Incidente de Resolução de Demanda Repetitivas e os Juizados Especiais Cíveis no Estado do Paraná.

Reflexão e proposta de fixação de competência

Leia nesta página:

Na 1ª Seção Cível do TJPR nos deparamos com a frequente questão do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas em face de decisões dos Juizados Especiais.

O Código de Processo Civil instituiu novos institutos, aprimorou outros já existentes, com base na mesma premissa: melhorar a prestação da atividade jurisdicional e, com isso, oferecer ao jurisdicionado a resposta adequada e efetiva aos seus anseios.[2]

Na busca constante de garantir aos cidadãos a tutela justa de seus direitos tem ganhado cada vez mais matizes, através de instrumentos de tutela que primam, sobremaneira, por princípios como o da inafastabilidade da jurisdição, da isonomia, da segurança jurídica, da confiança, da boa-fé, da eficiência e da efetividade da atividade jurisdicional.[3]

O sistema de Juizados Especiais Cíveis e Criminais foi instalado visando a dita justiça coexistencial, de relações sociais permanentes, com alguns princípios próprios, valorizando a equidade e a mediação endoprocessual, forma aperfeiçoada do antigo sistema de conciliação, atendendo de forma expedita e menos formal à crescente demanda da sociedade que busca no Poder Judiciário a solução de suas controvérsias decorrentes de relações instantâneas com novos recursos tecnológicos de comunicação.

O atual Código de Processo Civil, no mesmo compasso, buscando equacionar as questões candentes de uma sociedade de massa[4] apresenta o incidente de resolução de demandas repetitivas, buscando isonomia das decisões, à uniformização da jurisprudência, a segurança jurídica e para alcançar a confiança dos jurisdicionados.[5]

O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) inovação[6] da Lei nº 13.105/2015, que institui o dever de uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. A primeira reflexão, e a nosso entender, sub censura, fundamental para atender o princípio ensamblado é decorre da constatação que o enfrentamento da competência para conhecer e julgar o IRDR nos casos cuja pretensão foi deduzida perante os Juizados Especiais, por consequência, decididos por Turmas Recursais fundamentam as razões de decidir asseverando que o Sistema de Juizados Especiais não contempla que os Tribunais possam conhecer dos seus julgados.

Se matéria deduzida não é de competência absoluta dos Juizados Especiais, por consequência irão ocorrer julgamentos perante os Tribunais eventualmente, se invocado o IRDR para uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente o dispositivo legal já poderá não ser cumprido! Explico, é que se o IRDR em razão julgado pela Turma Recursal decidir de uma maneira, e a mesma matéria em IRDR for apreciada perante órgão do Tribunal for decidida de outra maneira, estarão em conflito ambas as decisões, como sito, desatendendo a finalidade da norma, mas isso, ao que nos parece, não é questão enfrentadas nas decisões que tem remetido para as Turmas Recursais decidirem o IRDR. Nada mais lógico e justo que um mesmo órgão decida o IRDR se tais questões podem ser enfrentadas tanto pelas Turmas Recursais como pelos Tribunais.

Nos dias que estamos a estudar a matéria há intensa discussão a respeito do princípio da segurança jurídica,[7] decorre dele a ideia de julgados que sejam coerentes entre si, mantendo a higidez e a harmonia de uma jurisprudência estável, contínua e previsível. Com isso evitamos o fenômeno da dispersão jurisprudencial. A exemplo, se o IRDR é decidido com um entendimento perante o Tribunal e com outro perante a Turma Recursal a parte, por seu advogado, poderá escolher de acordo com o seu interesse onde irá deduzir a pretensão destruindo a segurança jurídica.

Linhas decisórias inconstantes violam expectativas legítimas do jurisdicionado. Aquele que se coloca em situação similar à do caso já julgado possui legítima expectativa de não ser surpreendido por decisão diversa.[8] Os arts. 976 a 987, tem como escopo a tutela isonômica e efetiva dos direitos individuais homogêneos e seu advento traduz o reconhecimento do legislador de que a chamada litigiosidade de massa atingiu patamares insuportáveis em razão da insuficiência do modelo até então adotado[9], o que deve ser reconhecido quando existirem, simultaneamente, efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito e risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, nas palavras do art. 976, o IRDR será julgado pelo Órgão indicado pelo Regimento Interno do Tribunal, dentre aqueles destacados à uniformização de jurisprudência daquela Corte.

O Projeto de Lei nº 7483/2017, de autoria da então deputada federal
Tereza Cristina, apresentando em 25/04/2017, acresce dispositivos à Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, que "Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências", determina a aplicabilidade das normas relativas a conexão e continência de ações e do incidente de resolução de demandas repetitivas previstas no Código de Processo Civil a demandas e processos no âmbito dos juizados especiais cíveis. Da leitura da proposta extraímos:

Art. 3º A Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 4o -A:

Art. 4º-A. Aplicam-se, a demandas e processos no âmbito dos juizados especiais cíveis, as normas relativas a conexão e continência de ações e ao incidente de resolução de demandas repetitivas previstas na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 Código de Processo Civil, ressalvado o disposto no art. 18 desta Lei.

Parágrafo único. O pedido de instauração de incidente de resolução de demandas repetitivas formulado em razão de demanda proposta perante juizado especial cível também será dirigido ao presidente de tribunal e apreciado e resolvido nos termos das regras previstas no art. 976 e seguintes da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 Código de Processo Civil.

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

A Diretoria de Juizados Especiais da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), em atenção ao artigo 4º do PL 7483/2017, expediu nota técnica a respeito do pedido de uniformização de interpretação de lei e de resolução de demandas repetitivas relativo a processos que tramitam no Sistema dos Juizados Especiais Estaduais.

O fundamento central é evitar que julgados do sistema dos Juizados Especiais inundem o C. Superior Tribunal de Justiça através de Recursos Especiais contra acórdãos proferidos por Tribunais em IRDR (art. 987 do CPC), orienta que: Admite-se o IRDR nos juizados especiais, que deverá ser julgado por órgão colegiado de uniformização do próprio sistema. Com isso, em regra, se afasta o cabimento do Recurso Especial, cabível apenas contra decisões de Tribunais (Súmula 203 do C.STJ). Assevera que não se desconhece o compreensível temor de que em uma mesma área de jurisdição surjam decisões divergentes entre Turma de Uniformização dos Juizados (ou Turma Recursal única) e Turma do Tribunal de Justiça. Entende que tal hipótese é excepcional, a melhor saída é aquela adotada pelo art. 190, § 6º do Tribunal de Justiça de São Paulo, na redação do Assento Regimental n. 552/2016, do seguinte teor: Em caso de divergência entre súmulas ou enunciados da Turma de Uniformização dos Juizados Especiais e súmulas, enunciados ou jurisprudência dominante das Seções do Tribunal de Justiça, o Órgão Especial deliberará sobre ela, dirimindo a controvérsia após ser provocado pelo Presidente do Tribunal de Justiça, pelo Presidente da Turma de Uniformização ou por qualquer dos Presidentes de Seção.

A solução adotada pelo TJSP permite que, na hipótese excepcional por ele regulamentada, o Pleno ou o Órgão Especial do Tribunal de Justiça (onde houver) resolva a situação extraordinária e evite divergência jurisprudência na sua esfera de competência, tudo sem ordinarizar uma eventual e incomum divergência.

A Nota Técnica da Diretoria de Juizados Especiais da AMB propõe que se reconheça a competência da Turma de Uniformização do Sistema dos Juizados Especiais (ou Turma Recursal Única) para o julgamento das questões que envolvam a uniformização de intepretação de lei e a resolução de demandas repetitivas processadas no sistema dos juizados especiais estaduais, bem como que se institua mecanismo similar àquele adotado pelo Regimento interno do TJSP para a excepcional hipótese de divergência nele prevista. Sugeriu a alteração do projeto de lei, portanto, a seguinte redação substitutiva para o parágrafo único do artigo 4º do presente Projeto de Lei, que é desdobrada em dois parágrafos:

§ 1º O pedido de uniformização de intepretação de lei e o pedido de instauração de incidente de resolução de demandas repetitivas formulado em razão de processo que tramita perante juizado especial cível ou da Fazenda Pública será dirigido ao Presidente da Turma de 3 Uniformização ou da Turma Recursal Única do Sistema dos Juizados Especiais e por ela julgado, aplicando-se, no que couber, as regras previstas nos artigos 976/986 da Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015 Código de Processo Civil.

§ 2º Em caso de divergência entre súmulas ou enunciados da Turma de Uniformização dos Juizados Especiais e súmulas, enunciados ou jurisprudência dominante do respectivo Tribunal de Justiça, o Pleno ou o Órgão Especial deliberará sobre ela, dirimindo a controvérsia após ser provocado pelo Presidente do Tribunal de Justiça ou pelo Presidente da Turma de Uniformização.

A 1ª Seção do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), por unanimidade, negou provimento ao agravo interno contra decisão que declinou da competência do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) para uma Turma Regional de Uniformização.

Ao analisar a questão, o relator, desembargador João Luiz de Sousa, destacou alguns critérios para instauração do IRDR nos tribunais. De acordo o artigo 976 do Código de Processo Civil (CPC), os requisitos são a efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito e o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

O magistrado também fez ponderações sobre o órgão competente para processar e julgar o IRDR, conforme o artigo 978 do CPC. A norma indica que o julgamento do incidente caberá ao órgão indicado pelo regimento interno dentre aqueles responsáveis pela uniformização de jurisprudência do tribunal. E que o órgão colegiado incumbido de julgar o incidente e de fixar a tese jurídica julgará igualmente o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária de onde se originou o incidente. Assim expressa a Lei demonstra que esta Corte não é competente para o processamento e julgamento de recursos contra decisões procedentes de juízos dos juizados especiais federais e, da mesma forma, em face de incidente desta espécie, relativo aos feitos do JEF ou Turma Recursal. Ademais, diferentemente do que afirma o suscitante, não há previsão de julgamento de incidente de processos provenientes do microssistema dos Juizados Especiais no regimento interno desta Corte, mas apenas aqueles relativos aos feitos originários e recursos de sua competência, defendeu o desembargador. 

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Na avaliação do relator, os Juizados Especiais têm a estrutura adequada para esse tipo de julgamento. entendo que a estrutura dos Juizados Especiais possui meios adequados e suficientes para a solução da controvérsia apresentada no presente incidente, pois além do possível processamento e julgamento do IRDR por Turmas Recursais e órgãos de uniformização de jurisprudência, no âmbito dos Juizados Especiais, estes possuem ainda foros de vinculação, como na eventualidade de Recurso Extraordinário julgado na sistemática da Repercussão Geral, finalizou.[10] 

A Nota Técnica mencionada no início, de autoria da Diretoria de Juizados Especiais da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), assevera a questão de assoberbar o Superior Tribunal de Justiça com recursos caso o IRDR seja conhecido e julgado pelo Tribunal em razão de decisões de Juizados Especiais Cíveis. Assim não nos parece! Sucede que no dia 15 de julho de 2022, entrou em vigor a EC nº 125, chamada "PEC da Relevância", que criou os novos requisitos de admissibilidade para o recurso especial, semelhante à repercussão geral, existente no recurso extraordinário.[11]

A justificativa da PEC resolver "problemas de congestionamento" decorrentes do exercício da competência do STJ, permitindo o "bom funcionamento" tribunal, com "uma atuação mais célere e eficiente". 

Nas palavras do presidente do STJ, ministro Humberto Martins, "a PEC corrige uma distorção do sistema, ao permitir que o STJ se concentre em sua missão constitucional de uniformizar a interpretação da legislação federal. O STJ, uma vez implementada a emenda constitucional, exercerá de maneira mais efetiva seu papel constitucional, deixando de atuar como terceira instância revisora de processos que não ultrapassam o interesse subjetivo das partes".

O Superior Tribunal de Justiça tem a missão constitucional de atuar como uma "corte de precedentes", e não como "mais uma instância" conforme fortemente defendido pela doutrina.[12]

Impedir o acesso à Justiça melhora o acesso à Justiça? Óbvio que não. Jurisdição é um tema complexo e por isso mesmo que sigo com uma análise dessa nova emenda constitucional.[13]

De fato, a EC 125 limita os recursos a serem analisados pelo Superior Tribunal de Justiça, estabelecendo a obrigação de o recorrente demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso. No limite, trouxe uma alteração do artigo 105 da Constituição Federal e fez com que o recurso especial tenha uma nova condição de admissibilidade: agora, exige-se a demonstração da relevância da questão jurídica discutida. O recorrente deverá demonstrar a relevância das questões discutidas no caso a fim de que a admissão do recurso seja examinada. Ademais, o órgão competente para o julgamento poderá não conhecer o recurso com base nesse motivo pela manifestação de dois terços dos seus membros.

O Superior Tribunal de Justiça conhecido como "Tribunal da Cidadania" tem uma missão fundamental na República, razão suficiente para entendermos que sua efetividade não pode ficar resumida à efetividade quantitativa. Ademais, o STJ de há muito criou o temido enunciado de Súmula 7[14], que serve como maior filtro para juízo impeditivo de admissibilidade em REsp pela Corte. Também se tem juízo de admissibilidade feito pelos tribunais a quo, dos quais a maioria dos recursos em questão acabam não admitidos, fato que gera a estatística mais absurda mas não surpreendente do Relatório Estatístico 2021, feito pelo próprio STJ.[15] Lenio Luiz Streck adverte que: Acesso à justiça é direito fundamental e, para tanto, reformas processuais devem ser tratadas com status de política pública. O que ocorre é o inverso: se decide uma reforma não a partir de evidências, enfim, de prognoses.[16]

Diante dos novos requisitos de admissibilidade do Recurso Especial ao Superior Tribunal de Justiça a justificativa do assoberbamento é insustentável, e assim não fosse, temos que tem em consideração que há o direito fundamental de acesso à Justiça.

Enfim, vale a reflexão no início, para que atenda aos ditames da segurança jurídica, da isonomia e da uniformidade da jurisprudência além da questão suscitada em relação ao IRDR, entendemos que também deve ser enfrentada a questão de decisões divergentes em relação a mesma matéria, em especial se sumuladas.

CONCLUSÃO

Pelos fundamentos elencados e pelos demais que, certamente, nosso eminentes Pares poderão elencar, propomos que o Regimento Interno do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná seja alterado para determinar que:

Sobre o autor
José Sebastião Fagundes Cunha

Desembargador do TJPR Presidente da 3ª Câmara Civil Tributário / Relações de Trabalho Doutor pela UFPR Pós-Doutor pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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