Resumo
Trata-se de uma análise sobre as diferenças entre Culpa Consciente e Dolo Eventual, aplicada ao caso Tamarineira, crime de grande repercussão ocorrido na cidade de Recife - Pernambuco. A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica. O objetivo do estudo é traçar uma apreciação sobre o tema e, a partir de uma interpretação, sugerir um resultado para o desfecho do crime.
Palavras-chave: Dolo Eventual. Culpa Consciente. Embriaguez ao volante. Direito Penal.
Abstract
This is na analysis of the diferences between Conscious Guilt and Eventual Misconduct, applied to the concrete caseof the Thamarineira Case, a crime of great repercussion that occurred in the city of Recife Pernambuco. The methodology used was the literature review. The objective of the study is to draw appreciation on the subject and, from an interpretation, to suggest a result for the outcome of the crime.
Keywords: Possible deceit. Conscious Guilt. Drunkenness at the wheel. Criminal Law.
Introdução
Esse estudo tem o objetivo de analisar o Caso da Tamarineira, crime de grande repercussão na sociedade e na mídia em Recife, Pernambuco, de acordo com conceitos doutrinários acerca da culpa consciente e do dolo eventual. De início, busca-se resumir alguns conceitos importantes da parte geral de Direito Penal, a fim de concatenar o ensinamento doutrinário com o caso concreto, sem a intenção de esgotar o tema. Seguidamente, agregam-se à pesquisa apontamentos acerca do dolo eventual e da culpa consciente, culminando na análise jurisprudencial no que tange a acidentes de trânsito.
2.1 Conceito de crime
Inicialmente, segundo Guilherme de Souza Nucci (2014), convém lembrar que para conceituar o crime, existem três prismas importantes: conceito material, formal e analítico. A partir dessas concepções, entende-se melhor cada elemento do crime e, posteriormente, pode-se desenvolver algum raciocínio crítico quanto a determinadas situações, no caso concreto. De acordo com o conceito material, crime é o que acontece antes do que está tipificado, é um critério político-criminal que serve de direcionamento ao legislador, àquilo que será punido ou não naquela sociedade. Com o passar do tempo, o critério para tipificar e punir os crimes muda conforme as transformações sociais, como analisa, por exemplo, Michel Foucault no livro Vigiar e punir. O conceito formal, por sua vez, é o crime tipificado. É a formalização do conceito material. E, por último, de modo analítico, há a ideia de ciência do direito, que divide o crime em aspectos essenciais e necessários. Entretanto, há nesse ponto divergências doutrinárias. Alguns autores consideram crime como um fato típico e antijurídico, outros entendem como fato típico, antijurídico e culpável e os que defendem, ainda, que há o fato punível como quarto elemento do crime.
Dito isto, a doutrina majoritária entende o crime de acordo com a teoria tripartida: fato típico, ilícito e culpável. O primeiro, o fato típico, é composto por:
Nos dolosos são: a) conduta dolosa; b) resultado (nos crimes materiais); c) nexo causal (nos crimes materiais); d) tipicidade; e) relação de imputação objetiva (elemento normativo implícito do fato típico).
Nos culposos, por outro lado: a) conduta voluntária; b) resultado involuntário; c) nexo causal; d) tipicidade; e) relação de imputação objetiva (elemento normativo implícito do fato típico); f) quebra do dever de cuidado objetivo; g) previsibilidade objetiva. (ESTEFAM, 2022, p.523)
Em linhas gerais, a conduta é uma ação ou omissão humana, consciente e voluntária dirigida a um fim. Daí, excluem-se os atos involuntários e inconscientes, por exemplo, atos reflexos, sonambulismo, coação física irresistível. Importante entender cada elemento, pois, quando qualquer um deles estiver ausente, não haverá crime.
O resultado naturalístico é aquele que modifica o mundo exterior, logo, estará presente nos crimes ditos materiais. O resultado jurídico todo crime tem, pois é a lesão ao bem jurídico tutelado penalmente. O resultado jurídico pode, ainda, classificar o crime como crime de dano ou crime de perigo. O primeiro exige a efetiva lesão ao bem tutelado, por exemplo, furto. O segundo consubstancia-se ainda que não haja efetiva lesão, necessitando somente do perigo ao bem, por exemplo, perigo de contágio venéreo (art. 130, CP). Portanto, pode haver crime sem resultado naturalístico, como nos crimes de mera conduta (que ocorre quando o tipo não descreve resultado naturalístico), mas não haverá crime sem resultado jurídico. Outro ponto elementar é o nexo causal: vínculo entre a conduta e o resultado, Com relevância suficiente para formar o fato típico. (NUCCI, 2014, p. 166). Esse estudo demanda um exame mais aprofundado. Aqui, não está no nosso objetivo esgotar o tema. O último aspecto do fato típico é a tipicidade. Como bem descreve André Stefam:
"Entende-se por tipicidade a relação de subsunção entre um fato concreto e um tipo penal previsto abstratamente na lei (aspecto formal) e a lesão ou perigo de lesão ao bem penalmente tutelado (aspecto material). (ESTEFAM, 2022, p.562)
Em seguida, após a síntese sobre fato típico, os manuais e tratados de Direito Penal explanam o estudo do fato antijurídico e culpável. Contudo, esses tópicos não serão objeto da nossa pesquisa.
2.2 Crime doloso e crime culposo
Ainda no conceito de crime, é relevante mencionar os elementos subjetivos do crime: dolo e culpa. O Código Penal traz esses conceitos, deixando à doutrina, o papel de se debruçar sobre a matéria. Segundo Bitencourt (2022), dolo é a consciência e a vontade de realizar a conduta descrita no tipo penal. Há dois elementos no dolo, a saber, o cognitivo ou o conhecimento (consciência do fato constitutivo da ação) e o volitivo (vontade de realizar essa ação). A discussão começa a encontrar espaço na classificação das espécies de dolo, sobretudo no que diz respeito ao dolo eventual.
Nesse sentido, o mais simples, o dolo direto também conhecido como dolo imediato, ocorre quando o agente quer o resultado. Aqui, ele subdivide-se em dolo direto de primeiro grau e dolo direto de segundo grau:
"O dolo direto em relação ao fim proposto e aos meios escolhidos é classificado como de primeiro grau, e em relação aos efeitos colaterais, representados como necessários, é classificado como de segundo grau." (BITENCOURT, 2022, p.888)
O dolo eventual ou indireto, previsto no art. 18, I, parte final do CP, acontece quando o agente não quer diretamente a realização do crime, mas aceita como possível ou como provável e, mesmo assim, assume o risco. Nessa perspectiva, tem-se a vontade, a aceitação do resultado, o consentimento, a conduta de ser indiferente a ele. A vontade, segundo Cezar Roberto Bitencourt, é o elemento que distingue o dolo da culpa. Por um lado, temos o voto relevante do Ministro Felix Fischer, no Resp. Nº 1.561.226 RS, que preconiza: O dolo eventual, na prática, não é extraído da mente do autor, mas, isto sim, das circunstâncias. Nele, não se exige que o resultado seja aceito como tal, mas isto sim que a aceitação se mostre no plano do possível, do provável. Por outro lado, a Bitencourt assume a posição de que a distinção entre dolo eventual e culpa consciente passa por questões jurídicas, não somente por fatos. O autor assevera, ainda, que na dúvida, deve-se optar pela menos severa, qual seja, a culpa consciente.
A culpa, por sua vez, é o elemento subjetivo que parte de uma conduta desatenciosa. É a inobservância do dever de cuidado que se direciona a um resultado que o agente não quis, mas era previsível. Nessa perspectiva, atenta-se para o dever de cuidado objetivo e para a previsibilidade. Quando ocorre a imprevisibilidade, ou seja, um acontecimento causado por caso fortuito ou força maior, por exemplo, afasta-se a responsabilidade do agente. Por previsibilidade objetiva entende-se uma previsão, a partir de um discernimento mediano, de que algo pode ocorrer. Logo, se não houver essa previsibilidade, não há fato típico. Em resumo, a previsibilidade objetiva vem da ideia de homem comum, mediano de prever o resultado. Nesse sentido, não há crime culposo se os resultados não estiverem abrangidos pela previsibilidade objetiva.
Há, também, a previsibilidade subjetiva, que está relacionada com a capacidade de o agente de prever o resultado, ou seja, é subjetivo, remete-se a vários fatores, como educação, inteligência, capacidade, sagacidade etc." (GONÇALVES, 2022, p.328) Ademais, os elementos do crime culposo são a imprudência, a negligência e a imperícia, como lembra a doutrina: "O fundamental no crime culposo não é a mera provocação do resultado, mas a maneira como ele ocorreu, isto é, se o resultado derivou de imprudência, negligência ou imperícia" (ESTEFAM, 2022, p.582)
No que concerne à imprudência, reputa-se uma atitude positiva, é um agir que quebra regras de conduta, por exemplo, dirigir em alta velocidade, ultrapassando o semáforo vermelho. Já a negligência, de modo contrário, deriva de uma atitude negativa, uma falta de cautela. Por exemplo, quando a mãe esquece substância tóxica à mesa e a criança ingere. Por fim, a imperícia tem relação com a falta de aptidão para o exercício de uma profissão. Pode acontecer quando um médico deixa de tomar as cautelas quanto assepsia no período pré-operatório, o que ocasiona a morte do paciente. Além do mais, no estudo da culpa, se faz pertinente a elucidação sobre a diferença entre a culpa consciente e a culpa inconsciente. Na culpa consciente, o agente tem previsão do resultado, podendo acontecer quando o autor pratica a conduta, há uma certa previsão do que pode acontecer, mas ele confia na sua habilidade e age com imprudência, negligência ou imperícia. Na inconsciente, de outro modo, não há previsão, isto é, a possibilidade nem é cogitada por ele.
2.3 Culpa consciente e dolo eventual
Sabendo dos conceitos estudados acima, passemos à diferença basilar entre culpa consciente e dolo eventual. Primeiro, é conveniente ter em mente que a distinção entre os conceitos é mais simples através do viés teórico, visto que no mundo dos fatos, o terreno se mostra fértil para debates e discussões complexas. Enquanto no dolo eventual, há assunção de risco, o a gente não se dirige ao resultado, mas sim à conduta e percebe que o resultado é possível, por exemplo: Motorista dirigindo em velocidade excessiva aceita a possibilidade de atropelar um pedestre." (ANDREUCCI, 2021, p.224) Em contrapartida, o agente que atua com culpa consciente, ele pôde prever o resultado, mas acreditou, sinceramente, que não ocorreria. Um aspecto significativo, aqui, é a incredulidade do sujeito. Um exemplo: O motorista que ultrapassa o semáforo vermelho e colide numa moto. Nesse caso, ao atravessar o sinal, ele acreditava, sinceramente, que conseguiria desviar a tempo de não acontecer o resultado. Desse modo, segue mais um apontamento da doutrina:
"Não se pode confundir culpa consciente com dolo eventual. Em ambos, o autor prevê o resultado, mas não deseja que ele ocorra; porém, na culpa consciente, ele tenta evitá-lo; enquanto no dolo eventual, mostra-se indiferente quanto à sua ocorrência, não tentando impedi-lo. Assim, por exemplo, se o agente dirige um veículo perigosamente e em alta velocidade e vê um pedestre atravessando a rua, tentando, sem êxito, evitar o atropelamento, teremos culpa consciente. Se, nas mesmas circunstâncias, em vez de buscar evitar o acidente, o motorista continua com sua direção imprudente, pensando se morrer, morreu, haverá dolo eventual." (ESTEFAM, 2022, p.883)
2.4 Jurisprudência sobre acidentes de trânsito
Antes de adentrarmos no caso concreto objeto desse estudo, passemos à observação de jurisprudência sobre o tema. Em 2017, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que A embriaguez do agente condutor do automóvel, por si só, não pode servir de premissa bastante para a afirmação do dolo eventual em acidente de trânsito com resultado morte. STJ. 6ª Turma. REsp 1.689.173-SC, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 21/11/2017 (Info 623). Ou seja, o STJ entendeu que não basta somente estar dirigindo embriagado para configurar dolo eventual, isso não é uma relação obrigatória. Além do mais, em 2017 o Código de Trânsito Brasileiro sofreu alterações por causa da Lei nº 13.546/17. Ao crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor foi acrescentada uma pena mais alta. Assim sendo, houve discussão jurisprudencial sobre se ainda seria possível reconhecer o dolo eventual nesse caso:
Não significa, por isso, dizer que aqueles que dirigiam embriagados ou sob efeito de substâncias psicoativas e se envolveram em homicídio no trânsito (dolo eventual) tenham que, de pronto, ser beneficiados com a desclassificação do delito para a modalidade culposa" (STJ. AREsp 1.166.037-PB, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em17/12/2019.)
No caso que originou a decisão mencionada, o relator entendeu que além de embriagado, o sujeito dirigia em velocidade mais alta da permitida, o que conclui pela assunção do risco. Nesse condão, a pesquisa de Laura Horst (2016) indica que a jurisprudência tende a caracterizar dolo eventual em situações que o condutor provoca o acidente, não presta socorro à vítima, foge do local, não tem habilitação, participa de corrida ou tem capacidade psicomotora alterada por substância proibida. Em outra acepção, o Supremo Tribunal Federal, em sede de Habeas Corpus (HC 121.654 - MG. Relator Ministro Marco Aurélio) decidiu sobre dolo eventual ou culpa consciente em delito de trânsito, com sujeito embriagado. Em seu voto, o Ministro Marco Aurélio assenta:
Somente se estará diante do dolo eventual quando for afirmativa a resposta à seguinte indagação: o condutor do veículo agiria do mesmo modo se tivesse ciência do resultado danoso? Não basta, para o reconhecimento de crime doloso, que o agente assuma o risco de produzir o resultado (artigo 18 do Código Penal). É necessário que se demonstre a total indiferença quanto à possível consequência.
É imperioso também lembrar, em seu voto, da influência da pressão da mídia para mandar um acusado para o Júri. A crítica é no sentido de transformar crimes culposos em dolosos, por força social, sob pena de criar um Direito Penal do terror. Cita precedente (exemplo: HC nº 107.801/SP) o qual a embriaguez é associada à culpa consciente.
2.5 Legislação do Código Brasileiro de Trânsito
O código de Trânsito Brasileiro (CTB) dispõe, nos artigos 302 ao 312, sobre a prática de homicídio culposo na direção de veículo automotor; a condução de veículo automotor sob a influência de álcool; a prática de lesão corporal nesses crimes; o fato de não prestar socorro às vítimas e todas as causas de aumento de pena, entre outros pormenores. Isso significa que há uma legislação acerca de crimes cometidos em veículos e também sob efeito de substâncias psicoativas. Por outro lado, se o crime for doloso, será regido pelo Código Penal. Assim, nos parece que a distinção é clara e os regramentos também.
3 O Caso Tamarineira
No dia 26 de novembro de 2017, no bairro da Tamarineira, em Recife, capital de Pernambuco, um crime chocou a sociedade. Um rapaz embriagado, ao conduzir um veículo em alta velocidade, ultrapassou o semáforo vermelho e colidiu com outro carro, causando a morte de uma gestante, uma outra mulher, uma criança de 3 anos, além de ter deixado gravemente feridos o pai e uma filha, com 5 anos à época. O acusado foi preso em flagrante, com conversão em prisão preventiva. A denúncia foi recebida em 02 de dezembro de 2017. Finda a fase de colheita de provas, foi proferida decisão de pronúncia em 26/07/2018.
A decisão pronunciou o acusado que interpôs recurso em 22.2.2019 (Recurso em sentido estrito Nº: 0004723-87.2018.8.17.0000, Comarca Recife, 1ª Vara do Tribunal do Júri). Em sua defesa, o sujeito clamava pela reforma da decisão, para uma reforma da decisão de pronúncia. Segundo ele, deveria haver desclassificação do crime doloso contra a vida para o crime culposo no trânsito (art. 3021, do CTB), o que exclui o dolo eventual. O Ministério Público Estadual requereu o não reconhecimento do recurso. Entre decisões e apelações, a denúncia foi mantida e o julgamento foi para o Tribunal do Júri. No mesmo recurso, o relator declarou: Conquanto a defesa objetive a referida desclassificação, ao argumento de que o Recorrente não agiu com dolo eventual, as circunstâncias do crime, objetivamente consideradas, não afastam, de plano, a ocorrência deste (...)
Acrescentou: É possível, em crimes de homicídio na direção de veículo automotor, o dolo eventual na conduta do autor, desde que tal conclusão decorra das circunstâncias fáticas, que indiquem haver o agente previsto o resultado morte e a ele anuído, como ocorreu no caso concreto. Finalmente, conduziu o voto para admitir que os requisitos de materialidade e os indícios de autoria estavam demonstrados pelas provas colhidas nos autos. Outro questionamento da defesa consistiu em alegar a dependência química do acusado salientando que não se pode aferir a responsabilidade a título de dolo eventual somente em razão de o agente estar embriagado. Praticamente, todos os recursos foram rejeitados por unanimidade. Somente em 2022, após três dias de julgamento no Tribunal do Júri, o réu foi condenado a 29 anos, 4 meses e 24 dias de prisão. Na sentença, a juíza descreve os artigos do Código Penal imputados ao condenado (art. 121, § 2º, III e IV combinado com o art. 18, I, parte final; combinado, ainda, com o art. 14, II, CP).
Não obstante a nossa análise esteja voltada ao viés jurídico, agrego à apreciação outro fator merecedor de destaque: a influência da mídia no sistema jurídico penal brasileiro. Não é incomum se criar, em torno de um crime de maior repercussão, um espetáculo para o público. Jornais, revistas, redes sociais contribuem com a publicidade dos delitos e acabam por modificar as consequências daquele fato. No Tribunal do Júri não é diferente. Funciona como uma peça teatral, um bom momento para advogados e promotores duelarem. Em sua monografia, Isabela Santos (2018) aponta a importância do debate jurídico na sociedade, mas que também, de modo impactante, pode distorcer o real objetivo do Direito: a proteção do bem jurídico tutelado e a obtenção da paz social.
3.1 Análise: Homicídio na direção de veículo automotor sob a influência de bebida alcoólica: culpa consciente ou dolo eventual?
Feitas as considerações doutrinárias e jurisprudenciais, narrado o caso objeto do nosso estudo, passo à análise: Homicídio na direção de veículo automotor sob a influência de bebida alcoólica: culpa consciente ou dolo eventual? Primeiramente, percebe-se a dificuldade diante de cada caso concreto em se estabelecer um entendimento pacificado, embora a prevalência da jurisprudência esteja no sentido de classificar o tipo para o dolo eventual. O professor Guilherme de Souza Nucci (2014), ao estudar a embriaguez, aduz: Se suprimirmos a responsabilidade penal dos agentes que, embriagados totalmente, matam, roubam ou estupram alguém, estaremos alargando, indevidamente, a impunidade, privilegiando o injusto diante do justo. Nesse segmento, pensa-se no que o direito se dispõe a proteger.
Entretanto, quando se trata de embriaguez ao volante, o agente que decide ingerir bebida alcóolica e guiar um veículo, ele acredita, sinceramente, que o resultado não ocorrerá. Diante da previsibilidade objetiva, alguém que conduz um carro, ainda que embriagado, não prevê que irá causar a morte de pessoas. Se no dolo, o agente diz Não importa e na culpa, ele supõe, segundo Fernando Capez (2022) É possível, mas não vai acontecer de forma alguma, acreditamos que alguém, por mais imprudente que seja, não dirigiria um carro e destruiria uma família, como ocorreu no Caso Tamarineira. Outro ponto a ser levantado: Será que todas as pessoas que um dia já dirigiram alcoolizadas, estavam assumindo o risco de produzir um resultado morte (e não se preocupavam com a ocorrência) ou estariam certas de que aquilo, por mais que parecesse possível, não aconteceria? Por fim, o direito penal está fundamentado no princípio do in dubio pro reo, a saber, na dúvida, decide-se a favor do réu. Logo, na dúvida entre dolo ou culpa, presume-se a culpa.
4 Considerações finais
Ao adentrar no conceito de crime e nas peculiaridades acerca da culpa consciente e do dolo eventual, sobretudo no que tange à embriaguez ao volante com resultado homicídio, deve-se apreciar o caso concreto. Não é uma tarefa fácil, especialmente, quando o assunto envolve julgamentos midiáticos. Apesar de toda a polêmica, pesquisar esse tema abre possibilidades na mente do operador do direito. Os Tribunais superiores possuem decisões em ambos os sentidos, tanto de culpa quanto de dolo, o que faz com que caibam mais estudos e questionamentos. Nesse estudo, percebeu-se, após a apreciação de alguns conceitos, que o caso concreto do crime acontecido na Tamarineira, poderia ter sido tipificado como culpa consciente.
Referências
REFERÊNCIAS
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