A inconstitucionalidade da Lei n. 14.405, de 12 de julho de 2022, que alterou o art. 1.351, do Código Civil, pertinente a mudança da destinação do edifício ou da unidade autônoma

21/10/2022 às 09:47
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No dia 12 de julho de 2022, foi sancionada a Lei n. 14.405, que alterou a disposição do art. 1.351, do Código Civil, que versa sobre o quorum qualificado para alteração da Convenção e a mudança da destinação do condomínio edilício ou da unidade autônoma. Segue transcrição do texto revogado e do atual.

Redação anterior: Art. 1.351 - Depende da aprovação de dois terços dos votos dos condôminos a alteração da convenção e do regimento interno; a mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende de aprovação pela unanimidade dos condôminos.

Nova redação: Art. 1.351. Depende da aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos a alteração da convenção, bem como a mudança da destinação do edifício ou da unidade imobiliária.

A nova redação do art. 1.351, do Código Civil, em relação ao quorum para deliberação sobre a mudança da Convenção de um condomínio edilício, não existe qualquer apontamento a ser feito, pois continua com o mesmo quorum qualificado, apregoado no texto anterior, mas no tocante a mudança da destinação do edifício ou da unidade autônoma, ataca diretamente a Constituição Federal de 1988, no que diz respeito ao Direito Fundamental de propriedade.

O Direito Fundamental de propriedade está condicionado ao cumprimento da função social, que caso não seja observado, poderá sofrer limitações nos termos da lei, como apregoa o art. 5º, incisos XXII, XXIII e XXIV, da Carta Outubrina de 1988. Disposição Constitucional abaixo:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...];

XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição; [...].

Diante da disposição Constitucional sobre o Direito Fundamental de propriedade, deve-se observar que o cumprimento da função social foi elencado também na Carta Política de 1988, no artigo 182, § 2º, para o âmbito urbano e para o meio rural no art. 186. Dispositivos Constitucionais citados a seguir:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. (Regulamento)         (Vide Lei nº 13.311, de 11 de julho de 2016)

[...];

§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. [...].

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Salientado, que tal direito não é absoluto, podendo sofrer limitações como ocorre com todos os Direitos Fundamentais elencados na Carta Outubrina de 1988. Assim, sobre as restrições do Direito Fundamental de propriedade Predo Lenza (2014, p. 1096/1097, grifo nosso) atenta que:

Esse direito não é absoluto, visto que a propriedade poderá ser desapropriada por necessidade ou utilidade pública e, desde que esteja cumprindo a sua função social, será paga justa e prévia indenização em dinheiro (art. 5.º, XXIV). Por outro lado, caso a propriedade não esteja atendendo a sua função social, poderá haver a chamada desapropriação-sanção pelo Município com pagamento em títulos da dívida pública (art. 182, § 4º, III) ou com títulos da dívida agrária, pela União Federal, para fins de reforma agrária (art. 184), não abrangendo, nesta última hipótese de desapropriação para fins de reforma agrária, a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, e não tendo o seu proprietário outra, e a propriedade produtiva (art. 185, I e II).

No tocante à propriedade urbana, a desapropriação-sanção é a última medida, já que, primeiro, procede-se ao parcelamento ou edificação compulsória e, em seguida, à imposição de IPTU progressivo no tempo, para só então passar-se à desapropriação-sanção. [...].  

Vale ressaltar, que em relação a desapropriação-sanção no perímetro urbano, suscitada pelo professor Pedro Lenza em sua obra literária, a Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001, regulamentou o mote, sendo o parcelamento ou edificação compulsória elencados nos artigos 5º e 6º, o Imposto Predial e Territorial Urbano progressivo no tempo no art. 7º e a desapropriação com pagamento em títulos no art. 8º. Eis o teor.

Art. 5o Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação.

§ 1o Considera-se subutilizado o imóvel:

I cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele decorrente;

II (VETADO)

§ 2o O proprietário será notificado pelo Poder Executivo municipal para o cumprimento da obrigação, devendo a notificação ser averbada no cartório de registro de imóveis.

§ 3o A notificação far-se-á:

I por funcionário do órgão competente do Poder Público municipal, ao proprietário do imóvel ou, no caso de este ser pessoa jurídica, a quem tenha poderes de gerência geral ou administração;

II por edital quando frustrada, por três vezes, a tentativa de notificação na forma prevista pelo inciso I.

§ 4o Os prazos a que se refere o caput não poderão ser inferiores a:

I - um ano, a partir da notificação, para que seja protocolado o projeto no órgão municipal competente;

II - dois anos, a partir da aprovação do projeto, para iniciar as obras do empreendimento.

§ 5o Em empreendimentos de grande porte, em caráter excepcional, a lei municipal específica a que se refere o caput poderá prever a conclusão em etapas, assegurando-se que o projeto aprovado compreenda o empreendimento como um todo.

Art. 6o A transmissão do imóvel, por ato inter vivos ou causa mortis, posterior à data da notificação, transfere as obrigações de parcelamento, edificação ou utilização previstas no art. 5o desta Lei, sem interrupção de quaisquer prazos.

Art. 7o Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do art. 5o desta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no § 5o do art. 5o desta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.

§ 1o O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica a que se refere o caput do art. 5o desta Lei e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento.

§ 2o Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida em cinco anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que se cumpra a referida obrigação, garantida a prerrogativa prevista no art. 8o.

§ 3o É vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à tributação progressiva de que trata este artigo.

Art. 8o Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública.

§ 1o Os títulos da dívida pública terão prévia aprovação pelo Senado Federal e serão resgatados no prazo de até dez anos, em prestações anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais de seis por cento ao ano.

§ 2o O valor real da indenização:

I refletirá o valor da base de cálculo do IPTU, descontado o montante incorporado em função de obras realizadas pelo Poder Público na área onde o mesmo se localiza após a notificação de que trata o § 2o do art. 5o desta Lei;

II não computará expectativas de ganhos, lucros cessantes e juros compensatórios.

§ 3o Os títulos de que trata este artigo não terão poder liberatório para pagamento de tributos.

§ 4o O Município procederá ao adequado aproveitamento do imóvel no prazo máximo de cinco anos, contado a partir da sua incorporação ao patrimônio público.

§ 5o O aproveitamento do imóvel poderá ser efetivado diretamente pelo Poder Público ou por meio de alienação ou concessão a terceiros, observando-se, nesses casos, o devido procedimento licitatório.

§ 6o Ficam mantidas para o adquirente de imóvel nos termos do § 5o as mesmas obrigações de parcelamento, edificação ou utilização previstas no art. 5o desta Lei.

Destarte, verificando que o escopo do estudo é o meio urbano, quando uma pessoa adquire uma unidade autônoma em um condomínio edilício residência, comercial ou mista, cada empreendimento vai cumprir uma função social de acordo com a finalidade de sua instituição, em outras palavras, o adquirente de uma propriedade residencial, comercial ou mista de um edifício, irá cumprir a função social, conforme as determinações estabelecidas no plano diretor, para o qual o condomínio edilício foi estabelecido, nos termos dos artigos 39 e 40, ambos da Lei n. 10.257/01, em consonância com o art. 1.332, do Código Civil. Eis o teor dos textos infraconstitucionais:

Lei n. 10.257/01.

Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2o desta Lei.

Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana.

§ 1o O plano diretor é parte integrante do processo de planejamento municipal, devendo o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas.

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§ 2o O plano diretor deverá englobar o território do Município como um todo.

§ 3o A lei que instituir o plano diretor deverá ser revista, pelo menos, a cada dez anos.

§ 4o No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão:

I a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade;

II a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos;

III o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos.

§ 5o (VETADO)

Código Civil.

Art. 1.332. Institui-se o condomínio edilício por ato entre vivos ou testamento, registrado no Cartório de Registro de Imóveis, devendo constar daquele ato, além do disposto em lei especial:

I - a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas uma das outras e das partes comuns;

II - a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns;

III - o fim a que as unidades se destinam.

Portanto, quando o proprietário está cumprindo a função social de uma unidade autônoma ou do condomínio edilício residencial em harmonia com a Constituição Federal e os dispositivos infraconstitucionais acima mencionados, o próprio não pode ser compelido a vivenciar uma outra realidade, da qual não tem interesse, como por exemplo, ter como vizinhos estabelecimentos comerciais, pelo simples fato de uma Assembleia Geral Ordinária ou Extraordinária que foi convocada para deliberar sobre a mudança da destinação do edifício ou da unidade imobiliária e aprovou a transformação, por meio do quorum qualificado de dois terços dos condôminos, conforme a nova redação da Lei n. 14.405/22, dado que a situação apresentada, afronta diretamente os artigos 5º, incisos XXII e XXIII e 182, § 2º, da Constituição Federal de 1988, ou seja, a possibilidade da mudança de destinação do edifício ou da unidade autônoma, tendo como sustentáculo legal a Lei n. 14.405/22, é inconstitucional.

Urge enfatizar, que a redação anterior do art. 1.351, do Código Civil, estava em plena harmonia com a Carta Magna de 1988, pois para a mudança da destinação do edifício ou da unidade autônoma era necessário a aprovação através da unanimidade dos condôminos em uma Assembleia Geral Ordinária ou Extraordinária devidamente convocada para tanto, ficando então a critério de toda a massa condominial a destacada mutação e não somente para uma parte dos condôminos.

À vista disso, fica evidente a inconstitucionalidade da Lei n. 14.405/22, que poderá ser combatida em uma possível Ação Direta de Inconstitucionalidade, nos termos do art. 103, da Carta Política de 1988, combinado com a Lei n. 9.868/99, sendo que um dos titulares para propor uma ADI perante o Supremo Tribunal Federal, é o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que não precisa demonstrar a pertinência temática da instituição com o pedido da ação direta proposta.

Sobre o autor
Adriano Sales Advocacia

ADRIANO SALES. Advogado regularmente inscrito na OAB/CE sob o n. 26.720, sócio/diretor do Escritório Adriano Sales Advocacia, especialista em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Damásio Educacional, Diretor Adjunto da Associação Nacional da Advocacia Condominial no Estado do Ceará – ANACON/CE e membro efetivo da Comissão de Direito Condomínio da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção Ceará – OAB/CE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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