entre jurisdição e legislação
A estrutura de um Estado Democrático de Direito fornece uma nova base para a produção do direito e a forma de entender o Estado e o Direito Processual Civil. Se havia um modelo de produção jurídica baseado em normas jurídicas de universalidade jurídica e representação democrática na era do Estado liberal, novos pressupostos emergem agora. A importância assumida pela Constituição revitalizaria o processo civil, anteriormente baseado na ampla liberdade das partes perante o juiz e na necessidade de apenas inclusão legal na determinação da conduta constituindo-o, com efeito, em um espaço moldado pelos direitos fundamentais participação, em que juízes e partidos políticos não são mais antagônicos, visando alcançar a democracia participativa como é atualmente.
Os processos de cidadania como artefatos culturais refletem elementos como práticas religiosas, princípios éticos, hábitos sociais e políticos que caracterizam a sociedade. A maneira de compreendê-lo é analisando o papel do Estado em um determinado contexto histórico e social. Afinal, o papel dos entes estatais influenciará diferentes concepções do âmbito da justiça, que por sua vez valorizarão a seleção das mais diversas soluções processuais.
Do ponto de vista cultural, essa configuração diversa tem a capacidade de ilustrar a importância e o papel da Constituição na construção do direito processual civil contemporâneo. E para entender insustentabilidade do direito liberal e as novas relações entre jurisdição e legislação é fundamental analisar as diferentes formas de resposta que os Estados assumem na estruturação do processo civil para estabelecer uma base sólida para a compreensão de um Estado democrático e de direito. Se na era dos estados liberais havia um modelo de produção jurídica baseado na universalidade do direito e na norma do ordenamento jurídico baseado na representação democrática, então o curso dos tempos é acertado que o processo dos tempos está correto, pois não existe tal conformação agora.
A estrutura de um Estado democrático de Direito fornece uma nova base para a geração do direito e a forma como o Estado é entendido. A importância assumida pela Constituição e as mudanças ocorridas no interior do Estado tornarão o processo civil um espaço moldado pelos direitos fundamentais, propício à participação política, no qual juízes e partes deixam de ser adversários. Pode-se dizer que o estado liberal clássico começou a ser idealizado no contexto histórico em que o poder hereditário ou religioso foi justificado e transformado em um governo da vontade do monarca, em oposição a um governo da razão e da religião. A soberania da vontade universal é expressa no parlamento por meio de normas gerais e abstratas e de direitos fundamentais. Isso porque, enquanto o Estado autocrático foi inicialmente a base para os objetivos da burguesia nascente, especialmente na esfera econômica, ele a afastou do poder político.
No entanto, a ausência de restrições ao Estado provocou uma reação da burguesia, que procurou erigir obstáculos à arbitrariedade do poder, ou pelo menos domesticar um governo cujas medidas específicas seriam concretas, individuais e potencialmente discriminatórias e inconsistentes com a calculabilidade, liberdade e igualdade de oportunidades dos agentes econômicos, que são essenciais para o desenvolvimento dos fundamentos econômicos burguês. O Estado era visto como um inimigo, que sancionava direitos desiguais em favor do clero e nobres, que não pagavam impostos de qualquer espécie, interferindo completamente na economia e na autonomia dos cidadãos. Esse conceito substitui a afirmação de que os governos devem ser limitados e que as instituições políticas, se suficientemente tolerantes, permitem que todos vivam por si mesmos. O outro lado dessa percepção política é que os direitos fundamentais são vistos como obstáculos à intervenção estatal.
O adjetivo liberal de Estado de Direito também traz consigo três pressupostos teóricos de separação que seria a separação entre a política e a economia, o segundo o Estado e a moral e por último o Estado e a sociedade civil.
A partir daí, o Estado livre é constituído pelos direitos fundamentais, visto como uma esfera de autonomia que mantém a intervenção estatal, bem como a divisão de poder que assegura a predominância do Legislativo (por meio do Estado de Direito e dos princípios da legitimidade) e da força social que governava a burguesia.
Os direitos, nesse sentido, são determinados por lei, e sua titularidade é exclusiva do legislador, que "parece ser o único protagonista da legitimidade, com uma posição de preferência quase inteiramente à custa do juiz", e nada mais do que apenas a boca da lei.
Assim, como forma de garantir o desenvolvimento da burguesia e do então incipiente modelo econômico capitalista, os direitos fundamentais foram construídos como garantia da autonomia individual contra a invasão do soberano. Por outro lado, a divisão de poder enfatiza claramente que o poder legislativo e o judiciário estão totalmente subordinados à lei, o que naturalmente reflete os valores burgueses. Nesse caso, a ação civil acaba refletindo uma forma passiva e restritiva da ação estatal.
O processo civil em países livres é caracterizado pela autonomia e liberdade das partes privadas. Esses princípios são dominados por duas grandes legislações processuais puramente liberais do século XIX: o Código Napoleônico de 1806 e o Código Italiano de 1865. Nessas legislações, não há muitos procedimentos especiais, apenas um número muito pequeno de processos jurisdicionais voluntários, com a ação disciplinar como procedimento administrativo claro.
O reconhecimento da ação não requer a aprovação de um juiz, pois é um serviço essencial do Estado e é de domínio absoluto do indivíduo. Além disso, a regra da exigência deve ser entendida em sentido estrito, de modo que as partes não recebam qualquer colaboração do juiz no estabelecimento da prova.
Não é difícil ver que o domínio das partes no gerenciamento de processos mudou. No campo ideológico e político na administração judiciária passou a ter à autonomia pessoal. O processo civil foi então trazido de volta ao ideal do individualismo como disputa entre duas partes autônomas, diante de um tribunal passivo, ainda considerado uma simples continuação de outras formas de relacionamento pessoal estabelecidas sob os auspícios da cultura da época. Além disso, o estado liberal clássico estabeleceu um modelo de juiz passivo, que deveria evitar qualquer interferência na gestão dos negócios privados. Ao mesmo tempo, molda os contornos do processo civil, desde o forte controle estatal dos juízes no momento da tomada de decisões, a estrita regulação do comportamento dos juízes, até as diretrizes políticas do governo, usando todos os meios, legais ou ilegais, como cobranças e pressão burocrática ou disciplinar sobre quem ousa agir de forma independente.
A insustentabilidade do direito liberal e a nova relação entre jurisdição e legislação contribuíram para o aumento do poder do juiz a partir de dois veículos um tanto inter-relacionados: a divulgação do procedimento, que é resultado direto do aumento do papel do Estado e a socialização do procedimento onde não inclui os problemas da justiça social. Ao longo da primeira metade do século XX, a ideologia jurídica que dominou a ciência do processo foi apoiada em grandes escritos sistemáticos, princípios e categorias que tenham validade conceitual inerente, como jurisdição, ação, coisa julgada. Tais construções conceituais eram aparentemente neutras, na verdade, estavam inteiramente em consonância com a ideologia conservadora da época. Com isso, deixa claro que nesse período a ciência jurídica estabelece seus princípios de informação.
Desse modo, a exigência de socialização do Estado passa a exigir não somente o reconhecimento da intervenção dos grupos de interesse e organizações sociais na tomada das decisões políticas centrais, mas, efetivamente, a recondução institucional dessas decisões à vontade democraticamente expressa pelo conjunto da sociedade. (NOVAIS, 2006, p.191).
Por sua vez, a autodeterminação democrática da sociedade se inscreve nos limites traçados pelos laços materiais definidos pela autonomia individual e pelos direitos fundamentais. Esse caráter democrático implica uma constante mudança e ampliação do conteúdo do Estado e da lei, não o suficiente para limitar ou facilitar a ação estatal: nesse caminho, o objetivo é mudar o status quo. Desta forma, um Estado democrático pode ser visto como sendo baseado em dois pilares: a democracia e os direitos fundamentais, com uma filiação comum entre os dois".
De fato, o papel do Estado mudou razoavelmente no contexto de três elementos definidores do direito processual civil: a mudança dos centros normativos do direito para a constituição, um repensar da democracia (antes apenas representação) e a assunção dos direitos fundamentais Importância, agora de outras perspectivas.
Tratar da jurisdição, seu conceito e sua função também são discutir o perfil nacional. Antes de defender a jurisdição, é necessário observar um país que se possui. As reflexões sobre o estado moderno e seu impacto contemporâneo incluem um tema recorrente, especialmente nos antecedentes do mundo globalizado. As mudanças estruturais nas políticas nacionais e internacionais desencadearam e continuarão a desencadear profundas mudanças no Estado, sejam em termos de funções estatais, arranjos institucionais, fundamentos sociais, legitimidade política, autogoverno e até mesmo na promoção e proteção de direitos.
Portanto, se o judiciário tem sido um dos principais alvos de atenção desde o final do século XX, no contexto nacional, é certo que a discussão da sociedade sobre o judiciário nunca foi tão alta. Discussões sobre a judicialização da política estão na pauta da mídia juntamente com o conflito, lentidões da justiça, ineficiência e insuficiência, julgamento, custas judiciais, salários, a posição do juiz a arbitrariedade da decisão e corrupção no Judiciário.
Todos esses aspectos refletem e conflita, morosidade judicial, ineficiência, prestação de justiça, custo do processo, salários dos juízes, cargos ocupados pelos juízes, arbitrariedade das decisões e corrupção dentro do judiciário. Tudo isso (transparência) reflete um contexto democrático, mas também uma situação paradoxal: por um lado, o enorme apelo e importância do judiciário intensa e crescente insatisfação.
O surgimento da jurisdição nacional coincide com a formação do Estado moderno e, portanto, está relacionado ao peso de seus compromissos. Ambos o Estado moderno e a jurisdição estatal nasceram de uma sociedade medieval que se opunha ao pluralismo, este último incluindo diferentes origens jurídicas e formas de direito. A resolução de conflitos caracteriza-se pela diversidade e descentralização do poder. Então se ergue das ruínas medievo, o Estado moderno, centrado no absolutismo, mais tarde transformado em liberalismo, que mais tarde estaria destinado a criar um estado social e, mais recentemente, um estado democrático de direito. O direito não é uma coisa geral abstrata, mas uma substância, um princípio. Danos a direitos ou violação de direitos, não basta reparar, é preciso impedir a violação de direitos onde à consciência jurídica precisa ser protegida. Não parece haver nenhum desacordo sobre isso nos ensinamentos. A diferença, porém, está entre o discurso dos direitos e a prática dos direitos, o que pode claramente ser percebido examinando-se os bancos acadêmicos e a práxis forense.
Na intrincada sociedade contemporânea, velhos modelos baseados em paradigmas racionalistas e paradigmas liberal-individualista-normativos são quebrados, exigindo que Estados, sociedades e leis revisem seus modos de pensamento e padrões de conduta. É na crise do paradigma da modernidade que surge uma (nova) ruptura, não para recolocar o presente no centro das preocupações de todos, mas para inverter a ordem cronológica e reexaminar o papel dos juristas e da jurisdição.
Conclusão
O processo civil no contexto de um Estado Democrático de Direito não pode ser considerado muito distante do afluxo de dispositivos constitucionais em que a Constituição desempenha um papel extremamente importante, colocando-a no centro da norma ao estabelecer as bases para o entendimento democracia. Tudo isso, aliado a mudanças no comportamento do Estado, que passa a ter um papel mais ativo onde o processo deixa de ser um simples afazer privado onde o juiz mantém-se passivo e figurando como mera boca da lei, para configura-se como real, a partir de sua relação com a Constituição.
O direito fundamental do cidadão de proteger seus direitos deve ser retirado da nova roupagem de garantias constitucionais que são considerados atualmente como verdadeiros direitos fundamentais. Já o processo legal conhecido diante de todas essas mudanças como processo justo e democrático. Nessa configuração, o processo torna-se um ambiente de participação democrática em que todas as partes atuam em conjunto com os juízes, não implicando subjetividade judicial controlada por direitos fundamentais sob a total passividade das instituições judiciais deve garantir que os procedimentos sejam suficientes e eficazes.
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