O assédio eleitoral nas relações de trabalho e suas implicações jurídicas

Leia nesta página:

O presente trabalho objetiva apresentar as ações que podem ser consideradas assédio eleitoral no ambiente laboral, bem como dados acerca do crescimento das denúncias e evidenciar as medidas jurídicas possíveis de coibir referida prática.

RESUMO

 O assédio eleitoral no âmbito das relações do trabalho pode ser praticado pelo empregador ou seu representante em face de qualquer trabalhador sob seu poder diretivo, sejam empregados, terceirizados, estagiários, etc.

A prática consiste em interferir na liberdade de voto do trabalhador por meio de coação, ofertas, ameaças e outras condutas, ainda que veladas.

Em relação às eleições presidenciais de 2018, o número de denúncias cresceu aproximadamente 700%, o que atribuímos à crescente polarização política no país, em especial no segundo turno, e também à divulgação midiática acerca da prática e dos canais de denúncia.

Como forma de coibir o assédio, o Ministério Público do Trabalho vem firmando Termos de Ajustamento de Conduta com os infratores e ajuizado Ações Civis Públicas com o objetivo de obter condenação em obrigações de não fazer e pagamento de indenizações.

Além disso, o Tribunal Superior Eleitoral tem adotado posicionamento firme quanto à prática do assédio eleitoral, que pode ser enquadrado nos crimes previstos no código eleitoral.

 

INTRODUÇÃO

O assédio eleitoral ou político já é conhecido no campo das relações de trabalho. Nada obstante, carece de regulamentação específica neste âmbito, em que pese existam medidas jurídicas possíveis de serem tomadas para coibi-lo.

A partir deste cenário, o presente trabalho objetiva investigar as práticas caracterizadas como assédio eleitoral no ambiente de trabalho e as medidas jurídicas cabíveis em face delas.

A pesquisa teve como pano de fundo as eleições presidenciais de 2022 e os inúmeros casos de assédio eleitoral denunciados ao Ministério Público do Trabalho.

Para a análise quantitativa foram utilizadas notícias veiculadas em jornais eletrônicos e informações oficiais extraídas do site do Ministério Público do Trabalho de Minas Gerais.

 

1. PRÁTICAS CARACTERIZADAS COMO ASSÉDIO ELEITORAL

O assédio, em sentido amplo, é espécie de dano extrapatrimonial e caracteriza-se pelo constrangimento psicológico ou físico à pessoa (BONFIM, 2022, PAG. 952), importando em conduta abusiva, reiterada e intencional. Assim, diferente do dano moral, o assédio requer a prática de atos que se perpetuam no tempo.

Neste contexto, o assédio eleitoral ou político corresponde às ações imprimidas pelo empregador em face de seus colaboradores, com vistas a interferir em seu direito de voto. Interferir porque a prática não objetiva apenas influenciar a escolha política do trabalhador, mas em diversas situações visa também atravancar o exercício do direito de escolha por meio de ações que impedem o trabalhador de votar, a exemplo da retenção de documentos.

Ainda convém ponderar que o assédio nem sempre ocorre pela ameaça de perda do emprego. Se opera também através de perseguição, ações discriminatórias, promessas de promoção ou outras vantagens, podendo ocorrer dentro ou fora do ambiente laboral.

Pode ocorrer através de proibição de utilização de logotipo de candidato diverso do apoiado pelo empregador ou pela ofensa à vítima tendo como fundamento suas convicções políticas.

Ainda, há notícias[1] que afirmam ofertas de folgas, churrasco, cesta básica e 14º salário para empregados caso eleito o candidato apoiado pelo empregador.

Em inquéritos civis no âmbito do Ministério Público do Trabalho é possível verificar outras condutas assediadoras, como discursos de representantes de empresas afirmando intenção de paralisar investimentos na região caso seu candidato não logre vitória nas eleições presidenciais (PTM Teófilo Otoni (MG)  - IC 000153.2022.03.008/0 - ACPCiv 0010519-09.2022.5.03.0146 - PAJ 000168.2022.03.008/098 ).

Na referida toada, Nayara Shirado (2015, pag. 22) afirma quanto à caracterização do assédio eleitoral:

Assim, por se tratar de uma modalidade de assédio, pode-se afirmar que está associado à ideia de coagir, impor, pressionar o trabalhador, pouco importando o liame contratual (efetivo ou temporário), ou o tomador do serviço (entidade privada ou pública), com o objetivo de fazer aderir a determinados grupos políticos, obter-lhe voto e/ou apoio a candidatos no interesse do assediante, contra a vontade do assediado, ou ainda associado à conduta de fazer adotar determinadas posturas político-ideológicas contrárias às da vítima.

Ademais, nas palavras do Ministro Alexandre de Moraes[2], o assédio eleitoral é uma prática criminosa de empregadores que coagem, ameaçam e prometem benefícios para que seus funcionários votem ou deixem de votar em determinadas pessoas

Neste contexto, não se pode, nem de longe, enquadrar as práticas de assédio eleitoral como decorrentes do poder diretivo do empregador, pois este poder, conforme ensina Sérgio Pinto Martins (2022, pag 354), é exercido em relação ao serviço do empregado e não em relação à pessoa do empregado. Assim, a opção política do trabalhador não pode sofrer interferência do empregador, pois não guarda qualquer relação com a atividade laboral.

 

2. ASSÉDIO ELEITORAL NAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2022 EM NÚMEROS

Apurou-se que nas eleições de 2018 o total de denúncias por assédio eleitoral havia atingido a marca de 212 e o número de empresas denunciadas foi de 98[3].

Nas eleições presidenciais de 2022, em comparação, até 12/10/2022 o Ministério Público do Trabalho (MPT) havia registrado 173 denúncias de assédio de empresas contra funcionários[4].

Ainda segundo informações extraídas do Jota[5] em 18/10/2022, o Procurador-Geral do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira, havia declarado que as denúncias de assédio eleitoral nas empresas aumentaram quase dez vezes entre o 1º turno e o 2º turno das eleições de 2022, de 45 para 431, tendo sido denunciadas mais de 400 empresas.

Segundo o G1, Minas Gerais é o estado do Brasil com o maio número de denúncias por assédio eleitoral[6], tendo o Ministério Público do Trabalho apurado 51 denúncias contabilizadas entre 03/10/2022 e 25/10/2022 em Varginha, tornando o município líder de denúncias no estado[7], seguido de Divinópolis e Juiz de Fora[8], este último com 26 denúncias até 25/10/2022[9].

No total, até 26/10/2022 foram registradas 1.633 denúncias de assédio eleitoral em todo o território nacional[10].

 

3. MEDIDAS PARA COIBIR O ASSÉDIO ELEITORAL PRATICADO NO AMBIENTE DE TRABALHO

O assédio eleitoral pode ser enquadrado como crime, uma vez que o Código Eleitoral tipifica e impõe pena de reclusão de até 4 anos, mais pagamento de multa, para as condutas de dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita (ar. 299, do Código Eleitoral).

Destaca-se que quando a coação é praticada por servidor público a pena é de detenção de até 6 meses, pagamento de multa, podendo ser agravada quando o agente que pratica o crime é membro ou funcionário da Justiça Eleitoral (art. 300 do Código Eleitoral).

Também são consideradas crime eleitoral as ações assediadoras praticadas sob uso de violência ou grave ameaça, visando coagir alguém a votar ou não votar em determinado candidato (art. 301 do Código Eleitoral).

Neste sentido, em nota pública conjunta, o Tribunal Regional do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho[11], ambos de Minas Gerais, estado com o maior número de denúncias no país, destacaram que ameaças a trabalhadores para tentar coagir a escolha em favor de um ou mais candidatos ou candidatas podem ser configuradas como prática de assédio eleitoral e abuso do poder econômico do empregador, passíveis de medidas extrajudiciais e/ou judiciais na esfera trabalhista e criminal.

Tanto é assim que, além da possibilidade de enquadramento da conduta como crime, o Ministério Público do Trabalho vem firmando Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) com as empresas praticantes do assédio eleitoral para pagamento de multa e cumprimento de obrigações não fazer.

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Foi assim no caso da Rocha Distribuições, que em 24 horas teve que circular comunicado em favor da liberdade do voto dentro da empresas e nas redes sociais, além de pagar R$ 50.000,00 a título de multa por dano coletivo[12].

Em Minas Gerais o Ministério Público do Trabalho, até 25/10/2022, já havia expedido 1.435 recomendações[13], firmado 16 TACs e ajuizado3 ações civis públicas[14] pautadas em denúncias de assédio eleitoral.

Dentre os diversos compromissos firmados nos termos estão a garantia aos trabalhadores de respeito ao direito fundamental à livre orientação política e ideológica e à liberdade de filiação partidária, na qual se insere o direito de votar e ser votado, a abstenção de ameaçar, mesmo que de forma velada, constranger ou orientar os trabalhadores, sejam empregados, terceirizados, estagiários, aprendizes, entre outros, a votarem em determinado candidato concorrente das eleições de 2022 e/ou a não votarem, dentre outros.

 

CONCLUSÃO

Conforme dados obtidos com a pesquisa, o número de denúncias de casos de assédio eleitoral é praticamente 700% maior nas eleições presidenciais de 2022 do que foi em 2018.

Atribuímos o aumento das denúncias à grande polarização política vivida nestas eleições de 2022, principalmente no segundo turno. Os dados confirmam nossa hipótese, já que é possível notar grande aumento no número de denúncias desde o primeiro turno.

Além disso, o crescimento das denúncias deve-se à ampla e clara divulgação nas mídias sobre o que configura assédio eleitoral. Tal fato, aliado à informação sobre os canais de denúncia, tem o condão de levar as práticas ao conhecimento das autoridades competentes por investigar e punir os autores, seja no âmbito penal ou trabalhista.

 

BIBLIOGRAFIA

 

BARBOSA, Eduardo Schamne; DE QUEIROZ KRIEGER, Olga Maria. Do Cabresto às Fake News: desafios ao pleno direito ao voto. ANAIS DO I SIMPÓSIO DE DIREITO, TECNOLOGIA E INOVAÇÃOUNIFACEAR,. Disponível em: < https://www.unifacear.edu.br/wp-content/uploads/caderno-anais-simpsio-vf.pdf#page=32>. Acesso em 25 out.2022.

 

BOMFIM, Vólia. Direito do Trabalho. São Paulo: Editora Método, 2022.

 

BRASIL. Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965. Institui o Código Eleitoral. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4737compilado.htm>

 

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Editora Saraiva., 2022.

 

SHIRADO, Nayana. Assédio eleitoral no ambiente de trabalho: a ingerência do empregador na escolha política do empregado. Revista de Jurisprudência do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas, Manaus, n. 15, p. 13-51, 2015.


SÍTIOS ELETRÔNICOS


[1] https://reporterbrasil.org.br/2022/10/folga-boi-no-rolete-e-14o-salario-as-ofertas-ilegais-de-patroes-se-bolsonaro-vencer/

[2] https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2022/10/17/tse-diz-que-assedio-eleitoral-e-crime-e-anuncia-reuniao-com-o-ministerio-publico

[3] https://www.jota.info/eleicoes/denuncias-de-assedio-eleitoral-sobem-quase-dez-vezes-do-1o-ao-2o-turno-18102022

[4] https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2022/10/17/tse-diz-que-assedio-eleitoral-e-crime-e-anuncia-reuniao-com-o-ministerio-publico

[5] https://www.jota.info/eleicoes/denuncias-de-assedio-eleitoral-sobem-quase-dez-vezes-do-1o-ao-2o-turno-18102022

[6] https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/eleicoes/2022/noticia/2022/10/21/minas-gerais-e-o-estado-com-maior-numero-de-denuncias-de-assedio-eleitoral-do-pais-veja-ranking.ghtml

[7] https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2022/10/25/interna_politica,1411860/varginha-lidera-o-numero-de-denuncias-de-assedio-eleitoral-em-minas-gerais.shtml

[8] https://santanafm.com.br/divinopolis-ocupa-o-2o-lugar-em-denuncias-por-assedio-eleitoral/

[9] https://tribunademinas.com.br/noticias/politica/eleicoes-2022/25-10-2022/numero-de-denuncias-de-assedio-eleitoral-em-juiz-de-fora-sobe-para-26.html

[10] https://www.prt3.mpt.mp.br/procuradorias/prt-belohorizonte/2363-assedio-eleitoral-informacoes-para-imprensa

[11]https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noticias-institucionais/nota-publica-do-trt-mg-e-do-mpt-mg-sobre-assedio-eleitoral

 

[12] https://g1.globo.com/pa/santarem-regiao/noticia/2022/10/25/empresario-suspeito-de-assedio-eleitoral-firma-tac-com-mpt-e-tera-que-defender-liberdade-de-voto.ghtml

[13] https://www.prt3.mpt.mp.br/servicos/recomendacoes

[14] https://www.prt3.mpt.mp.br/procuradorias/prt-belohorizonte/2363-assedio-eleitoral-informacoes-para-imprensa

Sobre a autora
Nayara Ferreira Marques da Silva

Advogada responsável pela área trabalhista do Furriela Advogados, Monitora da Pós-graduação em Direito do Trabalho da FGV-SP, Mestranda em Direito do Trabalho pela PUC-SP, Pós-graduada em Direito Empresarial. Atua em demandas consultivas e contenciosas envolvendo direito individual e coletivo do trabalho que impactam organizações nacionais e estrangeiras de diversos segmentos e desenvolve pesquisa acadêmica sobre o impacto da inteligência artificial e tecnologia nas relações laborais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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