A Arbitragem e as Cláusulas Compromissórias no Direito Brasileiro

23/10/2022 às 10:38
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RESUMO: A arbitragem, mais do que o simples encontro de vontades que está na sua origem, tem uma importância pública enquanto meio de obtenção de justiça e de reconciliação social. Os árbitros desempenham uma função semelhante à dos juízes estaduais, deliberam de forma imparcial uma controvérsia, salvaguardando o princípio do contraditório e a igualdade de armas entre as partes. Pode-se concluir que o tema é útil, efetivo e indispensável, sendo imprescindível ampliar a utilização do processo arbitral.

Palavras-Chave: Arbitragem, Cláusula Compromissória, Cláusulas Patológicas.

ABSTRACT

An arbitration, is more than just simple meetings of wills, which is in the origin, has a public importance as a means to obtaining justice and social reconciliation. The arbitrators play a similar role compared to the state judges, impartially deliberate the controversy, safeguarding the principle of contradiction and equality of arms between the parties. It can be concluded that the theme is useful, effective and indispensable, and it is essential to expand the arbitration proceedings.

Keywords: Arbitration, Compromise Clause, Pathological Clauses.

Sumário: Introdução. 1. Conceito de Arbitragem. Considerações Gerais. 2. Aspectos Gerais sobre a

Lei da Arbitragem 3. Cláusula Compromissória 4. Cláusulas assimétricas e as Cláusulas combinadas. 5. Breves considerações finais 6. Referências Bibliográficas

Introdução

A arbitragem era legalmente reconhecida no Brasil desde os tempos da colonização portuguesa, a arbitragem já existiu como obrigatória no direito brasileiro. O Brasil assinou o Protocolo de Genebra de 1923, sendo um dos contratantes do Código de Bustamante e signatário, igualmente da Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional, os códigos unitários de processo civil de 1939 e 1973, elegeram a arbitragem na sua modalidade facultativa de juízo arbitral, pelo qual as partes podiam submeter seu litígio a um árbitro mediante compromisso, que o instituía, observados determinados requisitos. A Lei nº 9.307 de 23/9/96, altera profundamente a história do instituto da arbitragem no direito brasileiro. A nova lei modifica o ineficiente modelo de juízo arbitral, disciplinando a convenção de arbitragem e prestigiando a manifestação da vontade, a prudência dos bons costumes e da ordem pública.

1. Conceito de Arbitragem. Considerações Gerais.

A arbitragem é um simples contrato através do qual se delega num terceiro a solução da controvérsia. A arbitragem é considerada como um meio extrajudicial de solução de controvérsias, no qual as partes podem submeter questões litigiosas surgidas ou que possam vir a surgir, à decisão de um único árbitro ou de um tribunal arbitral. Os árbitros são mandatários comuns das partes, concretizando a sua decisão à vontade das partes. A arbitragem é uma figura mista ou híbrida, contratual no alcance em que se consolida no reconhecimento da autonomia privada e jurisdicional, pois a função dos árbitros consiste em julgar um litígio e a sua decisão é fundamentada na mesma força executiva que assiste às sentenças dos tribunais comuns.

O processo arbitral comporta uma maior autonomia das partes em relação ao processo civil dos países de sistema legal romano-germânico, diante da ampla liberdade decisória que detém ao impulsionarem a instauração do processo; ao limitarem o seu objeto; ao determinarem a quantidade de árbitros que atuarão e decidirão sobre a questão; ao elegerem as regras procedimentais a serem utilizadas no decurso do processo; ao designarem o lugar onde se realizará a arbitragem; ao mencionarem a língua que será utilizada; e ao escolherem a lei aplicável ao mérito da causa.

Arbitragem voluntária deriva, como um instituto com o princípio num contrato celebrado entre particulares que visa num litígio, que considera questões e posições jurídicas que caibam no domínio da disponibilidade das partes à margem dos tribunais estaduais, pela sua submissão à decisão de um ou mais árbitros nomeados pelos litigantes. A arbitragem voluntária é contratual na sua origem, privada na sua natureza e pública no seu resultado.

O consentimento incito na convenção de arbitragem pode ser categorizado como expresso ou tácito. Será tácito se o mesmo não decorrer diretamente de um ato, mas antes de uma dedução. A irregularidade do consentimento terá como suposição a inexistência de uma arbitragem voluntária.

2. Aspectos Gerais sobre a Lei da Arbitragem

A arbitragem no Brasil é regulamentada pela Lei nº 9.307, de Setembro de 1996, posteriormente alterada pela Lei 13.129 de Maio de 2015, alteração elaborada com o propósito de ampliar o âmbito de aplicação da arbitragem e dispor sobre a escolha dos árbitros quando as partes recorrem a órgão arbitral, a interrupção da prescrição pela instituição da arbitragem, a concessão de tutelas cautelares e de urgência nos casos de arbitragem, a carta arbitral e a sentença arbitral.

A Lei de Arbitragem Brasileira assume um modelo em que não faz a diferenciação entre a arbitragem doméstica e internacional sendo omissas as referências à arbitragem comercial internacional, mas regulamenta a convenção nos artigos.

A legislação permaneceu praticamente inalterada até 2015, quando uma comissão de juristas estipulam um projeto de reforma, e a esta lei que deu origem a Lei 13.129 promulgada em 26 de Maio de 2015. Esta ressaltou, no seu artigo 31, o reconhecimento de sentença arbitral sendo equipara aos efeitos à sentença judiciária. Além do mais, previu-se ainda que da condenação pecuniária constitui-se um título executivo autónomo da homologação pelo poder judiciário.

No primeiro artigo, a Lei de Arbitragem faz uma ressalva quanto aos temas que poderão ser estipulados pela justiça arbitral. Conforme estipulado, poderão recorrer à arbitragem os conflitos relacionados aos direitos patrimoniais disponíveis. Desta forma, pessoas físicas e jurídicas, desde que capazes perante a lei, poderão utilizar-se da arbitragem como meio de solucionar conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Neste sentido, a arbitrabilidade consiste justamente na condição sine qua non para que uma determinada lide possa ser submetida à arbitragem, vale dizer os limites aplicáveis para sua submissão.

A Lei de Arbitragem brasileira, nos artigos terceiro ao décimo segundo, especifica as normas que dizem respeito à convenção de arbitragem. A arbitragem é um acordo entre as partes, deverá ser utilizada quando assim as partes optarem, renunciando a atuação da jurisdição estatal, de outro modo, a matéria deverá ser julgada pelo poder judiciário.

3. Cláusula Compromissória

É comum caraterizar a cláusula compromissória, que é celebrada para um litígio futuro, uma espécie de pré-contrato ou contrato preliminar, de um compromisso arbitral que é celebrado para um litígio presente.

Conforme consta no Artigo 3º da Lei nº9.307, de Setembro de 1996 - As partes interessadas podem submeter a solução dos seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.

As cláusulas compromissórias podem ter multipartes, isto é com diversos demandantes ou demandados, como exemplo remeter para um regulamento de arbitragem institucionalizada ou estabelecer uma determinada solução. A legislação arbitral brasileira determina que a cláusula compromissória só pode respeitar a litígios emergentes de relação jurídica contratual, mas não extracontratual.

De acordo com o Artigo 4º da Lei nº9.307, de Setembro de 1996, encontra-se delineada a definição de cláusula compromissória - A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.

A lei brasileira de arbitragem delimita a eficácia da cláusula compromissória. Esta lei ainda representa a influência da tese tradicional segundo a qual a cláusula compromissória é um simples contrato-promessa no qual obriga as partes a celebrar o compromisso arbitral, ou seja um contrato definitivo.

A cláusula compromissória deve atender aos requisitos de validade previstos no artigo 104 do Código Civil Brasileiro, em especial, intrínsecos ao objeto. O objeto imediato do negócio jurídico adota o conjunto de prestações a se satisfazer, em contrapartida o objeto mediato corresponde à coisa sobre o qual recaem os efeitos da prestação. Portanto, o objeto da convenção de arbitragem abrange tanto a obrigação de instaurar o procedimento arbitral, ou seja o objeto imediato, bem como as matérias sujeitas a essa forma de resolução de litígios, ou seja o objeto mediato. Importa destacar, que a Lei de Arbitragem Brasileira cria uma regra específica para cláusulas compromissórias vazias, aludindo a um processo junto do juiz que tem entendido corresponder a uma execução específica da cláusula compromissória, permitindo que uma das partes reclame a intervenção de um tribunal judicial, de modo a fixar as condições necessárias à prossecução da via arbitral.

A cláusula compromissória vazia é uma convenção de arbitragem, mas com eficácia limitada, as partes estão vinculadas à solução do conflito, sendo necessário a celebração de um compromisso arbitral para definir regras de instauração e desenvolvimento de arbitragem. Simplesmente prevê de forma genérica, que eventuais litígios são resolvidos por via da arbitragem. As cláusulas vazias, manifestam a vontade das partes quanto ao recurso à arbitragem, sem determinar outros aspetos operacionais relevantes. No caso das cláusulas compromissórias escalonadas, antecipam o procedimento de resolução alternativa do litígio prévios a arbitragem, moldadas pela autonomia privada pelas partes. A Cláusula vazia ou patológica quando ausente a indicação da forma de nomeação do árbitro, cabe à parte interessada formular a sua intenção de iniciar a arbitragem, convocando-a para firmar o compromisso arbitral. Caso contrário, caberá à parte interessada promover demanda judicial para litigar o cumprimento específico da cláusula vazia, cuja sentença judicial instituirá o juízo arbitral suprindo a vontade das partes (artigos 6º e 7º da Lei nº 9.307/96).

Existe a necessidade de se atentar à elaboração da cláusula compromissória, cuja a sua redação deverá conter:

A identificação da instituição arbitral à qual se vinculará a cláusula;

O direito substancial aplicável à espécie, optando por regras de direito ou regras de equidade;

A forma de processamento da arbitragem;

O número e a composição do juízo arbitral;

O local onde será instaurada a arbitragem;

E caso necessário a língua oficial a ser utilizada no processo arbitral.

A cláusula compromissória assim como qualquer outra disposição negocial, deriva de um ato de vontade e liberdade das partes, assim compreendido como a autonomia de negociar, intrínseco a cada sujeito de direito.

4. Cláusulas assimétricas e as Cláusulas combinadas.

Na arbitragem é relevante caracterizar as cláusulas assimétricas e as cláusulas combinadas.

Nas cláusulas assimétricas, uma das partes é reconhecido o direito potestativo de submeter especificados litígios à arbitragem, como exemplo: em determinados ordenamentos jurídicos não existem obstáculos à respetiva aceitação em convenções de arbitragem internacionais.

Para Gorjão Henriques a cláusula arbitral assimétrica confere a uma das partes a opção de recurso à arbitragem ou à jurisdição estatal para solucionar os conflitos emerges da relação jurídica, não deixando à outra parte uma opção semelhante.

Nas cláusulas combinadas, as partes tem faculdade por optar entre a via arbitral e via judicial.

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A seleção efetiva é diferida para um momento posterior, em simultâneo com o aparecimento

do litígio ou da questão a decidir. No momento em que uma das partes exercer o direito potestativo à constituição do tribunal arbitral, a outra parte encontra-se num estado de sujeição, ficando vedado a via de recurso aos tribunais judiciais.

As cláusulas de eleição do foro e arbitragem, inseridas num mesmo contrato são designadas especificamente pela doutrina de cláusulas combinadas, em que as partes podem fracionar o contrato e selecionar leis diferentes ou princípios gerais de direito para regular as matérias identificadas e determináveis no contrato submetido à arbitragem.

A compatibilidade entre a cláusula compromissória e a cláusula de eleição do foro é analisada por Carlos Alberto Carmona, a convivência de ambas é pacífica, não havendo necessidade de conceber artifícios interpretativos, muito menos de investigar eventuais intenções das partes para excluir uma ou outra avença

Eros Roberto Grau não observa qualquer incompatibilidade entre a cláusula de eleição do foro e a cláusula compromissória, já que consolida a regra elementar de interpretação a de que o entendimento de uma cláusula não pode ser aquele que conduza a sua inutilidade.

Por conseguinte, é perfeitamente possível conciliar as cláusulas compromissórias com as cláusulas de eleição do foro, designadas de cláusulas combinadas ou cláusulas fracionadas..

5. Breves considerações finais

Do que foi exposto neste artigo podemos retirar determinadas conclusões sobre a arbitragem e o acordo pelo qual se dá o acesso ao modelo alternativo de resolução de litígios.

A arbitragem é diferenciada na sua forma alternativa de resolução de litígios fora da jurisdição estadual, no acordo entre as partes litigantes, designado por convenção de arbitragem, ou por imposição legal neste caso, por norma imperativa. Quanto à natureza jurídica da cláusula compromissória, podemos concluir que é instrumento de direito potestativo com as respetivas vinculações jurídicas, como o direito de constituir o tribunal arbitral e bem como vincular as partes à decisão dos árbitros.

Por fim, verifica-se que o fundamento para a celebração de uma convenção de arbitragem à luz do direito brasileiro, é de que o direito sobre o qual incida a controvérsia seja de natureza patrimonial disponível, não se aceitando convenção de arbitragem sobre direitos indisponíveis.

6. Referências Bibliográficas

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Legislação

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BRASIL, Lei nº10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União - seção 1 - Brasília

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